Ele tentou participar da montagem brasileira de Hair em 1968 ao lado de Sônia Braga, Antônio Fagundes e José Wilker, mas tropeçou na falta de afinação. Foi considerado um talento promissor da Fórmula Ford, modalidade da qual chegou a disputar o campeonato brasileiro de 1972, mas um acidente de trânsito em São Paulo acabou afastando-o das pistas. Tornou-se a face e a voz de um Brasil que buscava se reencontrar com a democracia ao entrevistar, nos anos 1970 e 1980, dezenas das maiores personalidades políticas e artísticas de seu tempo: Fidel Castro, Mário Soares, Felipe González, Jorge Luis Borges, Mick Jagger, Marc Chagall, Federico Fellini, Vittorio de Sica. Numa breve incursão pela política, foi deputado constituinte, vice-prefeito do Rio e secretário estadual do Meio Ambiente encarregado da organização da Rio-92, conferência sobre o clima que reuniu mais de cem chefes de Estado e de governo.
É no jornalismo, porém, que Roberto Ferraretto D’Avila, casado com Adriana, dois filhos, deixa sua marca mais permanente. Atualmente à frente do programa semanal de entrevistas que leva seu nome, na GloboNews, esse filho de gaúchos nascido em São Paulo e criado em Passo Fundo exercita com maestria a arte da entrevista. Para fazer um balanço de sua trajetória, ele recebeu Zero Hora num final da tarde de 27 de março em seu apartamento no Leblon, "quase na praia", como diz.
A seguir, um resumo:
Você é paulista, criado no Rio Grande do Sul e radicado no Rio há mais de 30 anos. Isso, se não dá samba, pode dar toada.
Deu uma mistura boa. Nasci em São Paulo e fui para o Sul com sete anos. Me considero gaúcho. Em São Paulo, vivia no quintal da casa, com todos os cuidados de classe média. No Sul, fui para a rua, e foi ali que aprendi a vida. Vivi em Passo Fundo dos sete aos 16 anos, com uma passagem de dois anos por um internato marista, com muito esporte, em São Paulo. Tinha avós e tios em São Paulo, da família da minha mãe. Meus pais eram de famílias gaúchas, ele, Achylles D’Avila, de Erechim, e ela, Icis Ferraretto D’Avila, de Bento Gonçalves. Meu pai tinha resolvido plantar trigo naquela época em Passo Fundo.
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Como você acabou nascendo em São Paulo?
Nos anos 1940, meus pais, tios e avô vieram para São Paulo a fim de montar uma indústria de esquadrias metálicas, que levava o nome Ferraretto. A firma cresceu muito com a construção de Brasília. Meu pai ganhou dinheiro, mas, como a vida em São Paulo era agitada, resolveu voltar para o Sul. Depois, voltei a São Paulo para fazer o Clássico (equivalente ao atual Ensino Médio) e, em seguida, a Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
Quais são suas lembranças do Rio Grande?
São muito fortes e sempre me acompanharam. Primeiro, porque houve a Legalidade, em 1961, que foi o meu primeiro respiro político. Eu tinha 12 anos. Lembro de ver os militares passando nos trens vindo de Santa Maria, de ouvir Brizola (Leonel Brizola, então governador) na Rádio Guaíba. Depois, houve a vivência de rua, com muitos amigos. Foi um período muito rico. É o Estado pelo qual tenho mais carinho, pela família e por ser diferente do restante do país.
Em São Paulo, você ingressa na universidade numa época de ebulição política, em 1968.
Antes de ir para o Direito, eu queria fazer algo fora do establishment, como ser ator. Mas não era afinado. (Risos.) Em 1969, eu já estava na faculdade e tinha um grupo de amigos jornalistas. Um deles era o Reali Júnior, que foi correspondente de O Estado de S.Paulo em Paris. Eles foram passar a Páscoa na Bahia. Eu fui também, era mais jovenzinho, e falava em fazer Jornalismo, mas eles não recomendavam porque havia a ditadura, tudo estava fechado. Alguns amigos foram para o Partido Comunista, outros para a luta armada. Em 1973, decidi sair do país para estudar. Fui para Paris.
Você já sabia o que queria fazer em Paris?
Não. Sabia que queria passar um tempo fora do Brasil. Comecei a fazer Economia, não gostei, e acabei fazendo História e Jornalismo. Comecei a trabalhar como foca (repórter iniciante) com Reali. Ele foi convidado para ser correspondente da Globo. Boni (José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, diretor da TV Globo) queria fazer um bureau em Paris. Ele pediu uma fortuna na época, não toparam, e ele disse: "Tem um jornalista que trabalha comigo, pode ser?". Eu nunca tinha entrado numa TV. E disseram: "Manda ele vir". Esperei alguns dias, fui à Globo, fiz um teste. Era a época do acordo nuclear Brasil-Alemanha, fiz um texto sobre isso. Foram seis meses maravilhosos: eu ganhava pela Globo, trabalhava e aprendia TV.
Como foi a volta para a França?
A Globo não criou o bureau em Paris, e eu queria voltar para a França. Tinha um estágio para fazer no Le Monde. Em 1976, voltei, e começaram a me pedir matérias como freelance. No Colégio Rio Branco, em São Paulo, eu tinha sido colega do Johnny Saad (filho de João Saad, então dono da Rede Bandeirantes). Fui falar com ele e com o seu João e comecei a ser correspondente da Rádio Bandeirantes. Fiz para a TV Bandeirantes duas grandes entrevistas com Prestes (o líder comunista Luís Carlos Prestes) e com Brizola.
Como você obteve essas entrevistas célebres?
Naquela época, tudo era difícil: telefone, telex, fax não existia. O João Saad gostava muito de política. Minha carteira de jornalista me dava acesso ao Palácio do Eliseu, onde havia telefone livre. Toda semana eu podia telefonar, e ligava muito para ele. Um dia, contei que o Brizola estava chegando, que o Prestes, radicado em Moscou, também estava indo para lá, e insisti para fazer as entrevistas, com o que ele concordou. As entrevistas demoraram seis meses para ir ao ar, porque tinha de conversar com Petrônio Portella (ministro da Justiça do presidente João Figueiredo).
Em 1979, você participou do Abertura, da TV Tupi, um programa que marcou época. Como foi aquela experiência?
Newton Carlos (jornalista, integrante do Abertura) me apresentou ao Fernando Barbosa Lima, diretor do programa. Eu disse: "Quero ser correspondente desse programa". Ele disse que não tinha dinheiro. "E se eu arrumar um patrocínio?" "Se você arrumar um patrocínio, é teu. Você me entrega o vídeo pronto." Fernando era generoso. Fui à Air France e outras empresas, e acabei conseguindo patrocínio da Rastro, perfumaria muito famosa, que pertencia a dois amigos meus. Eu entrava assim: "Repórter internacional Rastro". E aparecia o comercial do perfume. Fui o primeiro jornalista, acho, a fazer merchandising.
Você vivia o ambiente da colônia brasileira?
Em grande parte do tempo, sim. Nós respirávamos o Brasil. Eu estudava muito e frequentava a casa do Reali. Lá era a verdadeira embaixada brasileira em Paris. Delfim Neto era o embaixador oficial, mas era na casa dos Reali que a vida cultural e política dos brasileiros acontecia. Ele recebia todo mundo. Com ele, aprendi que não é preciso ser de esquerda para ser humanista, bom caráter. Entre os conservadores também existe gente muito boa. Mau caráter existe em qualquer ideologia. Lembro que uma vez ele e Amelia estavam dando um almoço para o pessoal da luta armada. Tinha umas 50 pessoas. Além de Glauber Rocha, estavam Aloysio (Nunes Ferreira, ministro das Relações Exteriores) e Ytobi Correia, ambos ligados a Carlos Marighella (ex-deputado, fundador da organização guerrilheira Ação Libertadora Nacional, morto em 1969). Um amigo disse: "Vou levar o Zé". De repente, para o espanto geral, chegou o Zé Sarney, na época presidente da Arena, partido oficial da ditadura. Mas foi bem recebido. Todo muito queria informação. (Risos.)
Como era trabalhar com Glauber Rocha, Newton Carlos, Villas-Bôas Corrêa?
Foi uma grande experiência. Ninguém ia à TV durante 20 anos no Brasil, principalmente o pessoal mais, digamos, progressista. Quando Fernando montou o programa, todo mundo passou a topar. Quando a Tupi acabou, ele me ligou e disse: "Cavalo de raça a gente mata com tiro na cabeça. Vou tirar o Abertura do ar antes que ele morra com a Tupi. Volta para o Brasil e vamos fazer um programa juntos". Fizemos o Canal Livre, na Bandeirantes.
Canal Livre foi uma espécie de cria do Abertura?
E avô do Roda Viva. Só que com muito mais charme. Fernando Henrique foi várias vezes entrevistador, Nelson Rodrigues, Tarso de Castro, Caetano, Chico Buarque. Abertura era uma revista, e Canal Livre era mais profundo. Fernando tinha uma tese: "Roberto, TV é show, mesmo no jornalismo. Tem de ter mulher bonita, tem de ter gente inteligente, conhecida". E era um charme louco. Todo mundo ia. Tinha havido a ditadura, e quando abriu, Fernando foi o primeiro a fazer um programa inteligente. Levamos como entrevistado o general Dilermando Monteiro (comandante do II Exército, militar de linha moderada). A Dina Sfat (atriz) era entrevistadora e disse, com aquela expressão fenomenal: "Eu tenho medo de general". Tivemos Ibrahim Abi-Ackel, Chico Buarque, Tom Jobim, Pedro Nava, Hélio Pellegrino, Eduardo Mascarenhas, Alceu Amoroso Lima...
Era um grande momento brasileiro.
E nos anos 1980, no Rio, estava todo mundo aqui. Havia o Antonio’s, esse bar fantástico, onde, como dizia o Tarso, "os ricos se sentem intelectuais e os intelectuais se sentem ricos". Era aquela festa, todo mundo lá: Boni, Walter Clark (diretor da TV Globo), as mulheres lindas do Rio, Tom, Paulo Mendes Campos, Rubem Braga, Paulo Francis, Otto Lara Rezende. A ditadura não tinha acabado ainda, estava no final. O Rio era muito divertido, apesar da depressão, porque a ditadura só acaba mesmo com Tancredo.
Você não foi exilado, mas testemunhou a dureza do exílio de outros.
Convivi com todos eles: Fernando Henrique, Serra, Brizola, Arraes. Havia 10 mil brasileiros circulando por lá. Como dizia o Tom, "no Exterior você é, no máximo, um marginal bem-sucedido". E é claro que só se discutia Brasil em Paris. Glauber era um espetáculo. Morava num mosteiro com os beneditinos. Frei Betto passou por lá, e Frei Tito, que acabou se matando. Nunca esqueço que um deputado cassado de São Paulo, Fernando Perrone, casado com uma mulher muito rica, tinha um bom apartamento. Ele fez uma feijoada para o Glauber, e Arraes, que morava na Argélia mas estava por lá, foi. Ele não bebia caipirinha, só uísque. Quando saímos, Arraes e eu, vi que ele tinha bebido um pouco demais, tinha mais ou menos a minha idade hoje. Convidei: "Governador, vamos tomar um café na minha casa?". À certa altura, ele teve uma crise de choro: achava que nunca mais ia voltar para o Brasil. Os exilados sofreram muito. E ele voltou, foi governador duas vezes e morreu com 88 anos.
Na Europa, você viu caírem duas ditaduras, em Portugal e na Espanha. Isso lhe marcou?
Muito. Participei da abertura espanhola e da Revolução Portuguesa. Fazia um curso de jornalismo ligado à Comunidade Europeia em Paris com os então nove países da Comunidade de Língua Portuguesa.
A gente passava um mês em cada país. Chegou abril de 1975, e eu falei: "Portugal". Tinha acabado de acontecer a Revolução dos Cravos. Cheguei lá em maio, e a queda de Marcelo Caetano (ditador que sucedeu a António de Oliveira Salazar) tinha sido em abril. Não se dormia. Portugal tinha ficado 40 anos fechado. Depois, na Espanha, fui entrevistar Adolfo Suárez, primeiro-ministro liberal. Foi ele que coordenou os Pactos de Moncloa, em que os partidos, da extrema-direita à extrema-esquerda, se entenderam e, com a eleição de Felipe González, começou a Espanha moderna. Fomos eu e Flávio Tavares, que estava em Portugal. Uma vez, Paulo Francis estava fazendo uma matéria para a revista Status. Ele estava no Hotel Florida, onde Brizola também ficava. Cheguei lá e ele me disse para esperar um pouco. Meia hora depois, ele me chama e conta: estava recebendo um tal Schmidt, da CIA, que tinha servido no Brasil e falava português, um Yuri, que era da KGB e também tinha servido no Brasil, e o cara do SNI, que não vou falar o nome porque talvez esteja vivo ainda. Todos estavam trocando informações com Francis e Hermano. Francis me disse: "Você quer fazer política. Veja que m... é esse negócio". (Risos.)
Esse momento coincide com a aproximação de Brizola da socialdemocracia.
Quando Brizola recebeu a ordem de expulsão do Uruguai, me contou essa história. O texto era meio romântico, "ao raiar do dia tal terá de sair do território do Uruguai", ele achava engraçada aquela expressão dos militares. Ficou tonto e saiu de carro, sozinho, para pensar. Queriam que ele fosse para a Argélia, para os países do Leste, e ele não queria de jeito nenhum. Passou pela frente da embaixada americana e pensou: "Vou testar esses direitos humanos do Carter (Jimmy Carter, então presidente dos EUA)". Foi à embaixada, o embaixador não estava, quem atendeu foi um segundo-secretário que depois virou grande amigo dele. Esse diplomata mandou um telex para a Casa Branca. Carter estava em Camp David para o final de semana, recebeu o pedido e deu aval. Brizola adorava Carter, ficou amigo dele. Quando foi para Nova York, havia muitos jornalistas, e ele disse: "Olha, estou muito cansado. Vamos marcar às 17h no Hotel Roosevelt". Ele não sabia o que dizer. Chegou ao quarto e tinha um Jornal do Brasil em cima da cômoda, com uma Coluna do Castello (do jornalista Carlos Castello Branco). Castello dizia mais ou menos o seguinte: que os militares tinham errado ao expulsar Brizola, que agora ele iria procurar o secretário-geral da ONU, Andrew Young, o senador democrata Ted Kennedy, o premier português Mário Soares. Na entrevista, ele disse exatamente o que o Castellinho falou na coluna. Ou seja, um grande jornalista deu ao Brizola os caminhos políticos que ele acabou tomando.
Um pinga-fogo sobre alguns de seus grandes entrevistados: García Márquez.
A primeira entrevista foi para o Abertura. Tinha ido ao prédio da Unesco em Paris para entrevistar Willy Brandt, então chanceler alemão, que acabou cancelando a viagem. García Márquez estava saindo do prédio. Quando o vi, disse: "Gabo, vim aqui para te entrevistar". (Risos.) Depois, ele veio ao Brasil, ficou escondido, mas a mulher dele, Mercedes, foi jantar na minha casa, com Rubem Braga, Nélida Piñón, Alfredo Machado (dono da editora Record), Affonso Romano de Sant’Anna. Marcamos de entrevistá-lo na Colômbia. Fomos eu, Walter Salles Jr. (cineasta, então diretor de Conexão Internacional, exibido pela TV Manchete) e Pedro Moreira Salles (hoje presidente do banco Itaú, irmão de Walter). Estávamos fazendo a entrevista quando tocou o telefone. Ele atendeu, e era o presidente, Belisario Betancour. Fiz sinal para Gabo dizendo que também queria entrevistá-lo. Gabo intermediou, e Belisario marcou o encontro. Na saída, eu disse: "Gabo, não sei nada sobre o presidente". Ele disse que havia uma história maravilhosa: ele nascera numa família camponesa andina muito pobre, o 17º de 19 filhos, todos se chamavam Belisario e haviam morrido de fome. Ao chegar, disse que queria começar a entrevista pela história que Gabo havia me contado. "Que nada, nós éramos três", disse Belisario.
Fidel Castro.
Um ano depois, fui a Cuba em companhia de Antônio Callado, Antonio Candido, Chico Buarque. Fomos a um coquetel no Palácio da Revolução para cumprimentar Fidel, e Gabo estava fazendo as honras. Eu disse: "Puxa, você me fez passar um papelão. Agora, quero entrevistar Fidel". No meio do coquetel, Fidel convidou um grupo para uma sala – Gabo, Chico, Frei Betto –, e me chamaram. Gabo disse: "Este é o Roberto D’Avila, que já me entrevistou. Você tem de dar uma entrevista para ele". Fidel respondeu: "Não posso. Já combinei com Roberto Marinho". Joelmir Beting seria o entrevistador da Globo. Gabo insistiu, Fidel me olhou e comentou: "Qué lobby tiene usted. Debe entrar para la política". Eu já estava pensando naquilo, Chico sabia e comentou: "Esse Fidel é um bruxo". Ele disse que me receberia à noite. Um dia, à meia-noite, vieram me buscar e convidei Emir Sader para ir comigo. A entrevista durou a madrugada inteira. Pela manhã, pedi a ele para irmos a Sierra Maestra. Ele olhou para meus mocassins italianos e disse que eu deveria ter ido de botas. A entrevista rendeu um livro, editado pela L&PM.
Qual é o seu balanço da experiência na política?
Em 1982, Brizola me convidou para participar do governo, e recusei porque queria fazer o Conexão Internacional. Em 1986, Darcy Ribeiro (antropólogo, então vice-governador do Rio) me convenceu em razão da Constituinte. Foi uma experiência extraordinária porque era unicameral, com Senado e Câmara reunidos. Eram Lula, Fernando Henrique, Serra, Aécio, Ulysses, Sarney presidente. Foi uma época rica em Brasília. Depois, Lula e Bocaiuva Cunha (PDT) alinhavaram uma chapa para prefeito do Rio: eu como candidato, pela Zona Sul, e Benedita da Silva para vice, representando a Zona Norte. Não deu certo, Brizola quis que o candidato fosse Marcello Alencar, acabei entrando de vice. Foi um erro, ser vice é muito ruim.
Você acabou, como secretário estadual de Meio Ambiente no segundo governo de Brizola, organizando a conferência Rio-92.
Fui eu que escolhi esse posto. Brizola foi eleito, fomos a Nova York e, no avião, ele me perguntou: "Tu vais ser o que no meu governo?". Eu disse: "Olha, governador, acho que posso contribuir na área de ambiente porque vai ter uma conferência, o senhor precisa de alguém que tenha relações". No dia seguinte, soube pelo O Globo que ele tinha me nomeado. Ainda como vice-prefeito, eu estava andando na rua e alguém gritou: "Prefeito!". Era o Castor de Andrade (célebre banqueiro de jogo do bicho do Rio). Ele disse: "Meio Ambiente é muito pouco, tinhas de pegar a Fazenda". (Risos.)
Quem são seus melhores amigos hoje?
Os de sempre. A Lucia e o Luis Fernando Verissimo, que eu conheci quando eles moravam em Roma, Zuenir Ventura, Cacá Diegues, Boni, Ricardo Amaral, Paulo Marinho e a Adriana, minha linda e atual mulher.
Uma pergunta clássica formulada por Henfil, um entrevistado seu: está vendo alguma esperança?
Esta é a crise mais dramática que vivi nos últimos 40 anos. Em primeiro lugar, não há lideranças mais no Brasil. Sobre a Lava-Jato, uma chamada da GloboNews pergunta: "Quem vai parar em pé?". Há crise moral, ética, econômica. É muito difícil. Tem saída, é claro. O Brasil é maior do que a crise, mas com muita dor, esse desemprego imenso, 13 milhões sem emprego. Esse vazio político imenso que pode ser preenchido por um Trump da vida. Tem vários se apresentando. Para construir um político que possa ser presidente, é preciso 20 anos. Tem uns aí que acabaram de se eleger e já estão achando que podem. Ninguém sabe o que vai acontecer, a verdade é essa. Tudo pode acontecer. Será que Temer fica até o final? Quem é que vai aparecer nesse vazio? A Lava-Jato é fundamental para fazer um corte na vida brasileira, mas mexeu na economia. Só na área de construção e de petróleo, há mais de 1 milhão de desempregados. Empresas que tinham 70 anos estão acabando. A Lava-Jato tem de ir até o final. Mas você vê como é complexo. Nada contra a Lava-Jato, mas até onde vai? A economia está sofrendo. Claro que não é só por causa disso. Houve erros cometidos pela Dilma, a gente sabe. Qual é a saída para o Brasil? Ainda bem que não estou na política. (Risos.)
Como vê a disposição de se buscar soluções?
Falei várias vezes com Fernando Henrique, com Lula. Pedi para eles se unirem, conversarem, antes de a Dilma cair até. São os líderes que têm de buscar isso. Mas nunca conseguiram conversar. Só nas horas, por exemplo, em que morre dona Marisa, vão lá, fazem uma visita. O grande problema da política brasileira está em São Paulo, porque é lá que estão PT e PSDB. A luta local por prefeitura ou governo contamina a luta nacional. Ambos cometeram erros. Fernando Henrique fez uma transição bonita para o PT. Lula nunca o chamou. FH já me disse: "Lula nunca me chamou para tomar um café enquanto era presidente". Ele sentiu isso. Já falei com Lula sobre isso, e ele acha que realmente cometeu um erro. São fraternais inimigos. (Risos.) Entrevistei o Temer dias atrás e perguntei: "O senhor não vai chamar Lula e Fernando Henrique?". Ele disse que sim, que deve chamar. Mas cada vez é mais difícil. Acordo das elites acaba saindo, mas as lideranças é que têm de buscar uma saída.