Era quase meia-noite quando
Em uma mala de couro preta, Magda Ribeiro de Ribeiro, 32 anos, ainda guarda todas as roupinhas que comprou para o filho. Dois meses após a morte do bebê, ela diz não conseguir se desfazer das peças porque também não se despediu do menino, cujo corpo está no Departamento Médico Legal (DML) de Porto Alegre desde 4 de outubro.
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Magda e o marido, Cristiano Ojeda Leges, 29 anos, aguardam para velar e enterrar o menino. O motivo da espera relatado aos pais é uma divergência entre os documentos sobre o óbito da criança fornecidos pelo Hospital da Restinga, onde o parto foi realizado, e pelo DML. Enquanto o hospital afirma que o bebê nasceu morto, o órgão de perícia emitiu um parecer indicando que o tipo de óbito era "não fetal" – ou seja, que teria ocorrido fora do útero.
Sem uma equivalência entre os documentos, o corpo não pode ser liberado do DML. Para que os pais retirem o cadáver da criança, precisam de um documento de nascido vivo fornecido pelo hospital ou de um novo parecer do órgão pericial, indicando que o tipo de óbito foi "fetal" – quando ocorre dentro do útero. A segunda opção teria sido oferecida pelo DML à família, mas os pais não concordam com a mudança de laudo por acreditarem que a criança nasceu viva.
A bolsa de Magda estourou às 3h30min de 4 de outubro, quando ela estava na 37ª semana de gravidez. Tinha o parto marcado para o dia 23, na Santa Casa de Misericórdia, mas, como sentiu que o bebê "já estava saindo", quis ser levada ao hospital mais próximo: o da Restinga, bairro onde mora. Por não ter carro, Cristiano pediu uma carona para o amigo que seria padrinho da criança, que também mora no bairro. Quando os três chegaram ao hospital, Magda foi encaminhada ao atendimento, enquanto Cristiano ficou na recepção, fornecendo os dados da esposa.
A mãe afirma que, após o parto, viu o menino se mexer e ouviu o choro dele. O pai, que aguardava notícias do nascimento na entrada do hospital, também disse que recebeu primeiramente a notícia de que o menino teria nascido vivo, mas que poderia não sobreviver. Depois, foi informado de que o bebê teria nascido morto.
– Não aceitei isso, porque minha mulher viu a criança se mexer e chorar. Queremos saber o que aconteceu, pois ele nasceu um meninão de 3,6 kg, e a gravidez não era de risco. Os exames do pré-natal mostravam que ele era saudável – afirma Cristiano.
Por não aceitar a avaliação do hospital sobre a morte do bebê, a família procurou a polícia. A delegada Shana Luft Hartz, responsável pelo caso, abriu inquérito.
– Estamos investigando se essa criança nasceu morta ou se morreu depois do parto por uma questão natural ou por algum erro de procedimento – afirma a delegada.
Na terça-feira, a polícia recebeu um laudo do DML informando que a causa da morte é "indeterminada" – a mesma informação contida na declaração de óbito entregue à família. Conforme o laudo repassado à delegada, o exame do pulmão apontou que a criança teria respirado, ou seja, nascido viva. O problema é que o bebê recebeu respiração artificial após o parto, o que pode induzir a um resultado falso – por isso a causa indeterminada. A delegada pediu esclarecimentos sobre alguns exames da mãe e, em janeiro, deve ouvir médicos envolvidos para tentar solucionar o caso.
Por meio de nota, o Hospital Restinga e Extremo-Sul comunicou que todas as informações sobre o caso estão "devidamente registradas em prontuário", documento "privativo do paciente". Além disso, alegou que, em "situações que envolvem óbitos, os procedimentos realizados pelo hospital seguem a legislação em vigor".
Já o DML informou que, "por motivo de sigilo funcional e sigilo do inquérito policial", não pode "fornecer informações específicas sobre este caso". Questionado sobre a possibilidade de mudar o tipo de óbito em um documento emitido – o que teria sido oferecido à família –, o órgão afirmou que as retificações em declarações podem ser feitas quando há "erro de preenchimento", mas não confirmou se houve erro no laudo do bebê.