
Em entrevista ao Gaúcha Atualidade nesta segunda (28), Sérgio Etchegoyen, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, falou sobre a falta de abastecimento enfrentada pelo país desde a última semana em decorrência de greve dos caminhoneiros. Segundo Etchegoyen, a situação já começou a ser normalizada, mas o problema não será solucionado instantaneamente.
O ministro ainda falou sobre os pedidos de intervenção militar registrados ao longo do final de semana em diferentes pontos da paralisação.
— Eu vivo no século 21 e muito bem. E é divertidíssimo o século 21. Essa conversa é requentar o século 20 — declarou.
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Quais são as informações mais atualizadas sobre as manifestações dos caminhoneiros que vocês têm?
Nós temos muitas vias liberadas, o que não quer dizer que em todas essas os caminhões estejam se movendo, mas elas estão liberadas. O abastecimento dos nossos aeroportos já está praticamente normalizado, as percentagens... Existe um índice internacional de tolerância de 15% de atraso e cancelamentos, e nós já estamos há três dias abaixo disso. Estamos em um esforço grande de abastecimento dos nossos hospitais, ao contrário do que algumas propagandas mal intencionadas tentaram dizer. Nós temos um desabastecimento da área de saúde muito grave. Muito sério, dramático, porque alguns pontos... Enfim, nós todos podemos imaginar o que seja descontinuar um tratamento para uma doença crônica. Ou uma operação de emergência, um acidente. Estamos tratando disso, o abastecimento que eu chamo das prateleiras. Das famílias, pais e mães, ou enfim, pessoas que vão aos supermercados e têm que encontrar sua alimentação diária. Nós estamos tratando disso. Realmente, nós atingimos um ponto de desabastecimento que passou e muito o limite da irresponsabilidade, do que podíamos ter suportado. E agora trabalhamos para isso e tentando levar à população a solução do problema.
O senhor acha que a situação pode começar a ser normalizada a partir desta segunda-feira (28)?
Ela (a situação) já começou a ser normalizada, mas ela é muito difícil e essa normalização não é instantânea. Já, desde ontem (domingo), houve um decréscimo pequeno, uma curva muito pouco acentuada descendo, mas já há uma curva descendo.
E quanto tempo o senhor acha que será necessário para retomar a normalidade absoluta?
Vou te convidar para fazer um raciocínio comigo. Um caminhão parado entre a Refinaria Alberto Pasqualini (em Canoas) e Porto Alegre, ele faz quantas viagens por dia? Quatro, cinco. Se nós ficamos com esse caminhão parado cinco dias, e se ele fizer cinco viagens, são 25 viagens perdidas. Nós teríamos que ter nesse momento, para cada caminhão parado na Refap, outros 25. Não existe essa frota, então nós vamos ter que intensificar o abastecimento, criar condições para isso. E, lamentavelmente, as pessoas ainda vão sofrer algumas dificuldades, porque foram estabelecidas prioridades.
Quando a gente tem tanta frente pra atacar, tanto problema para resolver, e não existe em lugar nenhum todos os meios necessários, nós estabelecemos prioridades. A Carolina Bahia falou sobre duas reuniões diárias no Palácio, e essas reuniões são exatamente para isso. Reuniões onde nivelamos conhecimento. Todos apresentam o quadro da sua situação, estabelecemos, reajustamos ou confirmamos as prioridades estabelecidas e vamos em frente. Agora, com muito realismo e responsabilidade, porque não dá para ser diferente, nós temos que entender que não é de hoje para amanhã que o abastecimento vai se normalizar. Isso ainda leva algum tempo até que todas as coisas estejam normalizadas.
Nós vimos neste final de semana muitas manifestações, em vários pontos do Brasil e do Rio Grande do Sul, faixas pedindo intervenção militar. Como esse tipo de movimento bate no Exército?
Eu vivo no século 21 e muito bem. E é divertidíssimo o século 21. Essa conversa é requentar o século 20, quando nós tínhamos um país de pouca instituicionalidade, onde as instituições e os instrumentos legais não funcionavam necessariamente. A sociedade não tinha uma noção exata das nossas instituições, que talvez não se mostrassem tão fortes.
Hoje não, hoje nós vivemos em um país onde a sociedade pactuou uma Constituição que tem instituições, que podemos discutir se estão fortes ou não, mas é indiscutível que são respeitadas e que têm sido atacadas em toda as suas decisões em todas as instâncias. Apesar de eventuais críticas que cada um de nós tenha, individual ou coletivamente. Eu acho que era bom que nós convidássemos alguns brasileiros para virem para o século 21, porque ele está divertidíssimo e as expectativas são ótimas.
Isso inclui, general, alguns dos seus colegas que estão na inatividade e que fomentam esse tipo de discussão que tem um certo saudosismo da época em que os militares estavam no poder?
Essa discussão do saudosismo e dos meus colegas da reserva... A gente tem que entender o seguinte, o Exército tem uma posição, e eu não falo em nome do Exército, falo pelo que eu vivi até dois anos atrás, pelo contato que tenho. A palavra do Exército é do Comandante do Exército. Mas eu não conheço, não lido, não trato com ninguém que tenha outro pensamento diferente do que eu estou te dizendo. O Exército há muitos anos vem se profissionalizando e se firmando no caminho da institucionalidade.
Eu digo sempre duas coisas que as pessoas não se dão conta: as Forças Armadas não foram, em todas a nossa história recente – pode puxar 50, 40 anos para trás – foco de instabilidade política. Jamais foram. Eu me formei na Academia Militar em 1974. O comandante do Exército atual, em 1973. Quem nos educou, quem cavou na nossa alma, quem pregou, colou na alma, na percepção de cidadania nossa a institucionalidade, o respeito à instituição, o respeito às constituições, foram os homens que fizeram 1964.
Então, quando eu olho para trás, é neles que eu encontro a boa fé, a honestidade de propósito. Porque eles entenderam e jogaram as Forças Armadas para frente, essas Forças Armadas que hoje eu posso te dizer que estão aí, absolutamente institucionalizadas. Todos os problemas que nós passamos, sem nenhum arranhão, sem nenhum reparo à ordem institucional. Por isso que eu digo brincando, o século 21 tá ótimo. Eu não gosto do retrovisor, meu farol ilumina muito mais do que o meu retrovisor enxerga.
Ministro, hoje chegam informações de uma reportagem do jornal Estado de São Paulo dizendo que a cúpula das Forças Armadas teme adesão de outras categorias pelas informações da inteligência. Hoje seria um dia crucial para estabelecer como esse movimento vai ou não aumentar daqui por diante. Que informações o senhor tem a respeito disso?
Eu não sei qual é a fonte do Estadão. Cúpula das Forças Armadas é um conceito bastante genérico. Neste momento, nós temos alguns anúncios de greve, no Porto de Santos e já anunciadas aos petroleiros. Não coincidentemente será iniciada na quarta-feira (30), quando estiver começando a normalizar os estoques, entra a greve dos petroleiros. Este é o quadro que a gente tem hoje.
Obviamente que a ampliação de um movimento desta natureza preocupa todo mundo, mas, neste momento, estamos tratando de garantir o abastecimento. Vamos garantir. Estamos abrindo corredores, que nós chamamos corredores logísticos, que são os grandes eixos que nos ligam aos centros produtores, de fazer chegar produtos e itens nas pessoas, nos hospitais, escolas, supermercados, farmácias. Agora, é difícil prever o futuro a partir deste quadro tão conturbado. É tudo tão complexo o que temos que resolver, que eu te confesso qeu toda a minha energia está dedicada a ajudar a resolver o abastecimento.