O Rio Grande do Sul é o segundo Estado com maior número de acidentes aéreos no país. De acordo com o Painel Sipaer — ferramenta de visualização de dados sobre ocorrências aeronáuticas da aviação civil brasileira —, desde 2009 ocorreram 164 acidentes no RS, que resultaram em 35 mortes. Os índices equivalem a pouco mais de 9,5% do total de acidentes no Brasil (1.716) e 4,1% do número de vítimas (854).
No ranking por estados, o RS só perde para São Paulo, onde 369 casos (21,5% do total) levaram à morte de 152 pessoas (17,8%) na última década. O levantamento não inclui informações sobre acidentes com aeronaves militares — como o caça da Força Aérea Brasileira (FAB) que caiu em um sítio de Viamão em abril —, que são mantidos sob sigilo.
Por acidente, entende-se ocorrências que envolvam, pelo menos, uma de três condições: pessoas com lesão grave ou morte, aeronave com falha estrutural ou dano ou, ainda, que seja considerada desaparecida ou esteja em local inacessível. Além dessas estatísticas, no Estado, foram registrados ainda 51 incidentes graves (que envolvem circunstâncias indicando elevado risco de acidente relacionado à operação de uma aeronave) e 128 incidentes (ocorrência aeronáutica associada à operação de uma aeronave, que afete ou possa afetar a segurança da operação), totalizando 343 ocorrências compiladas pelo Painel Sipaer na última década.
— Para o Rio Grande do Sul, a gente vê que (a estatística) está estável. A quantidade de acidentes não é tao grande — diz o tenente-coronel aviador Carlos Henrique Baldin, chefe do 5º Serviço Regional de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Seripa V), que cuida do espaço aéreo na região Sul do Brasil.
Em números absolutos (desconsiderando volume de voos e tamanho da frota), o maior índice de mortes no Rio Grande do Sul é proveniente de atividades agrícolas: são 16 óbitos em 70 acidentes. Em seguida, estão as fatalidades em voos particulares, que registram sete mortes em 21 acidentes. Os deslocamentos de instrução fizeram quatro vítimas fatais em 36 acidentes.
Aviação agrícola e voos de instrução lideram estatística
Tanto quem trabalha com voos agrícolas quanto de instrução está suscetível ao risco das respectivas operações. Contudo, representantes dessas áreas apontam que as condições de trabalho e formação prática minimamente básica dos instrutores são motivos de preocupação.
— É meio natural que (voos de instrução) tenham quantidade maior de ocorrência (são 86, considerando acidentes, incidentes e incidentes graves). Afinal, se está colocando alguém dentro de um avião que nunca teve contato com a atividade, que não tem experiência, está aprendendo. Eventualmente, algum erro pode acontecer — destaca o tenente-coronel aviador Carlos Henrique Baldin.
Para o diretor do Sindicato Nacional dos Aeronautas (SNA), comandante Marcelo Ceriotti, a falta de treinamento adequado dos instrutores também está entre as razões que podem levar a acidentes.
— A situação de trabalho dos instrutores costuma ser precária. Geralmente, são pilotos novos que querem adquirir experiência, muitas vezes trabalhando de maneira informal, sem contratos. Fatores humanos, que envolvem imperícia e falta de experiência, estão entre os principais fatores de acidentes — analisa Ceriotti, ponderando que, apesar das índices de acidentes, os números não são elevados (conforme a Anac, em todo o território nacional existem 1.812 aeronaves de instrução registradas).
Com relação a quedas de aeronaves que fazem serviços na lida campeira, o tenente-coronel aviador Baldin aponta que, nem sempre, há o cuidado ideal com os equipamentos para essa atividade. Além disso, trata-se de um trabalho que exige bastante do piloto e é feito sob condições, muitas vezes, adversas.
Um piloto de aviação normal costuma fazer entre quatro e seis pousos e decolagens diárias. Já um agrícola varia de 60 a 80 por dia.
GABRIEL COLLE
diretor-executivo do Sindicato Nacional das Empresas de Aviação Agrícola (Sindag)
— Os voos agrícolas têm risco associado. São realizados próximos à rede elétrica, em baixa altura. E também exigem bastante da condição física e mental dos pilotos. Algumas vezes eles começam a operar ao nascer do sol e vão até tarde.
Baldin complementa que, em determinadas situações, os profissionais da aviação agrícola não dão o devido cuidado à manutenção por receio de passarem muito tempo parados e, consequentemente, sem receber por seus préstimos.
— Eles se sentem obrigados a fazer o mínimo para operar. É a ferramenta de trabalho deles. Se tem pane, tem de ficar parado, e eles têm necessidade de estar voando. Assim, acabam fazendo uma manutenção que não é ideal, ainda que suficiente para voar.
O diretor-executivo do Sindicato Nacional das Empresas de Aviação Agrícola (Sindag), Gabriel Colle, concorda com o militar e cita também a longa jornada como um dos fatores que aumentam o risco da atividade.
— Um piloto de aviação normal costuma fazer entre quatro e seis pousos e decolagens diárias. Já um agrícola varia de 60 a 80 por dia — explica Colle, acrescentando que o RS tem a segunda maior frota de aviões agrícolas do país, com 427 matrículas cadastradas (19,4% de toda a frota brasileira, que tem 2.203 aeronaves agrícolas registradas, conforme a ANAC).
Segundo Colle, os terrenos irregulares e a quantidade de pousos e decolagens feitas a cada operação conferem risco extra à atividade do piloto agrícola. Para ele, também é preciso investir em uma formação de pilotos aprofundada, não apenas básica.
— Queremos zerar o número de mortes, porque tratam-se de vidas. Mas nossos índices não são altos. Neste ano (2019) que há um tendência fora da curva, pois já temos quatro mortes. Não queremos que ninguém vire estatística.