A Polícia Civil investiga como tortura e injúria racial o vídeo de um surdo de 22 anos que foi amarrado por colegas de trabalho em uma área de acesso restrita a funcionários do supermercado Andreazza, em Caxias do Sul. O caso também é analisado pela Gerência do Trabalho de Caxias, ligada à Secretaria do Trabalho do Ministério da Economia, que classifica o caso como um assédio moral horizontal — quando é praticado pelos colegas.
Os dois funcionários que participam do vídeo já foram identificados e demitidos por justa causa logo que a empresa tomou conhecimento do fato, após a divulgação das imagens em redes sociais. Em nota, o supermercado repudiou as ações dos dois ex-funcionários e informou que trabalha no acolhimento da vítima.
O caso foi registrado na Polícia Civil no dia 26 de setembro, data instituída como o Dia Nacional do Surdo. Foi durante a comemoração na Escola Estadual Especial Helen Keller que a mãe da vítima soube do vídeo e, acompanhada de uma professora, procurou a delegacia.
A mulher contou à polícia que o filho trabalha há cinco anos no supermercado e já teria sido alvo de "brincadeiras" de um repositor e um açougueiro, só que desta vez a situação havia passado dos limites. À reportagem, ela afirmou que o jovem "ficou muito sentido e deprimido" e que "está magoado com a situação".
O vídeo mostra a vítima com os braços amarrados e presos no corrimão de uma escada. Ele é chamado de "mudinho" e tenta se soltar. O agressor filma e pede que o jovem mande um beijo para a câmera. Entre risadas, também é possível ouvir uma voz feminina seguida de uma masculina:
— Tadinho.
— Cara, tu fez isso de novo com o mudinho?
A gravação tem um minuto e meio. Em certo momento, um açougueiro puxa as sacolas que amarram a vítima, mas acaba não o soltando. Em risadas com outros funcionários do mercado que passam, o agressor fala:
— É um vagabundo mesmo, né? Ficar amarrado aí.
Delegado classifica caso como tortura
O vídeo está em posse da Polícia Civil e espantou o delegado Vítor Carnaúba, que definiu a cena como ridícula e totalmente descabida.
— Pela análise dos depoimentos e das imagens, entendemos que, além de injúria racial, se trata, em tese, de um crime de tortura. Entendemos como tortura, pois é submeter uma pessoa, que tem alguma deficiência e não tem meios de se defender, a uma situação vexatória e humilhante. É um intenso sofrimento, logo, é uma tortura — aponta o chefe da 1ª Delegacia de Polícia (1ª DP).
Apesar da prova em vídeo, o delegado aponta que a investigação está em fase inicial e todas as partes ainda precisam ser ouvidas. Dois homens identificados pela polícia como autores (um repositor e um açougueiro) serão os últimos a prestarem depoimento. Pelo caso ainda estar em apuração, a identidade dos suspeitos não foi divulgada e a reportagem não os localizou. O crime de tortura tem pena prevista de dois a oito anos de reclusão.
Gerente do Trabalho aponta assédio moral
Uma cópia da ocorrência policial e o vídeo da tortura foram enviados, anonimamente, à Gerência do Trabalho de Caxias na manhã desta terça-feira (8). Imediatamente, os fiscais do trabalho fizeram contato com o supermercado e souberam que os dois funcionários já haviam sido demitidos por justa causa.
— É o procedimento correto por parte do empregador, pois é (um caso) muito grave e essa demissão mostra que a empresa, felizmente, discorda deste tipo de atitude e agiu. É a ação exemplar necessária, para que todos os colegas entendam que esta situação é absurda e desumana — aponta o gerente regional Vanius Corte.
A gerência vê o caso como isolado e não percebe culpa ou participação da empresa no ocorrido. As investigações estão no início e é preciso verificar se há mais pessoas envolvidas no caso e se atitudes como essas são comuns nas lojas da rede.
— Caracteriza assédio moral no trabalho, que pode ser feita pela chefia ou pelos colegas. Nesse caso, chamamos de horizontal, além de outros crimes que cabem investigação da Polícia Civil. Ficamos espantados pela gravidade do estava acontecendo com este menino — ressalta Corte.
Empresa repudia ações
Em nota, o Grupo Andreazza expressou total repúdio aos eventos lamentáveis e informou que a responsabilidade pelo fato foi apurada imediatamente e os envolvidos desligados da empresa. Confira, na íntegra, a nota divulgada nesta terça (8):
"O Grupo Andreazza tem sua trajetória marcada pelo respeito à diversidade e dignidade humana. Acreditamos na boa convivência das diferenças como parte essencial na construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Com relação aos eventos lamentáveis ocorridos em nossa unidade em Caxias do Sul, expressamos nosso total repúdio. Esse caso, nada condizente com o posicionamento do Grupo, já recebeu nossa devida atenção, e acompanhamos de perto desde que dele tomamos conhecimento.
Informamos que a responsabilidade pelo fato já foi apurada e os envolvidos desligados da nossa empresa, bem como nossa solidariedade e suporte ao funcionário acometido por ela, além de sua família. Desde 2009, o Grupo Andreazza contrata e acolhe pessoas com deficiência (PcD), sempre atento às necessidades específicas e à satisfação de cada um. Premiado e amplamente reconhecido, o programa "Eficiência em Ação" desenvolve a criatividade, o trabalho em equipe e as habilidades dos funcionários com deficiência, além de disseminar em todo Grupo a importância do respeito à diversidade.
O Grupo Andreazza reforça seu comprometimento com o bem-estar de funcionários, fornecedores e clientes que nos visitam todos os dias. Ainda, nos colocamos à disposição das autoridades competentes para possíveis esclarecimentos complementares."