Um mês depois da tempestade que devastou pelo menos cinco bairros de São Francisco de Paula e deixou 1,6 mil desabrigados, a cidade ainda sente os reflexos da fatídica manhã de domingo, 12 de março. As lembranças da tragédia ficam evidentes ao percorrer as áreas mais castigadas, como o loteamento Santa Isabel e o Distrito Industrial. Casas, que há 30 dias estavam no chão, destruídas, hoje estão praticamente reerguidas ou nos ajustes finais. Mas não é difícil ver terrenos vazios, e madeiras e telhas espalhadas pelas vias. De acordo com o secretário municipal de Administração de São Francisco de Paula, Ilton Gomes, cerca de 80 moradias ainda nem começaram a ser reconstruídas, embora nenhuma família esteja desabrigada.
A justificativa para a demora, segundo ele, é a falta de recursos estaduais e federais. Quatro dias após o temporal, o Estado e a União homologaram a situação de emergência da cidade em decretos publicados nos diários oficiais. Porém, um mês depois, nenhum valor chegou a São Chico - o prejuízo estimado pelo poder público é de R$ 33 milhões, entre empresas, residências e órgãos públicos danificados ou destruídos. A quantia corresponde a quase dois terços do orçamento anual da cidade, que é de R$ 48 milhões.
– Tudo que foi feito até agora foi com recursos da prefeitura e graças a doações. A principal demanda são as casas que ainda não saíram do chão, mas sem valores da União fica difícil. Achávamos que viria logo, mas não temos nem previsão para esse dinheiro chegar. Fizemos o que foi combinado quando o governador (José Ivo Sartori) e o ministro da Integração Nacional (Helder Barbalho) estiveram aqui (no dia 16 de março), mas agora nos resta cobrar e esperar – lamenta Gomes, que projeta mais cinco meses para a reconstrução da cidade.
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Na quarta, o prefeito Marcos Aguzzoli e o secretário de Desenvolvimento Econômico, Rafael Marques, foram para Porto Alegre tentar pressionar o governo gaúcho para que ajude na liberação dos repasses o quanto antes. Segundo a prefeitura, o governo informou que os trâmites para a liberação de dinheiro passam pela análise dos projetos de reconstrução e a comprovação das demandas da cidade. Para a próxima segunda, a prefeitura também organiza um encontro entre donos de indústrias e produtores rurais com bancos para negociação de financiamentos. Somente o setor econômico do município teve um prejuízo avaliado em R$ 21 milhões, segundo Marques:
– Faltam recursos, mas a cidade não deixou de funcionar porque as pessoas não cruzaram os braços. Hoje, 70% das indústrias estão funcionando de maneira plena. Falta muito, mas estamos indo atrás. Digo que, se ficarmos em silêncio nas ruas dos bairros mais atingidos, ouvimos o barulho do crescimento.
Remanejo e força para não desistir
Na terça-feira à tarde, Marlei Cardoso dos Santos, 51 anos, aproveitava o sol para seguir limpando o terreno da casa que, desde o temporal, passou a abrigar também as quatro filhas. Marilisa, 23, Andrelisa, 35, Eloisa, 30, e Jenifer, 21, moravam em terrenos próximos da mãe, no loteamento Santa Isabel, e tiveram suas casas destruídas naquele domingo. A limpeza e reconstrução da residência começaram dias após o vendaval, como conta Marlei, mas ainda há muito o que fazer. O espaço onde ficava a garagem ainda está cheio de entulhos, e a família conta com o apoio de voluntários e amigos. No início dessa semana, a mãe de Marlei, Maria Eva, 67, e o padrasto Ledovino, 82, ajudavam na limpeza.
– Eles (familiares) vieram de Cambará para nos auxiliar. Fiquei feliz porque essa tragédia também veio para mostrar como ainda existem pessoas solidárias. No dia seguinte ao temporal tinha gente batendo na porta e oferecendo ajuda – emociona-se a dona de casa, contando ainda que ganhou mais força para não desistir depois que soube que duas filhas estão grávidas:
– O vendaval nos tirou muita coisa, mas agora está nos dando em dobro.
Vizinho de Marlei na Rua Afonso Pena, Emerson Hoffmann Alves, 31, trabalha sem parar na reconstrução da casa número 95, destruída no dia 12 de março. Ele estava com a mulher Lilian, 24, no momento da tempestade e perdeu tudo. Com a ajuda de voluntários e amigos, trabalha das 7h às 20h diariamente. Deixou o trabalho para agilizar a construção da casa e, com isso, pretende sair da casa de parentes. Ele contabiliza um prejuízo de mais de R$ 50 mil e agradece os materiais de construção que ganhou. Alves fica apreensivo cada vez que a previsão indica chuva para São Francisco de Paula:
– Não pensei em sair daqui porque o que aconteceu, com aquela intensidade, teria acontecido em qualquer cidade do mundo. Uma das minhas cachorras, que se salvou por milagre, corre de um lado para outro quando escuta um vento mais forte. Impossível não ter medo após aquele dia.Também na Rua Afonso Pensa, contrastando com o cenário de reconstrução de algumas residências, está o prédio da escola Castelo Branco, desativado desde o dia do temporal. Sem recursos para reerguer a estrutura, a prefeitura transferiu as aulas dos 504 alunos, de quatro a 15 anos, para o prédio do Centro Integrado Social (Cis) no bairro Vila Jardim. Salas foram improvisadas para os alunos não perderem o ano letivo, de acordo com a diretora Mirian Santos.
– Tem divisória no meio das salas e as crianças de quatro e cinco anos estão juntas. Não podemos parar porque será muito difícil recuperar depois – justifica.