O ex-presidente da Eletronuclear, Othon Luiz Pinheiro da Silva, investigado por suposto recebimento de propina no âmbito das obras da usina nuclear de Angra 3, solicitou à Andrade Gutierrez que a empreiteira fizesse "contribuições políticas" ao PT e ao PMDB a partir da assinatura do contrato de retomada da obra, em 2008. A revelação foi feita, nesta segunda-feira, por Rogério Nora de Sá, presidente da construtora Andrade Gutierrez até setembro de 2011. A empresa é responsável pelas obras de construção civil da usina, hoje suspensas e sob investigação na Operação Lava-Jato.
"Pelo que eu entendi, o apoio político para que Othon assumisse (a presidência) veio dos dois partidos e, em troca, ele viabilizaria o aporte financeiro para esses partidos", disse Sá, em audiência aberta na 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, que investiga o caso.
Othon assumiu a presidência da Eletronuclear em 2005, cerca de três anos antes de o contrato da obra de Angra 3, suspenso desde a década de 80, ser reativado.
Leia mais
Odebrecht tenta recurso na Suíça para impedir uso de extratos pela Lava-Jato
TRF mantém prisão preventiva de Gim Argello
Câmara autoriza passagem aérea para lobista depor contra Cunha em Brasília
Segundo o ex-executivo da Andrade, houve uma reunião, ainda em 2008, para acertar detalhes sobre a assinatura do contrato da obra de Angra 3. Na ocasião, Othon defendeu que houvesse um acordo para contribuições ao PT e ao PMDB, uma vez que "havia compromissos políticos". Os pagamentos seriam de 1% do contrato para cada partido.
"Outro 1% deveria ser para ele (Othon), para que pudesse antever seus projetos. Eu concordei com essa tese, e assim ficou definido. Quando o contrato ficasse pronto, nós contribuiríamos politicamente com PT e PMDB", afirmou Sá.
Os contatos da Andrade Gutierrez no PMDB, segundo o depoimento, eram os senadores Romero Jucá (RR) e Edison Lobão (MA). No PT, o interlocutor era o ex-tesoureiro do partido João Vaccari Neto. A empresa ainda distribuiu pagamentos a outros integrantes da diretoria da Eletronuclear.
Othon chegou a pedir que a própria Andrade Gutierrez o apoiasse na corrida pela presidência da estatal.
– Mas não tínhamos relações políticas para ajudá-lo – disse Sá.
A relação do almirante com a construtora já vinha de antes da repactuação do contrato de Angra 3. Antes de 2008, segundo o ex-executivo, a Andrade efetuou pagamentos esporádicos e em espécie, com valores entre R$ 20 mil e R$ 30 mil, como "colaboração" a Othon para fazer pesquisas e desenvolvimento de projetos pessoais.
Esses repasses foram confirmados por Clóvis Peixoto Primo, que foi diretor-geral da Andrade Gutierrez entre 2008 e 2013 e também presta depoimento na tarde desta segunda-feira. Primo passou a ser o interlocutor de Othon na AG após substituir Marcos Teixeira no posto.
– Essa troca levou Othon a me procurar. Ele perguntou se, com essa mudança, tudo que havia sido combinado estava mantido. Por coincidência, Clóvis estava em São Paulo (local da reunião) e nós reafirmamos que tudo que havia sido combinado estava mantido – contou Sá.
Os dois ex-executivos da Andrade Gutierrez afirmaram que os pagamentos não visavam à obtenção de benefícios no âmbito das obras de Angra 3 (que era deficitária, segundo eles), mas sim à celeridade dos trâmites necessários para a realização da obra.
– Era uma obra muito complexa, se não houvesse esforço do cliente, liberação ambiental... isso era fator de risco grande, que aumentaria prejuízo de forma substancial. Na verdade, o objetivo era que não nos prejudicasse em termos de andamento, que não sofresse malefício ou atrasos – afirmou o ex-presidente da construtora. – A gente pagava para poder garantir os recebimentos de contrato. Não tinha vantagem nenhuma, não, era para não ser prejudicada, para garantir os recebimentos do mês – disse Clovis Primo, negando superfaturamento no contrato.
Ao todo, Primo calcula que a Andrade Gutierrez tenha pago entre R$ 3 milhões e R$ 4 milhões para Othon, e montante semelhante dividido entre diretores da Eletronuclear. Nenhum dos executivos estimou o valor repassado a partidos.
*Estadão Conteúdo