Organização líder da ocupação Lanceiros Negros, desfeita pela Brigada Militar em ação com uso de força na quarta-feira à noite, o Movimento de Lutas nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) é pouco conhecido do público massivo no Rio Grande do Sul. O prédio localizado no encontro das ruas General Câmara e Andrade Neves foi apenas o primeiro a ser alvo de uma iniciativa do grupo, ainda novo pelas bandas do sul.
O berço da agremiação é o nordeste do país, mais precisamente Recife, capital de Pernambuco, terra natal de notórios líderes populares como Francisco Julião.
_ O MLB é um grupo de atuação nacional que existe há quase 18 anos. Aqui no Rio Grande do Sul, a Lanceiros Negros foi a nossa primeira ocupação, mas agora também estamos ajudando na Recanto da Alegria, no bairro Humaitá, e em uma ocupação em Passo Fundo _ explica Priscila Voigt, uma das coordenadoras.
Atualmente, o grupo está espalhado por quase duas dezenas de Estados brasileiros. Suas principais conquistas foram registradas no Ceará, Minas Gerais, Bahia e Rio Grande do Norte: ocupações foram transformadas em moradias definitivas para as famílias a partir de processos de regularização fundiária.
Desde o seu princípio, o MLB reuniu militantes da causa da habitação popular. Os principais articuladores intelectuais, em geral, são estudantes e acadêmicos, mas os ocupantes dos imóveis são, em maioria, famílias que se encontram em situação de dificuldade para encontrar um teto.
Leia mais:
Entenda a disputa judicial que levou à desocupação de prédio em Porto Alegre
MLB rebate Piratini e diz que governo nunca apresentou alternativa de habitação
Movimentos sociais protestam contra remoção de famílias da Ocupação Lanceiros Negros
Essa fórmula se repetiu na Lanceiros Negros, criada há 19 meses, ainda em 2015, com a ocupação de um prédio de posse do Estado que estava vazio há mais de uma década no centro histórico de Porto Alegre. Nos dias atuais, alguns dos líderes locais do MLB são Priscila e Nana Sanches. Ambas tem formação superior. Priscila concorreu à vereança em Porto Alegre em 2016 pelo PSOL _ ficou na suplência _, tendo arrecadado R$ 1,9 mil para a sua campanha. Nana é professora de Geografia pós-graduada pela UFRGS.
Na base, estiveram cerca de 70 famílias que participaram da ocupação, originárias de bairros periféricos como Morro da Cruz, Lomba do Pinheiro e da região das ilhas das Flores, da Pintada e dos Marinheiros. Dez famílias de indígenas, muitos deles vendedores de artesanato, também residiam no local. O primeiro a chegar foi um da etnia pataxó, natural da Bahia e radicado no Rio Grande do Sul há sete anos. Também estiveram por lá guaranis e caingangues.
O discurso é de que, se há imóvel sem uso, ele pode ser ocupado, cumprindo assim uma "função social". Nos últimos anos, com a crise econômica e o desemprego, as ocupações urbanas voltaram a se multiplicar na Região Metropolitana.Na política, uma das identidades do MLB é com o Partido Comunista Revolucionário (PCR), de orientação marxista-leninista. A agremiação é pequena e sequer tem registro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Embora se identifique como "partido", não está apto a disputar eleições e acaba funcionando mais como organização social. Nas recentes polarizações políticas do Brasil, o PCR chegou a se posicionar ao lado do governo de Dilma Rousseff.
Entidade planeja criar partido político
O MLB, na arena política, se dedica atualmente à criação da Unidade Popular pelo Socialismo, partido político em fase de regularização junto ao TSE. Ao lado de outros movimentos sociais, abrangendo causas e raízes diversas, é uma tentativa de fundar nova legenda para disputar os rumos do país. Uma opção feita por grupos de esquerda que não se sentem mais plenamente representados pelas siglas tradicionais desse campo ideológico, muitas afundadas em denúncias de corrupção ou próximas de grandes empresários antes criticados.
_ É importante levar a pauta ao Parlamento porque hoje estamos carentes. Precisamos de 500 mil assinaturas e, até agora, estamos com 200 mil _ explica Priscila.
Leia mais:
MP cobra criação de protocolo para reintegração de posse no RS
Claudio Brito: "A proteção das crianças não se dá com bomba de gás"
Embora o MLB procure construir alternativa, na ocupação Lanceiros Negros os moradores encontraram apoio e identificação junto a militantes e lideranças do PSOL, PC do B e PT. Além da sustentação política, pessoas ligadas a essas agremiações também faziam eventualmente doações de mantimentos.
O movimento é integrante do Frente Povo Sem Medo, formado durante o processo de impeachment da ex-presidente Dilma. Neste processo, apesar de ter mantido sua autonomia, construiu articulações com outros coletivos como o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), liderado nacionalmente por Guilherme Boulos.