Os garçons deslizavam pelo salão lotado do InGalera, restaurante recém-inaugurado que já atraiu muitos elogios. As reservas para o jantar já estão praticamente esgotadas para o mês de março e a elite milanesa já o descobriu: o ex-presidente de um banco esteve ali há algumas semanas; a ex-Miss Itália também. Nos fins de semana, é invadido pelas famílias.
Para Silvia Polleri, gerente e criadora do conceito da casa, o InGalera é um triunfo inebriante, mais ainda pela localização do que pela comida.
Ele fica dentro da penitenciária Bollate, de segurança média, que acomoda 1.100 detentos na periferia de Milão. Os garçons, cozinheiros e lavadores de pratos foram condenados por homicídio, assalto à mão armada, tráfico de drogas e outros crimes.
– Posso retirar o prato do senhor?, perguntou Carlos, elegante de gravata, camisa branca e colete preto enquanto recolhia a louça de uma das mesas.
É difícil imaginar uma história de sucesso mais incongruente que a do InGalera, ou um experimento de reabilitação mais peculiar – enfrentando as atitudes públicas, ainda por cima.
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Pouca gente pensaria na cadeia como local de diversão; entretanto, a novidade do fato de beber e comer ali parece que pegou, inclusive se transformando em instrumento de marketing.
Silvia decidiu que, para garantir a tranquilidade dos clientes, adotaria um tom bem humorado – e por isso batizou o estabelecimento de InGalera, gíria italiana para a expressão "na cadeia".
O restaurante é elegante, arejado e moderno, mas as paredes são decoradas com pôsteres de filmes famosos de prisão, incluindo "Fuga de Alcatraz", de Clint Eastwood.
A curiosidade em relação a um mundo temido e proibido faz da noite no InGalera uma aventura ousada que, de quebra, inclui uma refeição excelente. (Conquistou 4,5 estrelas das cinco possíveis do site TripAdvisor.)
– Quisemos ver a realidade daqui. Não é um restaurante comum, mas já é um clássico. E a comida é ótima, afirma Carla Borghi, acompanhada de um grupo de casais que saiu de uma cidade próxima, Paderno Dugnano para conferir a novidade.
Durante muitos anos, a Itália teve problemas com seu sistema carcerário e o equilíbrio entre punição e reabilitação. A superpopulação se tornou um problema tão sério que, em janeiro de 2013, a Convenção Europeia de Direitos Humanos exigiu que o país resolvesse a situação.
E os legisladores reagiram, oferecendo novas alternativas para crimes menores. Em 2014, também rechaçaram a lei de condenação mais rigorosa para porte de drogas posta em prática na década de 90, semelhante à lei "Three Strikes" dos EUA. No mesmo ano, o país começou a soltar dez mil detentos (de um total aproximado de 60 mil) condenados por delitos menos graves.
Porém, a questão da reabilitação eficiente – e baixa reincidência – continuava um desafio. Há tempos é permitido aos presos italianos das detenções de segurança média se movimentar dentro do prédio ao longo do dia.
– O principal problema é que eles têm pouco a fazer nesse período, o que não ajuda muito no presente, nem no futuro, quando saírem, argumenta Alessio Scandurra, da ONG Antigone, pelos direitos dos presos.
O presídio Bollate já fazia parte da vanguarda da experimentação antes mesmo da inauguração do restaurante: sob a direção de Massimo Parisi, oferecia uma série de programas, inclusive de trabalho, em parceria com diversas empresas. Voluntários oferecem aulas de teatro e pintura. A carpintaria é ensinada em oficinas equipadas com ferramentas modernas. Os presos cuidam de um estábulo instalado no pátio.
A força por trás do restaurante é Silvia, que trabalhou 22 anos como professora de pré-escola antes de investir no setor gastronômico e, em 2004, fundar uma cooperativa social para ajudar os detentos, selecionando alguns presos de Bollate para fazer trabalhos externos. Uma vez levou um homem que tinha sido condenado por assalto à mão armada para servir as mesas de uma recepção realizada em um banco.
Mesmo assim, a ideia de abrir um restaurante ali era um desafio completamente diferente.
– O pessoal olhava para mim como se eu fosse louca, e mais ainda quando disse que queria que se chamasse InGalera, mas queria parar com a conversa e partir para ação.
Pediu investimentos dos parceiros, inclusive da empresa de auditoria PricewaterhouseCoopers; um arquiteto local fez o projeto de graça. Ele fica no andar térreo da ala dos dormitórios dos carcereiros; os detentos ficam em outra parte do complexo. Contratou um maitre d' para lidar com o dinheiro e receber os clientes e um chef profissional, Ivan Manzo, que nem se abalou pelo fato de trabalhar entre condenados.
– Já vi muito maluco nas cozinhas aqui de fora!, exclama.
Silvia sabe que o restaurante incomoda certas pessoas e não tem intenção de ofender as vítimas, mas alega que o presídio deve treinar os criminosos para se tornarem cidadãos responsáveis, com condições de se readaptarem à sociedade, e observou que o nível de reincidência daqueles que participam de programas semelhantes fica bem abaixo da média.
Recentemente, pouco antes do jantar, Silvia inspecionava os garçons, lembrando Carlos de "andar direito". O momento mais tenso para ela até agora aconteceu no início de dezembro, quando soube que um crítico gastronômico de um dos jornais mais importantes do país, o Corriere della Sera, tinha ido jantar no restaurante sem se revelar e estava preparando uma resenha.
– Fiquei sem dormir uma semana, confessou. Ele, entretanto, elogiou a comida, o serviço e o "ambiente simpático". Falou bem até dos preços, mais em conta que a maioria das casas milanesas. "Para pagar um preço honesto, você tem que vir para a cadeia", escreveu.
Olhando para o salão, Silvia apontou para os clientes saboreando a refeição. – É uma verdadeira revolução. Antes, muita gente nem sabia onde ficava o presídio.