O número de ações judiciais com foco na responsabilização civil dos empregadores e na indenização por danos decorrentes de acidentes de trabalho já alcança a marca de 2.581 processos em primeiro grau, em 2023, no Rio Grande do Sul. Os dados são referentes ao primeiro semestre e foram obtidos junto ao Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4).
Considerando apenas os primeiros seis meses, é possível dizer que foram movidas, em média, 14 novas ações indenizatórias por dia. Em todo ano passado, o número de processos na primeira instância relacionados ao tema chegou a 4.627.
Considerados apenas os processos de segundo grau, o primeiro semestre soma 1.665 ações. O ano de 2022 totalizou 3.123. Esses números, no entanto, são referentes à segunda instância, incluindo os recursos protocolados no TRT-4 - não contemplando exclusivamente a abertura de casos novos. Portanto, não foram considerados por GZH na contagem da média diária de novos processos abertos na Justiça do Trabalho.
O desembargador do TRT-4 Fabiano Holz Beserra, explica que existe mais de uma vertente indenizatória porque o acidente de trabalho pode provocar danos materiais ou morais.
— Os danos materiais são basicamente os gastos com tratamentos médicos, cirurgia e medicamentos, sendo mensuráveis em dinheiro. São danos que podem ser reparados integralmente. E tem também tem os lucros cessantes. Essa é a particularidade do Direito do Trabalho. Quando o acidente de trabalho ou a doença profissional invalidam para o trabalho, tirando ou diminuindo a capacidade de trabalho, o empregador responsável por esse acidente ou doença tem que indenizar na medida desse dano que ele causou.
Com relação aos danos morais, o magistrado comenta que ele não é reparável em exata medida, pois o sofrimento de uma pessoa não tem como ser mensurado.
— Mas eu compenso ele e essa compensação tem a finalidade também pedagógica: fazer com que o empregador adote cautelas no futuro e não cause novos acidentes.
Mapeamento dos acidentes em números
De acordo com o Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho (SmartLab), que considera apenas acidentes de trabalho envolvendo pessoas com carteira assinada, o Rio Grande do Sul ocupa a terceira posição entre os Estados brasileiros com mais ocorrências, ficando atrás apenas de São Paulo e Minas Gerais. A fonte de dados é o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
Em todo Brasil, 612.920 acidentes foram notificados no ano passado. Já em território gaúcho, o número chega a 50.491 - um aumento de 16% em relação a 2021, que teve 43.447 ocorrências.
A cidade com mais notificações foi Porto Alegre (9.403 casos), acompanhada por Caxias do Sul (4.436). A capital gaúcha, inclusive, ocupa a 4ª colocação no ranking nacional de municípios, vindo atrás de São Paulo (51.233), Rio de Janeiro (18.747) e Belo Horizonte (11.776).
Quanto ao número de mortes vinculadas aos acidentes, o Rio Grande do Sul teve 139 óbitos de trabalhadores com emprego formal notificados no ano passado.
Série histórica
Considerando a série histórica, os dados obtidos através do SmartLab indicam o maior registro em nível estadual desde 2017 (46.736 notificações).
De 2019 para 2020, é possível identificar uma queda de aproximadamente 10 mil casos, totalizando 37.169 acidentes no ambiente de trabalho. A redução pode ser explicada pelo início da pandemia somado à implementação de políticas de isolamento social no Rio Grande do Sul. De lá para cá, o crescimento foi de 35%.
— É difícil a gente apontar uma causa específica para o aumento de acidentes, mas houve um crescimento significativo a partir da retomada das atividades econômicas. Mas também pode ser um reflexo da atuação do próprio MPT e de outros órgãos no combate à subnotificação de acidentes de trabalho. Então quanto mais empresas, quanto mais órgãos notificam, obviamente a gente tem um reflexo no aumento do número — comenta a procuradora do Ministério Público do Trabalho do Rio Grande do Sul (MPT-RS), Priscila Dibi Schvarcz.
Em todo o período analisado por GZH (2012-2022), com a exceção de 2020, não houve ano com menos de 40 mil registros. A média é de 49,9 mil ocorrências anuais.
Priscila Dibi Schvarcz ainda observa que, no ano passado, 424 pessoas ficaram definitivamente incapacitadas para o trabalho, precisando acessar a aposentadoria por invalidez.
— Os custos com acidente são elevados. Eles geram tempo perdido na empresa; despesa com maquinário e primeiros socorros; interrupção da produção; os primeiros 15 dias de afastamento são pagos pela empresa; muitas vezes há prejuízo da imagem da empresa; multas e autuações; por isso não é rentável a não-adoção das medidas de prevenção.
Quem são e onde trabalham
As atividades de atendimento hospitalar concentram o maior número (19%) de notificações de acidentes de trabalho no Estado. Foram 7.527 casos em 2022.
A categoria que ocupa o topo da lista de profissionais com mais ocorrências no ano passado é a de técnicos de enfermagem, com 4.122 acidentes notificados (10%). Logo na sequência, entram os alimentadores de linha de produção com 3.275 (8%) e os faxineiros com 1.754 casos (4%).
O que diz a legislação
O tema é tratado no capítulo 5 da Consolidação das Leis do Trabalho, a CLT. A legislação diz que cabe às empresas: cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho; instruir os empregados sobre as precauções necessárias para evitar acidentes ou doenças ocupacionais; adotar todas as medidas determinadas pelo órgão regional competente; e facilitar a fiscalização.
Por outro lado, a CLT também define que cabe aos empregados observar as normas; colaborar com a empresa na aplicação das medidas. Recursar-se, sem justificativa, a cumprir as instruções e a usar os equipamentos de proteção individual fornecidos pela empresa pode levar à demissão.
Em caso de descumprimento, denuncie
A procuradora do Trabalho destaca que qualquer denúncia pode ser feita neste site. Ao acessar o link, é possível tanto disponibilizar os próprios dados quanto pedir sigilo.
—E aí, caso haja um pedido de sigilo, esses dados não serão acessados pela empresa ou por qualquer outra pessoa, com exceção do próprio Ministério Público do Trabalho. É muito importante que esses casos cheguem até nós porque quando a conseguimos atuar de forma preventiva chegamos a resultados muito melhores, sem esperar alguém ter uma lesão grave, uma morte no ambiente de trabalho para chegar essa informação.
Fabiano Beserra conclui reforçando a importância de que o mau empregador seja responsabilizado e cobrado a dar condições seguras para os seus funcionários, não deixando a questão apenas no âmbito da previdência.
— Porque o mau empregador encarece os custos para o Estado. Encarece o Sistema Único de Saúde (SUS) com tratamento de saúde do funcionário que sofreu acidente, encarece a previdência social com o pagamento de benefícios por incapacidade. Por conta desse mau empregador, toda sociedade é obrigada a pagar mais tributos porque a previdência é sustentada com tributos de todos os cidadãos. Além disso, é uma concorrência desleal: o empregador correto tem um custo maior porque investe na segurança, enquanto o mau empregador tem "barateada" a sua produção, concorrendo deslealmente com quem cumpre a lei.