Quando assumiu o posto de primeira-dama de Caxias do Sul em janeiro deste ano, Andrea Marchetto Guerra, 40 anos, ouviu dos amigos próximos uma pergunta que a deixou intrigada: afinal, qual é o papel da primeira-dama? Sem querer apenas figurar à sombra do marido, o prefeito Daniel Guerra, a fonoaudióloga formada pela Ulbra em 2000 buscou o seu propósito num tema sensível à cidade: a inclusão dos imigrantes negros vindos do Senegal e Haiti. Com as portas da prefeitura abertas para os africanos e caribenhos, ela pretende estabelecer uma nova política, totalmente contrária à da gestão anterior.
– Eles têm muito a oferecer em experiência, linguagem e culinária. Podemos aproveitar essa riqueza para exibir outras culturas às nossas crianças – diz Andrea.
Para provar que não se trata somente de retórica, três reuniões foram realizadas com a presença dos imigrantes, que tiveram a oportunidade de compartilhar diretamente as dificuldades e angústias que enfrentam na Serra.
A primeira medida adotada após as reuniões foi encaminhar 16 imigrantes para a colheita da maçã em São José dos Ausentes, e outro grupo para a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, onde foi ofertada assessoria para microempreendedorismo. Novas ações serão pensadas em conjunto com diferentes áreas do governo.
– Senti a boa vontade de tratar com dignidade essas pessoas. Na gestão passada, nunca nos receberam (dentro do Executivo). É uma mudança positiva, todo mundo sai ganhando – comenta a religiosa Maria do Carmo dos Santos Gonçalves, coordenadora do Centro de Atendimento ao Migrante (CAM).
"Esperamos que o futuro seja brilhante"
O argumento da primeira-dama é baseado em duas coisas: são cerca de 2 mil pessoas vivendo no município que não irão embora e, pela lei, elas não são ilegais. Portanto, estão sob a responsabilidade de Caxias do Sul.
– A maioria perdeu emprego e está aqui para trabalhar. Esperamos que o futuro seja brilhante para todos nós – falou o senegalês Babacar Gning em um dos encontros.
Uma das coisas que Andrea descobriu, por exemplo, é que eles não desejam assistência, e sim oportunidades. Em 2016, o Pioneiro mostrou, na série de reportagens Ilusões Perdidas, as dificuldades que haitianos e senegaleses encontravam em todas as esferas sociais em Caxias.
– É um assunto que não pode ser invisível. As pessoas precisam falar e pensar sobre ele. A gente não consegue desenvolver nada que fique oculto, no preconceito. Queremos tirar o estigma. São pessoas de bem, que querem respeitar as leis – afirma Andrea.
Gabinete decorado por trabalhadora africana
No gabinete da primeira-dama, um quadro se destaca em contraste com a decoração de tom sóbrio. Pintada a óleo, a colorida obra mostra uma mulher negra com roupas amarelas e azuis e um jarro nas mãos. É um presente entregue pelo artista plástico senegalês Ousmane Mathurin Ndiaye, que já expôs suas criações na galeria Atrium.
– É uma trabalhadora africana. Dei a ela porque é uma mulher excepcional para nós e nos ajuda. Deixei como um muito obrigado – relata Ousmane.
Afora o apoio de Andrea, um projeto encaminhado pelo CAM e aprovado pelo Ministério da Justiça deve destinar à entidade R$ 280 mil para capacitação profissional, assessoria jurídica, brinquedoteca para atividades com crianças imigrantes e um curso de idiomas – que também serão levados a Nova Araçá, Serafina Corrêa e Bento Gonçalves.
Contra o argumento de que os estrangeiros estavam "roubando" trabalho dos caxienses e sendo favorecidos por políticas assistencialistas, a primeira-dama garante que o auxílio para inserção no mercado formal está disponível para todo mundo. Basta se interessar.
– Nada está finalizado e há muito para fazer, mas me marcou que um dos objetivos desta gestão é humanizar as relações. Pelo envolvimento dos secretários, creio que é um movimento de governo – salienta Maria do Carmo.
A primeira-dama classifica a ação como embrionária e informa que outros grupos, como os floristas e os músicos peruanos e bolivianos que vendem CDs nas ruas, serão beneficiados:
– É um patchwork, que perpassa todas as secretarias. Estamos costurando. Mais do que orçamento, é atitude que faz a diferença para encurtar as distâncias que existem dentro da cidade.