A empatia, essa ideia tão simpática, pode ter um lado ruim? Em entrevista recente, o psicólogo canadense Paul Bloom fez uma dura crítica à empatia como bússola moral para escolhas e decisões. Suas afirmações parecem contradizer uma ideia cada vez mais frequente no senso comum, que impõe a necessidade de se colocar, a cada momento, no lugar do outro. Essa exortação à empatia, porém, não é nova: atualiza, à sua maneira, o clássico fundamento cristão de amar ao próximo como a si mesmo.
Esse mandamento, que parece inatacável em sua formulação, foi também criticado há quase cem anos, pelo próprio Sigmund Freud. Ele manifestava seu estranhamento em relação a essa ideia, questionando como é possível pretender distribuir de forma equânime um bem que julgamos tão precioso – nosso amor –, estendendo-o até a nossos inimigos e a quem nos destrata. É um ideal não apenas inatingível como irreal: a dinâmica amorosa é por natureza desigual (o próprio amor materno nunca é o mesmo para cada filho) e muito pouco dependente da nossa boa vontade.
Há outro problema nesse mandato da empatia ou do amor ao próximo que é mais complicado. A expressão "colocar-se no lugar do outro" (ou "o próximo como a si mesmo") denuncia um paradoxo: não é o outro que de fato está lá, mas sim nós mesmos – em seu lugar. A capacidade de dar lugar ao outro é, portanto, proporcional à capacidade que temos em relação a nos conhecermos – e isso inclui os aspectos de que menos gostamos, mas também o reconhecimento de que há sempre muito que desconhecemos em nós mesmos. Assim, há sempre muito de nós nesse outro com o qual lidamos.
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A empatia é também sempre mais fácil com aqueles que reconhecemos em uma condição semelhante ou inferior a nós mesmos. Com quanta frequência não se usa a expressão "reclamando de barriga cheia" para desautorizar o sofrimento daquele a quem não se concede esse direito, apenas por desfrutar de condições financeiras ou sociais mais favoráveis? Da mesma forma, há situações em que já se define de antemão quem poderá contar com nossa empatia: geralmente aquele que, por alguma razão, convoca nossa identificação ou compaixão.
O mandato à empatia expõe uma faceta do amor que raramente queremos encarar: ele é sempre autorreferenciado. Amamos no outro não quem ele de fato é, mas aquilo que temos (ou gostaríamos de ter) e que vemos nele. No caso do amor ao mais fraco ou à vítima, não é preciso compartilhar uma condição (de gênero, social) para haver essa identificação: no íntimo, todos nos consideramos vitimados. Nunca nos sentimos reconhecidos, e há sempre alguém acima de nós, com mais beleza, aptidões ou dinheiro, para nos sentirmos inferiorizados.
Pautar as ações e escolhas pela empatia pode ser, de fato, problemático: põe afetos e identificações acima de códigos compartilhados para regular o convívio. Na vida íntima isso é a regra: nos misturamos, criticamos no outro o que não gostamos em nós mesmos, amamos e odiamos segundo a orquestração de nossos sintomas. Na vida pública, porém, seguir essa lógica abre espaço para arbitrariedades e autoritarismos – pois a empatia pode, como todo afeto, ser traiçoeira. Guiando-nos apenas por ela em nossas escolhas éticas e morais, podemos acabar, mesmo que em nome do outro, enxergando pouco além de nosso próprio nariz – que, não esqueçamos, está sempre presente em nosso campo de visão.
Paulo Gleich escreve mensalmente para o Caderno DOC.