O depoimento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a integrantes da força-tarefa da Operação Lava-Jato foi disponibilizado nesta segunda-feira no sistema da Justiça Federal. No texto, o petista ataca as investigações contra ele sobre o sítio em Atibaia e o triplex em Guarujá. Ele chega a chamar o caso de "sacanagem homérica".
– Eu acho que eu estou participando do caso mais complicado da história jurídica do Brasil, porque tenho um apartamento que não é meu, eu não paguei, estou querendo receber o dinheiro que eu paguei, um procurador disse que é meu, a revista Veja diz que é meu, a Folha diz que é meu, a Polícia Federal inventa a história do triplex que foi uma sacanagem homérica, inventa história de triplex, inventa a história de uma offshore do Panamá que veio pra cá, que tinha vendido o prédio, toda uma história pra tentar me ligar à Lava-Jato, toda uma história pra me ligar à Lava Jato, porque foi essa a história do triplex – reagiu o ex-presidente, segundo a transcrição.
Por conta do que considera uma perseguição, ele afirmou que espera desculpas públicas.
– Eu espero que quando terminar isso aqui alguém peça desculpas. Alguém fale: "Desculpa, pelo amor de Deus, foi um engano" – disse.
O ex-presidente foi alvo da 24ª fase da Operação Lava -Jato, que apura se empreiteiras favoreceram o ex-presidente por meio do sítio de Atibaia e do triplex no Guarujá. Em 4 de março, a Polícia Federal cumpriu mandados de busca e apreensão e condução coercitiva no prédio de Lula, de seu filho Fábio Luiz da Silva e no Instituto Lula.
Levado coercitivamente a depor, o ex-presidente prestou depoimento em uma unidade da Polícia Federal no Aeroporto de Congonhas por mais de três horas.
Lula não se limitou a responder aos questionamentos da Polícia Federal. Em muitos momentos ele discursou, lembrou da extrema popularidade alcançada pelo seu governo, das conquistas sociais. Tanto que o tamanho de suas respostas virou motivo de brincadeira entre ele e o delegado gaúcho Luciano Flores de Lima, que o interrogou.
Ao contrário de outros investigados pela Lava-Jato, Lula respondeu a maioria das questões perguntadas. Em algumas, disse que não sabia, até por ter sido conduzido de surpresa para depor. Em outros momentos, detalhou sua relação com investigados pela PF.
Confira aqui os principais trechos do depoimento do ex-presidente:
RESPOSTAS DISCURSIVAS
Questionado se sempre dá respostas longas, Lula admitiu: "Ah, depende, depende, quando eu estou, como diria, tem hora que me baixa o espírito do Chaves e do Fidel eu falo uma hora e meia, às vezes eu falo uma hora, falo uma hora e quarenta, uma hora e cinquenta".
Ao ouvir a respostas de Lula, o delegado não se conteve: "Vamos de novo, tomara que a gente termine hoje..."
A DINÂMICA DO INSTITUTO LULA
Questionado sobre se pediu dinheiro em nome do Instituto Lula: "Não, e pretendo não pedir nos últimos anos que tenho de vida. O Paulo Okamoto acho que pode pedir. Não sei se pede, mas pode pedir. Não cuido das coisas financeiras. Não sei o montante médio anual de recursos. Não faço ideia e faço questão de não fazer ideia".
REPASSES DO INSTITUTO LULA AO FILHO DELE
Questionado sobre as razões de o Instituto Lula repassou mais de R$ 1 milhão à G4, empresa de um filho dele, o ex-presidente respondeu: "Sei que (a G4) é do meu filho Fábio. Esse negócio de game não me pergunte nada, que sou analfabeto. Deve ter sido do Memorial da Democracia, porque nós fizemos o memorial digital, que está no ar. Se recebeu, prestou serviço. Vou repetir isso, várias vezes".
O TRIPLEX NO GUARUJÁ
Lula admite ter visitado duas vezes um apartamento oferecido a ele, reformado por empreiteiras: "Era uma unidade disponível para venda no condomínio, que já tinha sido vendida a unidade que estava colocada a mim. Era um apartamento triplex, 164, com 215 metros de área privativa, 2 pavimentos de 82 metros quadrados e um de 50 metros quadrados. Por ser unidade não vendida o 164 estava... está registrado em nome da OAS Empreendimentos S/A, matrícula 14... do Cartório de Imóveis de Guarujá", diz, lendo documento preparado por seu advogado.
Lula acrescenta: "Eu acho que eu estou participando do caso mais complicado da história jurídica do Brasil, porque tenho um apartamento que não é meu, eu não paguei. Estou querendo receber o dinheiro que eu paguei. Um procurador disse que é meu, a revista Veja diz que é meu, a Folha diz que é meu, a Polícia Federal inventa a história do triplex, que foi uma sacanagem homérica. Inventa história de triplex, inventa a história de uma offshore do Panamá que veio pra cá, que tinha vendido o prédio, toda uma história pra tentar me ligar à Lava-Jato...toda uma história pra me ligar à Lava Jato, porque foi essa a história do triplex".
SÍTIO PARA GUARDAR TRALHAS EM ATIBAIA
Sobre o sítio que seria seu, em Atibaia, reformado por empreiteiras, Lula disse: "Eu fiquei sabendo desse sítio no dia 15 de janeiro de 2011, passei a frequentar até menos porque eu viajei muito, acabei de falar que eu viajei demais. Então comecei a frequentar mais depois, quando eu estava com câncer, e depois passei a frequentar mais em 2013, em 2014. E pretendo continuar visitando se não destruírem o sítio, porque tudo que os companheiros que compraram o sítio fizeram foi tentar garantir que eu tivesse um lugar pra descansar. Porque você sabe que eu não tenho. Não só que eu tivesse um lugar pra descansar, mas também que tivesse alguma coisa pra guardar as tralhas de Brasília, que é muita tralha que a gente ganha".
SEM NEGÓCIOS COM BUMLAI
Sobre o amigo preso por fraude envolvendo empreiteiras: "O José Carlos Bumlai era um cara que era meu amigo. Nunca, nunca o José Carlos Bumlai conversou de serviço comigo, nunca conversou de serviço comigo. Ele tinha noção de que quando ia em casa, era como amigo".
GENTE QUE NÃO VALE O QUE COME
Sobre Promotorias: "No Ministério Público tem gente extraordinária, mas tem gente que não vale o que come, e muitas vezes essas pessoas extrapolam".
Sobre o promotor Cássio Conserino (do MP estadual de São Paulo): "O que não é possível é que a gente trabalhe tanto para criar uma instituição forte nesse país e dentro dessas instituições pessoas que não merecem estar nessa instituição estejam a serviço de degradar a imagem de pessoas. Não sou eu que tenho que provar que o apartamento é meu, ele é que vai ter que provar que é meu".
INDICAÇÕES PARA A PETROBRAS
A rotina de como escolher quem ocupa os cargos: "Quando você ganha uma eleição, sozinho, são as pessoas do partido majoritário que escolhem. Escolhem o Delegado Geral da Polícia Federal, escolhem o Superintendente se quiser escolher o Superintendente, escolhem o Procurador Geral da República. Todos os nomes chegam pela Casa Civil, porque era isso que eu estou te falando, discute-se com o partido que vai indicar, discute-se com a liderança do partido, vai pra Casa Civil, faz a triagem através do GSI e esse nome vem pra você. Tudo isso é o presidente que faz. Lamentavelmente as pessoas não nascem com carimbo na testa, 'eu sou filho da puta' ou não, 'eu sou ladrão' ou não, você fica sabendo depois"
ROTINA DE PALESTRAS NO BRASIL E EXTERIOR
A criação da LILS (empresa de palestras): "No dia 1º de janeiro de 2002, eu era o presidente da República considerado o melhor presidente da República do início do século XXI, pois bem, quando eu deixei a presidência todas as empresas de palestras, que organizam palestras de Bill Clinton, Bill Gates, Kofi Annan, Felipe Gonzales, Gordon Brown, todas as empresas mandaram e-mail, mandaram telegrama, mandaram convite, telefonaram, que queriam me agenciar para fazer palestra. Nós pegamos um valor do Bill Clinton e falamos o seguinte 'Nós fizemos mais do que ele, então nós merecemos pelo menos igual', e aí passamos a viajar."
DEBATE ATÉ COM DONO DE CACHORRO
A rotina no Palácio do Planalto: "Nunca antes da história do Brasil, um Presidente da República fez tanto debate com empresário dentro do Palácio do Planalto como eu, nunca. Não só debate com empresário, mas debate com favelado, debate com sem teto, debate com prostituta, com LGBT, até cachorro, cão-guia, eu fiz reunião lá dentro, pra falar com os donos, não com os cachorros".
VINHO GAÚCHO NO PLANALTO
Questionado sobre transporte de vinho após deixar a Presidência, Lula falou sobre presentes recebidos: "Depois que eu deixei a Presidência, eu nem sabia porque o Presidente da República não frequenta a adega do palácio. Quando eu era presidente da República, isso é importante ressaltar, lá só se servia vinho nacional, só vinho gaúcho, tchê. Da serra gaúcha. Cada presidente que ia lá eu fazia questão de abrir um vinho gaúcho, eles elogiavam, não sei se estavam gostando ou não, mas elogiavam. Quando eu comecei a servir vinho da adega; agora, eu também ganhei vinho, eu recebi muito presidente. Jacques Chirac me deu vinho, Sarkozy me deu vinho, Cristina Kirchner me deu vinho, o Chile me deu vinho…Mas se o cara me der dois copos de vinhos, separado em copo, eu sou um péssimo bebedor de vinho. Gostaria de não ser, você bebe vinho bem, né? Mas eu sou péssimo".
VIAGENS PARA FALAR BEM DO BRASIL
As razões das viagens: "O que uma empresa quer saber? Por bem ou por mal, uma empresa quer saber se o Brasil está bem, se compensa fazer investimento naquele país, ou se o Brasil está mal e não compensa. Hoje, no mundo de hoje, como é que acontece? Os tucanos viajam o mundo falando mal do Brasil. Eu também já fui oposição, já viajei falando mal do Brasil. Falando mal do governo, na verdade. Então o que acontece? Os tucanos viajam dizendo: 'O Brasil está tudo errado, não dá certo, porque...' Sabe? E eu viajo falando bem do Brasil, esse país é porreta, esse país tem um povo trabalhador".
JOSÉ DIRCEU
Lula defende o ex-ministro José Dirceu e diz não acreditar que ele tenha recebido vantagens indevidas: "Acontece que no Brasil nós estamos vivendo um período, desde o Mensalão, que as pessoas não tem que ser culpada, ele não será condenado pelo julgamento apenas. Ele será condenado pelas manchetes dos jornais. As manchetes dos jornais amedrontam a Polícia Federal, amedrontam o Ministério Público, amedrontam a Suprema Corte, amedrontam todo mundo, todo mundo".
PERSEGUIÇÃO E PEDIDO DE DESCULPAS
Sobre a investigação da PF, Lula considera uma perseguição e afirma que espera desculpas públicas: "Eu espero que quando terminar isso aqui alguém peça desculpas. Alguém fale: Desculpa, pelo amor de Deus, foi um engano".