A divulgação de um vídeo está por trás de questionamentos de representantes da área da saúde sobre a admissão de médicos cubanos, no Estado, pela Farmácias São João. Nas imagens que circularam nos últimos dias pelas redes sociais, um homem — que supostamente seria o dono da rede, Pedro Henrique Brair — apresenta uma das lojas da marca e fala sobre a contratação dos profissionais estrangeiros. Ele não mostra o rosto para a câmera, apenas narra a situação.
O vídeo serviu como base para denúncias de que os profissionais estariam desempenhando atividades farmacêuticas e de medicina nas lojas, o que seria irregular. As queixas foram encaminhadas ao Conselho Regional de Farmácia do Rio Grande do Sul (CRF-RS), que promete apurar o caso, assim como o Conselho Regional de Medicina do Estado (Cremers). GaúchaZH teve acesso ao vídeo, mas não o reproduz por não ser possível confirmar a autoria da gravação.
No vídeo, após conversar com um cliente da farmácia, o autor conta que uma médica está trabalhando no local e, então, direciona a câmera para uma funcionária. Na sequência, relata que "não adianta encher (o estabelecimento) de farmacêuticos e de pessoas e não realizar o serviço".
O homem ainda caminha até outros dois clientes, que dizem ter verificado a pressão arterial na loja. Após o diálogo com a dupla, vira-se para a funcionária filmada anteriormente e comenta:
— Parabéns para a doutora, que ela fez... Vamos aproveitar. Temos uma médica aqui, por que não vamos usar, né?
Mais adiante, declara que "os médicos cubanos, se nós não colocarmos eles aqui, vão ficar preguiçosos".
— É para chamar de doutor (sic) os cubanos — completa o homem, sem citar o município onde a farmácia está localizada.
Em contato com GaúchaZH, a Farmácias São João não confirmou a veracidade do vídeo, nem a participação do proprietário da rede na gravação. O diretor jurídico da empresa, Sérgio Ferraz, afirmou que uma sindicância interna foi aberta para analisar a autenticidade das imagens.
— Ele (vídeo) está sob análise de uma equipe técnica, uma vez que o que é demonstrado no vídeo não representa a realidade fática do que ocorre nas nossas lojas. Tampouco aquilo que é orientado e treinado, nem a política que se pratica e que se passa aos nossos colaboradores. Muito pelo contrário. Nossa política é de que cada colaborador, cada funcionário dentro da nossa filial tem a sua função específica, seja ela o balcofarmacista, seja ela o farmacêutico, seja ela o operador financeiro. Eles são treinados para isso — afirma Ferraz.
O diretor jurídico disse que a empresa responsável pela divulgação do vídeo — que não teve o nome divulgado — está sendo interpelada judicialmente. Ferraz defende que a publicação das imagens está causando constrangimento à rede e exposição indevida. O diretor afirmou que o proprietário da Farmácias São João demonstrou surpresa com a publicação do vídeo e em relação às palavras atribuídas a ele.
A São João confirmou a contratação, entre abril e maio, de cerca de 20 pessoas nascidas em Cuba. Segundo a empresa, os funcionários ocuparam a função de balcofarmacistas (atendentes) em lojas espalhadas pelo Estado. A rede não detalhou, entretanto, se o grupo era totalmente formado por médicos.
Conforme a companhia, os estrangeiros estavam sob supervisão de farmacêuticos, sem interferir nas tarefas que competiam aos responsáveis técnicos pelos locais. Após a repercussão do caso, a São João afastou, por tempo indeterminado, os profissionais da rotina de trabalho.
Por e-mail, o CRF-RS afirmou que "as farmácias podem contratar qualquer pessoa para atuar como balconista ou, como chama a rede, balcofarmacista. As funções de balconista, auxiliar ou técnico de farmácia (nível médio) não possuem regulamentação".
"Caso a pessoa contratada possua alguma graduação, esta deverá observar a legislação que regula tal profissão. Por exemplo, a farmácia poderá contratar um técnico de enfermagem para atuar como balconista. Entretanto, caso este técnico de enfermagem execute alguma atividade referente às funções de técnico de enfermagem, essas funções, segundo a lei da enfermagem, só poderão ocorrer sob supervisão de enfermeiro", acrescentou.
Questionado se um balcofarmacista poderia, por exemplo, medir a pressão arterial de um cliente, o conselho declarou que o serviço dependeria de normas de vigilância sanitária municipais e sempre deveria ser feito sob supervisão de um farmacêutico.
"A diretoria do CRF-RS, atenta aos fatos, afirma que a atuação de outros profissionais nos estabelecimentos farmacêuticos não possui restrição, exceto para os médicos, e desde que não haja conflito de interesse e conflitos técnicos. O exercício da medicina seria uma destas hipóteses de conflito de interesse, conforme preconiza a Lei Federal 5.991/1973 e o Código de Ética Médica", pontuou o conselho.
Saída de Cuba do Mais Médicos
Em novembro do ano passado, Cuba decidiu deixar o programa Mais Médicos. Na ocasião, o governo do país alegou como motivação declarações "ameaçadoras" de Jair Bolsonaro, que recém havia sido eleito para exercer o cargo de presidente da República. Segundo o Código de Ética Médica, profissionais da categoria estão proibidos de "exercer simultaneamente a medicina e a farmácia ou obter vantagem pelo encaminhamento de procedimentos, pela comercialização de medicamentos".
Na segunda-feira (27), uma nova rodada de inscrições para o Mais Médicos foi aberta pelo Ministério da Saúde. A oportunidade prossegue até quarta-feira (29). A prioridade no preenchimento das vagas será para profissionais formados e habilitados com registro em qualquer Conselho Regional de Medicina do Brasil.