Em nove horas, entre a tarde de segunda-feira e a madrugada desta terça-feira, ao menos três pessoas foram assassinadas com exageradas doses de crueldade em Porto Alegre.
A primeira morte foi da massagista Iraci Rodrigues de Souza, 57 anos, no bairro São João, zona norte da Capital. A vítima foi encontrada sobre a cama no apartamento onde morava havia quatro meses, na Rua Dona Sebastiana. O corpo estava amarrado e com uma bucha de pano entre os dentes e uma mordaça na boca. Análise preliminar aponta que a massagista morreu por asfixia.
Iraci estava fora de casa até por volta das 15h30min, quando recebeu um telefonema e retornou para o apartamento, onde teria sido vista, momentos antes, conversando com um casal. Cerca de meia hora depois, parentes tentaram contato diversas vezes, mas ela não atendeu ao celular, atitude que jamais adotara. Perto das 17h, um familiar foi visitá-la. Deparou com a porta do apartamento entreaberta e Iraci morta sobre a cama em vestes íntimas. O quarto estava revirado. Da sala tinham sumido uma TV e um home theater, além de um micro-ondas e o celular da vítima, caracterizando latrocínio (roubo seguido de morte).
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O caso é investigado pela 9ª Delegacia da Polícia Civil (9ª DP). As primeiras buscas ao autor do crime se mostraram infrutíferas. Câmeras de vigilância registram o movimento de pessoas no saguão do prédio, mas não estariam gravando.
Agentes da 9ª DP procuram outras imagens e pessoas que tenham visto alguém saindo do prédio carregando os pertences da vítima. Natural de Horizontina, no noroeste gaúcho, Iraci era separada e deixa dois filhos.
– Ela tinha uma atividade de risco, pois recebia pessoas estranhas em sua casa – observa o delegado Alexandre Vieira.
Cerca de duas horas depois da morte de Iraci, um Gol branco foi incendiado com uma pessoa presa no porta-malas no Parque Chico Mendes, também na zona norte da Capital. Três pessoas teriam sido vistas fugindo do local logo após surgirem as labaredas. Dados do dono do veículo foram obtidos por meio das placas pela 5ª Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (5ª DHPP) – não divulgados –, mas o corpo da vítima, completamente carbonizado, não tinha sido identificado até o final da tarde desta terça-feira.
No extremo sul da Capital, no bairro Restinga, o corpo de um jovem, branco, aparentando 20 anos, foi encontrado na Estrada Barro Vermelho, à 1h desta terça-feira. O rapaz, sem documentos nem calçados, vestia camiseta e calça com cinto, mas tinha outro cinto apertando a boca e foi ferido com um tiro na cabeça. A suspeita é de que os dois crimes estejam ligados ao tráfico de drogas.
Conforme o delegado Rodrigo Garcia, da 4ª DHPP, a morte seria uma vingança pelo assassinato de Fagner Weslei Silveira da Silva, 15 anos, ocorrido cinco horas antes (às 20h de segunda-feira). Nos últimos quatro dias, ocorreram, ao menos, quatro homicídios na Restinga.
O delegado Gabriel Bicca, diretor da Divisão de Homicídios, observa que, em regiões socialmente desassistidas, "há uma glamourização da violência que tem grande poder de sedução entre a juventude".
– Já encontrei um adolescente de 14 anos que sabia identificar, pelos estampidos, tiros de revólver calibre .38 e de pistola calibre 380, conhecia os artigos do Código Penal, mas não sabia nada da tabuada, nem quanto é três vezes três – lamenta Bicca.
Na avaliação do sociólogo Juan Mario Fandino, o recrudescimento da violência é fruto de um retardo social, uma enfermidade coletiva pela qual grupos à margem da sociedade não respeitam limites e, a cada ato violento, estimulam-se a agir com mais violência.
– O que mantém as pessoas dentro da lei é o respeito pelas relações sociais. Mas quem não se enquadra nessas relações não tem freios. Quanto mais se afastam do convívio social, mais se comportam de modo violento – acrescenta.