O presidente Michel Temer assinou na quarta-feira (19) um parecer que, na prática, pode impactar 28 disputas judiciais de demarcação de terras indígenas no Rio Grande do Sul. No Estado, vivem 32.989 índios de etnias caingangue, guarani e, em menor número, charrua e xokleng. A mudança deve favorecer agricultores e prejudicar indígenas em processos.
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A nova determinação é de que órgãos federais sigam a interpretação jurídica, adotada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2009 a respeito do marco temporal, no julgamento do processo de demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. À época, os ministros do STF, apesar de manterem a demarcação da área de 1.747.464 hectares, decidiram que a posse indígena de uma terra não impede que o poder público atue na área.
A principal mudança trazida pelo texto, elaborado pela Advocacia-Geral da União (AGU) e assinado por Temer, é que, a partir de agora, índios terão direito apenas à posse das terras que já ocupavam em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal.
Os mais de 32 mil índios que vivem no Estado estão espalhados em 48 territórios, segundo a Fundação Nacional do Índio (Funai). A maior parte vive no norte do Estado, em cidades como Getúlio Vargas, Nonoai, São Valério do Sul e Charrua, mas eles também residem no Litoral, no Sul e na Região Central.
Ainda conforme a Funai, tramitam hoje na Justiça 28 processos relacionados à demarcação de terras indígenas. Se a nova determinação assinada por Temer entrar em vigor, ao menos cinco áreas terão seu pedido de expansão negado, conforme levantamento do gabinete do deputado Luiz Carlos Heinze (PP-RS). O número representa 17,8% das disputas.
As áreas são nas cidades de Nonoai, Água Santa, São Valério do Sul, Faxinalzinho, Benjamin Constant do Sul e Cacique Doble. Todas são reivindicadas pela etnia caingangue. Juntos, os territórios somam 13,3 mil hectares.
A Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul) elogiou a nova determinação do governo.
– Estamos muitos satisfeitos. Isso certamente vai inibir os processos de abertura de novas áreas e dar mais tranquilidade jurídica aos proprietários de áreas rurais – defendeu Paulo Ricardo Dias, presidente da comissão de assuntos fundiários da Farsul e vice-presidente da Comissão Fundiária da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).
ONGs dos direitos indígenas criticam a decisão e apontam que Michel Temer assinou o parecer da AGU para conquistar apoio de parlamentares e, assim, barrar a denúncia por corrupção passiva proposta pela Procuradoria-Geral da República (PGR), a ser votada no dia 2 de agosto na Câmara dos Deputados.
– A bancada encontrou um momento favorável na conjuntura (política) para pressionar o governo, fazer essa chantagem de prometer votos e assegurar que a denúncia do Temer não vá (adiante) – critica Roberto Liebgott, coordenador da regional Sul do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
A decisão foi comemorada pela Frente Parlamentar Agropecuária (FPA) da Câmara dos Deputados, uma vez que vai em encontro à Pauta Positiva apresentada pela bancada, uma série de pedidos a favor de produtores rurais. No entanto, a acusação de compra de votos foi negada por Luiz Carlos Heinze (PP-RS) e Alceu Moreira (PMDB-RS).
– Nunca foi conversado nada a respeito, não houve acordo nenhum. Eu venho trabalhando na questão há pelo menos um ano e três meses. O parecer já deveria ter sido assinado em maio – diz Heinze, que divulgou na sexta-feira (14), pelo Facebook da frente, um vídeo anunciando que Temer assinaria o parecer da AGU, cinco dias antes de Temer assiná-lo.
Já Moreira, que é vice-líder da bancada rural, comemorou o resultado e disse que as novas diretrizes irão "pacificar" os conflitos.
– Ela favorece os pequenos e os grandes produtores. Os índios agora terão as terras demarcadas e não serão massa de manobra de ONGs internacionais que tentam extorquir políticas públicas que nunca chegam nos índios – criticou.
Renate Gierus, coordenadora do Conselho de Missão Entre Povos Indígenas, diz que a decisão "ameaça diretamente" a vida de povos indígenas.
– O marco temporal reduz a alguns anos a existência dos indígenas nas terras. Mas eles são dizimados desde 1500 e, muitas vezes, não estavam em suas terras por terem sido expulsos. A vida deles depende da terra – defende.
Contatada por Zero Hora, a Funai disse que apenas o presidente da autarquia, Franklimberg Ribeiro de Freitas, poderia conceder entrevista, mas que ele estaria de viagem até as 23h e não poderia falar com a reportagem.
Os números
-32.989 índios vivem no Rio Grande do Sul, segundo o último censo demográfico do IBGE, em 2010
- 98.837,88 hectares são áreas indígenas regularizadas no RS, conforme levantamento do gabinete do deputado Luiz Carlos Heinze
- 28 disputas judiciais envolvendo a demarcação de terras indígenas estão em andamento no Estado. Elas representam 100 mil hectares, conforme Heinze
- Das 28 disputas em andamento, 5 disputas dariam resultado favorável a agricultores, segundo o gabinete de Heinze. As terras representam 13.313 mil hectares