A reação negativa de prefeitos, empresários e comunidades com os valores da tarifa de pedágio a serem cobrados em rodovias da Serra e do Vale do Caí, arrematados em leilão do governo estadual na última quarta-feira (13), levou o presidente da Assembleia Legislativa, Valdeci Oliveira (PT), a convocar uma reunião em busca de alternativas. Está em curso uma mobilização com o objetivo de evitar a homologação do resultado da concorrência.
Valdeci diz que decidiu chamar o encontro para a próxima terça-feira (19), próximo do meio-dia, na Assembleia, depois de ter tomado conhecimento do pedido de ajuda do prefeito Júlio César Campani (PSDB), de São Sebastião do Caí. Campani foi um, dentre outros chefes de Executivo municipais, a considerar abusivos os preços definidos no leilão, realizado na bolsa de valores B3, em São Paulo.
O único interessado em assumir seis trechos de rodovias gaúchas foi o consórcio Integrasul, que apresentou proposta com desconto de 1,3% em relação aos preços máximos de referência publicados no edital. Dessa forma, os valores a serem cobrados em seis praças variam entre R$ 6,85 e R$ 9,83. Valdeci diz que iniciativas somente poderão ser encaminhadas após debate na reunião, mas antecipa ter posição favorável à realização de um novo leilão pelo Palácio Piratini. Para isso acontecer, o certamente realizado na última quarta-feira não poderia ser homologado, trâmite legal antes da assinatura do contrato.
— Os valores que estão arbitrados, a partir do momento em que concorreu uma empresa só, são extremamente extorsivos. Ninguém é contra o pedágio, desde que não seja exorbitante. Entendo que o governo precisa ouvir o clamor regional e buscar alternativas. Nesse caso, seria melhor não homologar e fazer um novo leilão — avalia Valdeci.
Ele considera que o desconto de 1,3% ofertado pelo consórcio vencedor é “uma afronta”. Em outro leilão do governo estadual, para a concessão da RSC-287, realizado em dezembro de 2020, o consórcio vencedor ofereceu desconto de 54,41% em relação ao teto da tarifa definido em edital. Com isso, o pedágio na RS-287 ficou em R$ 3,36.
— De todos os movimentos feitos até agora, o mais importante foi o aceno do presidente da Assembleia. Vamos ter a possibilidade de conversar com o colégio de líderes (dos partidos) e tentar emitir algum documento que procure sensibilizar o governo estadual a não homologar o resultado do leilão — diz Campani.
Ele é contundente ao criticar a localização de uma praça de pedágio no km 4 da ERS-122, em São Sebastião do Caí.
— Vão dividir um importante bairro, o Areião, ao meio. Parte dos moradores, ao ir e voltar do trabalho, terá obrigatoriamente de pagar a tarifa escorchante de quase R$ 10. É uma insensibilidade do governo estadual, que é do meu partido, mas não poupo críticas. Não souberam ouvir — alfineta Campani.
Entre os prefeitos da Serra, a situação é de preocupação devido aos valores de tarifa, embora eles salientem a necessidade de investimentos nas rodovias da região, cujas carências são percebidas na qualidade da pista, na sinalização limitada e na necessidade de obras de duplicação. Prefeito de Bento Gonçalves, Diogo Siqueira (PSDB) defende que as análises sejam feitas com critério e “sem atropelo”.
— A gente imaginava que fosse ter uma diminuição no preço lançado no edital (além do desconto de 1,3%). Infelizmente, não teve concorrência e ficou no mesmo patamar. O desconto foi mínimo, uma decepção. Teremos de avaliar com calma. É importante que tenhamos investimentos, precisamos dessa visão também. Temos muitas empresas e força no turismo, por muito tempo ficamos parados, e precisamos de uma malha rodoviária à altura da Serra — diz Siqueira.
O prefeito de Carlos Barbosa, Everson Kirch (PP), avalia que uma das alternativas para o município é buscar junto à União a interrupção do processo de estadualização da BR-470. Essa rodovia foi incluída na concessão, embora a troca de gestão ainda esteja em andamento, e o prefeito entende que, se isso for barrado, a praça de pedágio de Carlos Barbosa poderá perder a viabilidade, já que a modelagem de negócio foi feita contando com esse trecho.
— Vamos ver se a União aceita não passar a BR-470 para o Estado. É a nossa esperança. E ver se os deputados estaduais se sensibilizam. Não foram ouvidas as demandas da região. Ficou muito ruim para nós — diz Kirch.
Uma das seis praças de pedágio previstas na concessão fica em Carlos Barbosa, no quilômetro 6 da RS-446.
— Temos uma comunidade inteira que pertence a Carlos Barbosa, chamada Forromeco, em que as pessoas usam a RS-446 para vir trabalhar, e elas terão de pagar pedágio de ida e volta. O Estado não aceitou a isenção da placa local. Basicamente, tudo o que foi solicitado não foi aceito — lamenta Kirch.
Embora uma parcela de lideranças municipais entenda como necessária uma ação para impedir a homologação do leilão, o prefeito Alcione Grazziotin (MDB), de Nova Prata, avalia que o procedimento chegou num ponto em que ficou “imutável”. Ele também destaca a necessidade de investimentos na malha rodoviária da região, sobretudo em sinalização e duplicações.
— Neste momento, não vislumbro medida que possa barrar. Não vejo algo mais incisivo que possa ser feito. Mas, realmente, a questão dos valores teve repercussão negativa. É direto no bolso do cidadão — avalia Grazziotin, presidente da Associação dos Municípios da Encosta Superior Nordeste (Amesne).
Apesar da posição cautelosa, Grazziotin solicitou ao setor jurídico da Amesne um estudo sobre eventuais medidas cabíveis.
A concessão
O leilão realizado no dia 13 repassa à iniciativa privada a gestão de seis trechos de rodovias localizadas na Serra e no Vale do Caí, inseridas no bloco 3 do programa RS Parcerias, do governo estadual. No total, são 271,5 quilômetros de estradas concedidas. A previsão é de que o consórcio Integrasul faça investimentos de R$ 3,4 bilhões em obras ao longo de 30 anos. O programa prevê duplicações e terceiras faixas em 176,3 quilômetros, melhorias que terão de ser concluídas até o sétimo ano de concessão após a assinatura do contrato. Parte dessas estradas é, atualmente, administrada pela Empresa Gaúcha de Rodovias (EGR), que deixará a função nesses trechos. Dentre as seis praças de pedágios, uma delas já está em operação, via EGR, e as outras cinco serão novas. Quatro delas serão concentradas na mesma estrada, a RS-122.
Veja abaixo detalhes sobre as estradas, a localização das praças e os valores de tarifa
Estradas concedidas
- RS-122 - do km 0 ao 168
- RS-240 - do km 0 ao 33
- RS-287 - do km 0 ao 21*
- RS-446 - do km 0 ao 14
- RS-453 - do km 101 ao 121
- BR-470 - do km 220 ao 233
* A extensão da RS-287 concedida neste leilão é diferente do trecho da mesma estrada que foi concedido em dezembro de 2020, para outro consórcio.
Localização das praças e valores
- São Sebastião do Caí, no km 4 da RS-122, com tarifa de R$ 9,83
- Flores da Cunha (já existente), no km 103 da RS-122, com tarifa de R$ 6,85
- Ipê, no km 152 da RS-122, com tarifa de R$ 6,89
- Capela de Santana, no km 30 da RS-240, com tarifa de R$ 7,19
- Farroupilha, no km 45 das RS-122, com tarifa de R$ 8,50
- Carlos Barbosa, no km 6 da RS-446, com tarifa de R$ 7,85