Eliane Brum não se deixa embevecer pelos tantos prêmios que ganhou ao longo da carreira e pelos múltiplos adjetivos que a antecedem a cada vez que vai falar sobre jornalismo. Com lotação máxima no Salão Nobre da sede do Grupo RBS, a repórter, que passou pelas redações de Zero Hora, Época, entre tantas outras, preconizou uma coisa apenas ao falar de seu ofício: o valor de escutar.
– Aprendi a admirar Eliane como repórter de pé no chão, de estrada, fiel apenas àquilo que apurou – apresentou-a o vice-presidente editorial do Grupo RBS, Marcelo Rech, no Em Pauta ZH desta quarta-feira.
E foi assim que a gaúcha definiu-se ao longo de cerca de uma hora de conversa com colegas de profissão, acadêmicos e estudantes de Jornalismo – como uma "escutadora", e como uma repórter de "desacontecimentos". Descrevendo sua trajetória como jornalista, disse-se uma entusiasta das histórias daqueles "à margem da narrativa, daqueles sem voz":
– Há vastas porções de Brasis e do mundo que não são contadas. E isso é uma brutalidade.
Em sua busca por contar a vida daqueles que vivem à margem – as histórias que ninguém vê –, mostra-se combativa. Relatou escolher histórias apenas levando seu bloco e sua caneta (sua arma, como disse), a locais centrais da cidade, esperando apenas que alguém começasse a contar algum causo particular. Sempre com um pacto consigo:
– Quando entro na vida de alguém, peço licença concreta e simbólica – começa, firmando depois um compromisso ético – Se alguém batesse na minha porta para fazer essa pergunta que eu faria, eu abriria a porta? Eu responderia essa pergunta? Não posso pedir de alguém o que eu mesma não poderia dar – disse, definindo um pouco o ofício da reportagem como uma ponte entre os personagens ouvidos, suas histórias e os leitores.
Ao falar um pouco dos bastidores de O Povo do Meio, reportagem que fez para a revista Época narrando as agruras de um povoado no coração da Amazônia, de soldados da borracha esquecidos em uma terra não reconhecida pelo governo e sistematicamente ameaçados de morte por seringualistas, creditou a repercussão da reportagem, que tornou a área uma reserva extrativista – A Reserva Extrativista Riozinho do Anifrísio – a um compromisso com a história que foi contada. Só com insistência e esforço de reportagem alguma ação pôde ser tomada no momento.
Sobre os artigos de opinião que a tornam personalidade viral nas timelines de internautas a cada vez que são publicados, Eliane afirma procurar, muito antes de opinar, enxergar a situação sobre a qual opina como repórter:
– É necessário ser responsável pelo seu momento histórico. Faço coluna como repórter, movimentando-me pelas dúvidas, para iluminar os campos escuros.
A repercussão varia ("levo pau de todos os lados, mas, no jornalismo, sempre acho que esse é um bom lugar", diz), mas a jornalista ressalta a importância do diálogo na atual situação do país. Falando da crise de credibilidade dos veículos de imprensa tradicionais, clamou por um olhar mais compreensivo sobre os acontecimentos nas ruas:
– No momento em que se expulsam jornalistas de grandes veículos das ruas, precisa-se olhar como repórter para isso. E a imprensa não olhou assim, chamando essas pessoas de vândalos. Mas, a partir do espanto com essa situação, deveria-se tentar entender o que está acontecendo.
E essa necessidade de tentar entender o que está acontecendo – que, para Eliane, mostra-se além de imparcial, permeada por delicadeza – passa por ter os olhos e os ouvidos abertos em todos os momentos:
– Às vezes uma imagem, um cheiro, revela mais do que qualquer palavra que é dita – conta, explicando o conceito que repete muitas vezes em entrevistas de "escutar com todos os sentidos", aplicado a suas reportagens.
– Nunca faço a primeira pergunta. Ela diz mais de mim do que da pessoa que entrevisto. Ela dá pistas de o que eu quero saber. A primeira pergunta é uma forma de controle. Então o que eu digo é "me conta" – relata, sem cansar de surpreender-se por onde cada entrevistado escolhe começar a contar sua própria história.
Sobre os desafios do novo jornalismo, quando perguntada quais conselhos daria para estudantes e jovens profissionais, Eliane foi sintética. Embora o momento histórico, segundo ela, seja duro, ele é igualmente fascinante.
– Atualmente, ser repórter é ser protagonista de uma construção, de como fazer reportagem neste momento de crise, em como construir uma resposta para este momento da mídia. Nada vai ser fácil, mas é fascinante – ponderou, antes de um juízo final:
– Não acho que a reportagem mudou.
O debate com Eliane Brum foi o primeiro Em Pauta ZH de 2016. No próximo evento, em maio, quatro painéis serão realizados para comemorar o aniversário de Zero Hora, com convidados de dentro e fora da redação do jornal para debater modelos e rumos do jornalismo.