Os promotores do Ministério Público de São Paulo que pediram a prisão preventiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva recorreram, nesta terça-feira, contra a decisão da juíza Maria Priscilla Ernandes Oliveira, da 4ª Vara Criminal da capital paulista, que mandou para o juiz federal Sergio Moro, da Operação Lava-Jato, os autos da denúncia contra o petista no caso triplex.
Lula é investigado por lavagem de dinheiro e falsidade ideológica porque teria omitido ser o verdadeiro proprietário do apartamento 164/A no Condomínio Solaris, no Guarujá (SP).
Os promotores sustentam que é da Justiça estadual de São Paulo a competência para conduzir o processo contra Lula e mais 15 denunciados, entre eles a ex-primeira dama Marisa Letícia, o filho mais velho do casal Lula, Fábio Luiz Lula da Silva, o Lulinha, o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto e o empreiteiro Léo Pinheiro, da OAS – empresa que bancou "reforma portentosa" no tríplex 164/A ao custo de quase R$ 800 mil em 2014.
"Não se mostra devido que (a juíza) decline de sua competência, mas enfrente, de forma antecipada, o mérito do caso, chegando a estabelecer presunções relativas a investigação que tramita perante outro Juízo – cujos elementos não constam dos autos. Verifica-se, cabalmente, que a decisão judicial não levou em conta os inúmeros estelionatos que compõem a peça inicial acusatória", destacam os promotores, referindo-se às mais de 7 mil famílias que adquiriram, mas não levaram as chaves, unidades da Cooperativa Habitacional dos Bancários de São Paulo (Bancoop), entidade que deu início ao Solaris – as obras acabaram assumidas pela OAS, cujo dono, Léo Pinheiro, é amigo de Lula.
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Os promotores rebatem ponto a ponto, em 13 páginas, os argumentos da juíza que encaminhou os autos para Sergio Moro sob alegação de que o juiz da Lava-Jato detém competência para tocar o processo por se tratar de crime de competência federal. Um dos argumentos de Maria Priscilla é que os promotores não teriam apontado os motivos de Léo Pinheiro ter bancado reforma milionária no tríplex que seria de Lula – o que é negado enfaticamente pelo ex-presidente.
No recurso, os promotores citam que Vaccari foi presidente da Cooperativa Habitacional dos Bancários (Bancoop) – entidade inicialmente responsável pela construção do Condomínio Solaris, obra que acabou sendo repassada para a OAS. Outro argumento da juíza é que a empreiteira é apontada como integrante do cartel que se formou na Petrobras entre 2004 e 2014, episódio que deu origem à Lava-Jato.
"Não se justifica a fundamentação de que não houve menção do motivo. Ora, textualmente foi explicitado que um dos motes para o privilégio foi relação de amizade, quase simbiótica. Não só o ex-presidente da República mantinha relação fraternal com João Vaccari Neto, o diretor-presidente da Bancoop à época, que, depois de 'quebrar' a cooperativa foi alçado a tesoureiro nacional do Partido dos Trabalhadores, como também com José Adelmário Pinheiro Filho, Léo Pinheiro, o generoso presidente de fato da OAS que lhe contemplou com diversos presentes, reforma, eletrodomésticos, móveis planejados, todos objetos de investigação do Ministério Público Federal e já provados documentalmente."
Os promotores são enfáticos. "Afirma-se que o caso Bancoop é absolutamente independente da Operação Lava-Jato, com possível desvio de recursos da Petrobras. Não por outra razão já tramita processo crime perante a 5ª Vara Criminal do Foro Central de São Paulo (Barra Funda) sobre o mesmo assunto. Afirma-se que o repasse de diversos empreendimentos imobiliários da Bancoop para a OAS com a ocorrência de inúmeros crimes de estelionato, falsidades ideológicas e crimes contra incorporação imobiliária é independente da Petrobras. Há de separar-se o 'joio do trigo'. Em 2009/2010 não se falava de escândalo na Petrobras. Em 2005 quando o casal presidencial, em tese, começou a pagar pela cota-parte do imóvel, não havia qualquer indicação do escândalo do 'petrólão'. Ao contrário, estávamos no período temporal referente ao escândalo do 'mensalão'. Não é possível presumir genericamente e sem conhecer detidamente as investigações que tramitam perante a 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba que tudo tenha partido de corrupção na estatal envolvendo desvio de recursos federais. Aliás, se não é a juíza competente para apreciação do presente caso, jamais poderia antecipar juízo de valor sobre os fatos."
Os promotores anotam que a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, em pedido formulado pela defesa do ex-presidente, em ação civil originária, negou liminar de suspensão das investigações por eventual bis in idem na esfera estadual e federal, "porque não vislumbrava ilegalidade irrefutável nos procedimentos em tramitação e as investigações possuíam perspectivas diferentes".
Em sua decisão, Rosa Weber disse que "primeiro se investiga, depois se denuncia, se for o caso".
"Foi exatamente o que o Ministério Público do Estado de São Paulo realizou: investigou e denunciou todos os investigados sobre os quais recaíam imputações penais, agora recorridos, sendo que em relação à investigação criminal que tramita perante a 13ª Vara Criminal Federal ainda não houve conclusão da apuração, de modo que a magistrada que se declarou aqui incompetente avançou de forma indevida em seara de caso que sequer conhece a fundo, diga-se, sequer objeto de ação penal", assinalam os promotores de Justiça de São Paulo Cássio Conserino, José Carlos Blat e Fernando Henrique de Araújo.
Os promotores observam ainda que "não há qualquer conflito de atribuições entre os Ministérios Públicos Estadual e Ministério Público Federal e, consequentemente, não há qualquer conflito de competência entre os Juízos Estadual e Federal, tampouco conexão dos fatos tratados na investigação que culminou com o ajuizamento de ação penal pública perante a Justiça Estadual, com aqueles tratados perante a 13ª Vara Federal de Curitiba (de Sergio Moro)".
"Enfatize-se que na investigação objeto da denúncia ora oferecida pelo Ministério Público Estadual, os fatos são relativos a inúmeros crimes de falsidade e estelionato, praticados contra milhares de famílias que ficaram sem seus apartamentos, espoliadas que foram por toda sorte de delitos, enquanto o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sua esposa Marisa Letícia Lula da Silva e o filho foram contemplados com um tríplex, na beira da praia", apontam os promotores do Ministério Público paulista.
Eles definem qual é o objetivo do Ministério Público Federal/força-tarefa da Lava-Jato. "Ao Ministério Público Federal compete a análise da aquisição da mobília planejada da cozinha, área de serviço, e demais ambientes do tríplex 164 A, do edifício Salinas, do condomínio Solaris, assim como dos eletrodomésticos e, igualmente, a análise da progênie dos quase R$ 800 mil que foram gastos na portentosa reforma estrutural com, inclusive, a instalação de elevador privativo entre os andares. Benesses materiais todas produzidas em momento contemporâneo com a investigação do escândalo da Petrobras (2014)."
Os promotores abordam um ponto crucial da demanda. "Os crimes antecedentes que geraram o crime de lavagem de dinheiro mencionado na denúncia são de cunho estadual. Ocorreram antes da Lei 12.683/12, por intermédio de organização criminosa (artigo 1º, VII, da Lei 9.613/98). E ocorreram depois, com o advento da Lei 12.683/12, na modalidade estelionatos e crime contra a incorporação imobiliária. Cumpre lembrar que com a promulgação da Lei 12.683/12 não se fez mais necessário o prévio rol taxativo."
Eles sustentam que "não parece possa haver interesse da União". E fustigam outro argumento da juíza da 4ª Vara Criminal da Capital, segundo a qual a falsidade ideológica atribuída a Lula reforça a tese de que a competência é da Justiça Federal.
"Não nos parece acertada a remessa à Justiça Federal, sob o argumento de que houve falsidade ideológica em documento público federal para consecução de crime tributário federal. Primeiro porque conforme restou explicitado na denúncia, o eventual crime de falsidade se consubstanciou em crime antecedente para possível crime de lavagem de dinheiro proveniente da prática de crimes estaduais; segundo, porque a eventual falsidade não foi produzida para fins tributários federais, já que não se logrou sonegar imposto de renda federal, mas sim como ilícito destinado a proporcionar a ocultação de patrimônio em decorrência de crimes estaduais. Mais didático: quis-se por intermédio dessa consignação falsa, ocultar o apartamento 164 A. Terceiro, porque a relação de bens contida no campo próprio do imposto de renda não é utilizada para fins de tributação1. Diferentemente do apregoado pela magistrada, não se trata de sonegação de imposto de renda, porque o apartamento 141 A não pertencia ao recorrido Luiz Inácio Lula da Silva, consequentemente, não lhe gerava qualquer renda! Como sonegar um bem que não lhe pertencia?".
"Parece-nos absolutamente claro que essa 'cota parte' com numeração de unidade autônoma converter-se-ia na unidade 164 A, sempre destinada à família presidencial e em nome da OAS, tanto na relação de condôminos, quanto no cartório de registro de imóveis, em autêntica integração do crime de lavagem de dinheiro, que não se consubstanciou porque a imprensa noticiou a sua relação espúria com o tríplex e houve a mudança de condutas para não permitir, à evidência, a prática criminosa, o que se verificou em janeiro de 2015?", continuam os promotores.
Segundo eles, "a magistrada alega que não houve detalhamento da origem do dinheiro, com o que se discorda".
"Na medida do possível houve esclarecimento integral de que os recursos materiais utilizados na construção do empreendimento são fruto de diversos crimes de falsidades e estelionatos, sendo que quanto a estes últimos houve esclarecimento em minúcias tais crimes, inclusive, com a quantificação deles, até mesmo com vítimas específicas do condomínio Solaris, onde está estabelecido o tríplex do ex-presidente da República."
"A alegação do Juízo de que não nos preocupamos em apresentar a origem do dinheiro é indevida", assinalam.
Os promotores pedem que a juíza "exerça juízo de retratação" e, em caso negativo, que após a remessa dos autos ao Tribunal de Justiça os desembargadores da 10ª Câmara Criminal da Corte determinem à Maria Priscilla Oliveira que receba a denúncia.