O vazamento do primeiro acordo de delação premiada de um executivo da Odebrecht, ocorrido na sexta-feira, deu uma ideia do efeito devastador que os segredos a serem revelados pela empresa podem ter no cenário político brasileiro. O documento de 82 páginas contém a proposta de depoimento que Cláudio Melo Filho, ex-diretor de relações institucionais do grupo em Brasília, negociou com a Operação Lava-Jato. O texto compromete a cúpula do governo, da Câmara e do Senado no recebimento de propinas em troca de apoio aos interesses da construtora.
Apesar do abalo que causou, o documento que veio a público pode ser a ponta de um iceberg em rota de colisão com o Planalto e o Congresso. Melo Filho é apenas um dos 77 executivos da empresa que participarão da delação – entre eles estará, por exemplo, Marcelo Odebrecht, que presidia a organização. Será preciso esperar pelo conjunto da obra para aquilatar o potencial destruidor do acordo feito com a construtora.
Ainda que as consequências penais possam demorar, o efeito político da delação pode ser imediato, tornando insustentável a permanência de várias figuras eminentes em seus cargos. No documento que vazou, Melo Filho cita 51 políticos de 11 partidos. Ele conta que dava prioridade a relacionar-se com nomes influentes e que também faziam uma garimpagem de parlamentares “promissores”, com potencial para crescer e prestar favores futuros.
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O depoimento acerta em cheio o governo e sua base de sustentação. Melo Filho dedica um capítulo inteiro da delação ao presidente Michel Temer, citado nada menos do que 43 vezes no documento. Conforme o executivo, Temer geralmente atuava de forma indireta na arrecadação irregular de dinheiro para o PMDB, mas em 2014 teria feito pedido direto de R$ 10 milhões a Marcelo Odebrecht. O “arrecadador” do atual presidente seria Eliseu Padilha, hoje ministro da Casa Civil. Outros poderosos envolvidos no esquema, seriam Romero Jucá, Renan Calheiros, Moreira Franco, Eunício de Oliveira, Geddel Vieira Lima, Eduardo Cunha e Rodrigo Maia – uma constelação de ministros, ex-ministros e dirigentes da Câmara e do Senado.
Segundo Melo Filho, a Odebrecht repassou R$ 17 milhões em propinas para garantir a aprovação de 14 leis que beneficiavam a empresa. O executivo era peça-chave na engrenagem montada pela Odebrecht para tramar negócios escusos com políticos de alto calibre. Herdou a posição do pai, Cláudio Melo, e tinha como profissão garantir que o parlamento e o governo agissem em favor do conglomerado – o que era obtido por meio de pagamentos generosos e presentes caros para figuras influentes.
Como tal, o baiano de 49 anos, 12 deles na capital federal, era nome de confiança de Marcelo Odebrecht. Em denúncia feita em maio, o Ministério Público Federal afirma que Melo Filho estava incluído, muitas vezes como remetente, nos e-mails em que a cúpula da Odebrecht trocava informações sobre políticos e negócios com a Petrobras. “Há diversas mensagens em que Marcelo Odebrecht orienta a outros executivos (que) seja Cláudio Melo Filho (por diversas vezes referido pelo acrônimo “CMF”, em evidente alusão a seu nome) atualizado sobre estratégias e importantes decisões e informado de compromissos relevantes”, diz a denúncia.
O depoimento, no entanto, ainda é uma espécie de rascunho. Ele foi apresentado pelo executivo como parte das tratativas para o acordo de delação premiada. É o que Melo Filho ofereceu em troca de uma redução de pena.
Se a delação for fechada, ele ainda terá de confirmar todas as suas afirmações em depoimento formal – fase que deve começar nesta semana. Só então o material, junto com os demais depoimentos da Odebrecht, será encaminhado ao ministro Teori Zavascki, relator da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal, a quem cabe homologá-lo ou não.
O vazamento não é uma ajuda nesse sentido. Neste fim de semana, a assessoria de Rodrigo Janot, procurador-geral da República, informou que ele recebeu com desagrado a fuga de informações, qualificando-a como “ilegal”. Janot pedirá abertura de investigação para apurar como o sigilo da investigação foi rompido. A preocupação reside no fato de vazamentos de delações premiadas poderem gerar até mesmo a anulação do acordo.
Em agosto, Janot suspendeu as negociações com o executivo Léo Pinheiro, da OAS, após um trecho ter se tornado público.
Ocorrendo a homologação pela caneta de Zavascki, inicia-se nova etapa: a abertura de investigações formais baseadas no que foi relatado. A partir daí, ocorreria a busca de provas, fundamental para que o Ministério Público Federal ofereça ou não denúncia contra os citados.
OS PRÓXIMOS PASSO
O que é preciso para que a delação seja válida?
-É necessário que Melo Filho e os demais delatores da Odebrecht finalizem o acordo com a Procuradoria Geral da República (PGR). Definido o que exatamente o executivo vai contar, que documentos ou provas apresentará e que tipo de benefício receberá em troca da delação, o acordo é fechado. Mas só passa a ter validade jurídica ao ser homologado pelo relator da Lava-Jato no Supremo, ministro Teori Zavascki.
Após a homologação, o que ocorrerá com os citados?
-Depois da homologação do acordo de delação premiada, caberá à PGR e à Justiça Federal decidirem o que deverá ser investigado e pedirem a abertura de inquérito para apurar os fatos. Os casos que envolvem citados com foro privilegiado, como políticos no exercício do mandato, ficam sob responsabilidade da PGR. Os demais são da alçada da Justiça de primeira instância.