Na terça-feira, sob grande solenidade e atenção mundial, o presidente americano, Barack Obama, anunciou um programa de fechamento do presídio de Guantánamo, que os EUA mantêm em território cubano. Mas a sensação foi de que o gesto era só um sinal de "start". A expectativa, desde aquele momento, só cresce. Deve se estender pelas três semanas que faltam para a visita que o líder dos EUA fará a Cuba, nos dias 21 e 22, e Argentina, em 23 e 24 de março.
A respeito de Cuba, a visita em si já é histórica. Será o primeiro presidente dos EUA a ir até a ilha em 88 anos - o último foi Calvin Coolidge, em 1928. Já em relação à Argentina, além de prestigiar um novo presidente simpático aos EUA, a data, 24 de março, marca o aniversário de 40 anos da mais cruel ditadura vivida pelo país. Foram 30 mil mortos no contexto da Guerra Fria e com respaldo dos EUA.
A cientista política Denilde Holzhacker identifica vínculo temático entre as duas visitas: os direitos humanos.
- Obama está sendo pressionado a tratar de democracia e direitos humanos em Cuba. Nada mais natural que leve esse mesmo assunto para a Argentina, só que em outro contexto e para reforçar o discurso. Ele pode querer passar a limpo a questão - diz Denilde.
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A sensação entre os analistas é de que, se "a retomada de relações com Cuba é um legado de Obama", como diz Denilde, isso pode ser só o começo. Em Buenos Aires, é possível que o presidente americano esteja na sacada da Casa Rosada enquanto manifestações contra a ditadura ocorrem em frente, na Praça de Maio. Também se ventilou que o presidente Mauricio Macri planeja levar Obama à antiga Escola de Mecânica da Armada (Esma), principal centro de torturas da ditadura (1976-83). Seria inevitável pelo menos abordar o assunto. A presidente da ONG Avós da Praça de Maio, Estela de Carlotto, reuniu-se com Macri e pretende se encontrar com Obama. Do presidente francês, François Hollande, que visitou a Argentina, ela já recebeu a solidariedade pelas vítimas da "guerra suja".
- Obama quer um "gran finale" (haverá eleições presidenciais americanas em novembro). Quer entrar para a História. Americanos não costumam agir sem pesar as consequências. Por que estará na Argentina bem nos 40 anos do golpe? - especula o presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos (MJDH), Jair Krischke.
Evento com objetivos nas políticas externa e interna
A visita a Havana será o ápice do reatamento entre EUA e Cuba, iniciado em dezembro de 2014. Foi o próprio Obama quem a anunciou, no Twitter. A ida à Argentina brindará Macri por ações que faz para a distensão com os americanos. Os argentinos negociam com fundos especulativos que formam os 7% dos credores internacionais que rejeitaram o pagamento da dívida nas condições estabelecidas pela ex-presidente Cristina Kirchner. O objetivo de Macri é zerar o litígio e possibilitar o retorno dos investimentos externos.
O analista argentino Carlos Pagni identifica uma prioridade de Macri no restabelecimento das relações internacionais. Antes de tomar posse, ele visitou a colega brasileira Dilma Rousseff. Na semana passada, recebeu François Hollande. Com o papa Francisco, que é argentino e seu amigo, ele pretende falar, no Vaticano, sobre a crise síria.
- A ideia é de que toda política exterior é política doméstica -diz Pagni, referindo-se aos interesses argentinos de romper o isolamento e à vontade que Obama tem de dar um sinal simpático eleitoralmente ao público latino.
- Os republicanos têm pré-candidatos de origem cubana, Marco Rubio e Ted Cruz, críticos à reaproximação com Cuba, mas a população americana é favorável. Isso é interessante para o Partido Democrata e beneficia seu candidato, seja Hillary Clinton ou Bernie Sanders - diz Ayerbe (Rubio e Ted Cruz, com o magnata Donald Trump, são os principais pré-candidatos republicanos), coordenador do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Luis Fernando Ayerbe.
Arturo López-Levy, especialista em América Latina e EUA e ex-professor da Universidade do Texas, vê na visita "a vontade de a Casa Branca consolidar a nova política em relação a Cuba como legado histórico de Obama". Levy vê na visita o possível fim das desconfianças e a abertura cubana para o mundo.
- Desmontar as restrições financeiras existentes em relação a Cuba é a grande meta de Raúl Castro - diz Levy.
E também de Macri.
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Cinco desafios e soluções
1) Palco de encontros
- Cuba tende a se viabilizar como palco de acordos internacionais, aproveitando-se do reatamento com os EUA e da abertura tradicional com adversários americanos. Já houve o quase finalizado acerto entre o governo e a guerrilha colombiana e o encontro entre o Papa e o líder do catolicismo ortodoxo russo, Kirill (o primeiro em mil anos). Francisco saiu de Havana definindo Cuba como local indicado para iniciativas assim. A visita de Obama faz com que os cubanos avancem na inserção internacional.
2) Alívio nos direitos humanos
- Exilados cubanos em Miami planejam queimar fogos a partir de embarcações em Miami no dia 21 de março, diante da costa de Cuba, para instar Obama a defender os direitos humanos na Ilha. O tema já vem sendo discutido. Os cubanos pedem compreensão ao seu sistema. Os EUA pedem democracia representativa e pluripartidária. Cuba já deu permissão para sete opositores fazerem viagens internacionais.
3) Relaxamento no embargo
- O fim do embargo dos EUA a Cuba é exigência cubana. A medida está vigente desde 1962. Obama quer a revogação. Mas, como é lei, isso só é possível via Congresso. O presidente tem se valido de medidas para flexibilizar restrições, corroendo o embargo em setores como remessas de valores, telecomunicações, turismo e viagens. E insiste no Congresso, argumentando aos republicanos que haveria pragmáticas vantagens empresarias na abertura.
4) Guantánamo
- Simbolicamente, o desembarque de Obama em Havana ocorreu na terça, com o anúncio do plano de desativar o presídio. Cuba já pediu diversas vezes que o território seja devolvido e vê nesse ponto uma condição imprescindível para a normalização diplomática. O fechamento da prisão foi uma das mais prioritárias promessas eleitorais da primeira campanha de Obama, em 2008. A respeito do território em si, as discussões são tensas, pois afeta questões da segurança nacional americana.
5) Reparações
- É possível que se desenhe alguma solução nesse impasse, que não chega a ser determinante para a reaproximação. Os EUA querem compensações cubanas pelos bens dos americanos confiscados na revolução socialista de 1959. O Departamento de Justiça americano recebeu 8.821 pedidos de pessoas físicas e jurídicas que dizem ter perdido propriedades. Cuba pede reparações aos EUA por danos causados desde o início do embargo. Valores de ambos os lados são controversos. Chegam a dezenas de bilhões de dólares.
Detalhe ZH
Encontro entre os presidentes Barack Obama e Raúl Castro em Cuba será o primeiro em território "não-neutro". Os dois se reuniram em setembro de 2015 na ONU, em Nova York. Antes, em abril daquele ano, apertaram as mãos na Cúpula das Américas, no Panamá.