SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Até Thierry Marcondes completar três anos, a família não sabia por que o garoto não falava. A notícia da surdez veio acompanhada de aparelhos auditivos e de técnicas para pronunciar palavras, além de dos nãos de escolas regulares brasileiras.
Deixou para trás a timidez quando foi morar na Inglaterra. Descobriu que seu negócio era criar e aprendeu inglês e espanhol. De volta, se formou técnico em mecatrônica e engenheiro mecânico na Unicamp. Fundou duas start-ups e ganhou prêmios. Aos 31, Thierry lidera a transformação digital da fábrica da L'Oréal.
Com cerca de 25% de audição, ele só precisa ler lábios ou tocar nas pessoas para sentir a vibração de quem fala, mas acumula histórias de exclusão. "Tinha um professor que usava bigode e não queria aparar para que eu pudesse ver a sua boca", conta. A solução era fazer malabarismos na cadeira e aguentar as piadas dos colegas.
Seu irmão, Andrey Marcondes, 27, descobriu antes a surdez, aos oito meses. Para evitar o bullying, não pedia para as pessoas se repetirem, mesmo quando não entendia. Também evita dizer que tem baixa visão. Na escola e na faculdade de arquitetura na Unicamp, onde cursa o último ano, viu repetidos professores falarem de costas, andando pela sala.
No primeiro trabalho, Andrey era subestimado. Sua chefe perguntava a outro estagiário o que ele estava fazendo --ignorando que o jovem podia falar por si mesmo-- e não era reconhecido por sua participação em projetos. Incumbido de planejar três praças para um condomínio do Minha Casa Minha Vida e decidiu fazer um mutirão com os moradores. O feedback, veja só: "você foi quem mais nos ouviu".
Alexandre Ohkawa, 39, mudou de escola quatro vezes e tentava esconder o aparelho auditivo, nos anos 1970. Oralizado, aprendeu inglês e também Libras --nem todo surdo consegue falar e ler lábios: alguns se comunicam com a língua de sinais.
Ainda assim, o trabalho foi a maior barreira de Alê. Recém-formado em arquitetura, não conseguia emprego. Quando enfim assumiu uma vaga, lhe pediam que atuasse como intérprete de outros profissionais surdos contratados pela empresa --um desvio de função. Ele também conta que passou cinco anos ganhando salário abaixo do piso da categoria e que era excluído das reuniões.
Desempregado de novo, Alê criou o Teatro para Surdos, em São Paulo, dá aulas de inglês para deficientes auditivos e virou presidente do conselho de ética da Associação dos Surdos do estado. Também é gestor cultural e aparece em campanhas políticas --traduzindo discursos para Libras.
Thierry, Andrey e Alê não são exceções. A porta fechada, ou semiaberta, do mercado de trabalho para deficientes auditivos é a regra.
"A faculdade dá o diploma, mas as empresas não garantem oportunidades para que essas pessoas cresçam profissionalmente", afirma a jornalista Millena Machado, 37, que se uniu à causa por acompanhar as dificuldades enfrentadas por sua prima.
Os exemplos pessoais levaram os quatro a se unir e criar um workshop, que ganhou o nome de Empatia do Silêncio.
"Quando se anula um sentido, você tem que redescobrir novas habilidades," diz Andrey. Por isso, o curso prático força uma surdez profunda e temporária nos participantes, que usam tampões e fones de ouvidos durante duas horas e meia e passam por diversos desafios.
Primeiro, Thierry introduz os participantes à leitura labial. Eles devem escrever o que o colega busca dizer sem emitir sons, destacando a importância da articulação e pronúncia das palavras para a compreensão do outro.
Em seguida, todos aprendem gestos básicos de Libras com Alê. A ideia é mostrar que a palavra não é a única forma de comunicação possível.
Por fim, guiados por Andrey, os participantes cooperam em um projeto de criação de um protótipo, com blocos de montar. O desafio fica por conta de eles só poderem se expressar com o que aprenderam em Libras ou usando a leitura labial.
Para Milena, o workshop --com preço que varia de R$ 100 a R$ 300 por pessoa--, busca mostrar às empresas que os surdos podem ser "usuários extremos da comunicação". O foco em ouvir o outro de forma empática pode ajudar a melhorar o diálogo dentro das próprias companhias, entre os funcionários ouvintes.
Os idealizadores também querem alertar para o risco que os jovens correm de perder a audição em metrópoles barulhentas e mostrar a variedade do mundo surdo, trazendo informação contra o preconceito.
Para não excluí-los, "às vezes é preciso articular melhor as palavras ou falar de frente, às vezes anotar uma frase. Não precisa saber Libras", diz Milena. "Basta entender como eles se comunicam."