Os dois principais líderes do partido que há 13 anos governa o país devem ter uma conversa tensa, nesta segunda-feira, em Brasília. Em um encontro com a presidente Dilma Rousseff no Palácio da Alvorada, Luiz Inácio Lula da Silva tentará convencer a sucessora a dar uma guinada na política econômica e a restabelecer os laços com a militância petista.
Desde que o PT chegou ao poder, em 2003, jamais a relação entre governo e legenda foi tão turbulenta. Dilma chegou a prolongar uma viagem ao Chile, no sábado, evitando assim comparecer à festa de 36 anos do partido, realizada no Armazém da Utopia, na zona portuária do Rio. A defecção irritou os dirigentes petistas. Questionada sobre a ausência, Dilma enviou um recado aos insatisfeitos:
– Um partido é um partido, e um governo é um governo. Não governo só para o PT. Eu governo para os 204 milhões de brasileiros.
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Como Dilma não foi ao encontro dos petistas, eles convocaram um emissário de luxo para comunicar o que pensam sobre os rumos do governo. Saudado com efusão pela militância, Lula admitiu que o Palácio do Planalto "precisa ousar mais". Foi então encarregado de apresentar à presidente as 22 diretrizes formuladas durante o evento. Algumas das propostas colidem com as intenções da equipe econômica, entre as quais o aumento do gasto público, a expansão do crédito e o fim da reforma da previdência. "Dilma, chega de ajuste fiscal e superávit!", dizia uma das faixas seguradas pela plateia.
– Tem gente no governo pensando que o direcionamento de recursos para os pobres foi errado. Não podemos recuar naquilo que fizemos para nossa base social. Queremos que Dilma nos ouça, e esse é o papel do Lula – comenta um dirigente do PT.
O temor maior é de que um prolongamento da crise econômica e o avanço da Operação Lava-Jato sobre Lula e o PT prejudiquem o partido nas eleições municipais. Entre os alvos dos contrariados, estão os ministros da Fazenda, Nelson Barbosa, e da Justiça, José Eduardo Cardozo. O primeiro é acusado de seguir a cartilha do antecessor, Joaquim Levy, ao propor medidas impopulares de rigor fiscal, como o congelamento dos vencimentos dos servidores e a suspensão do reajuste real do salário mínimo. Cardozo é apontado como "frouxo", por não controlar a Polícia Federal.
Para alguns parlamentares, enquanto o PT está sob ataque, Dilma faz afagos no mercado e na oposição, em detrimento do eleitorado que a elegeu. Como exemplo, citam o fim da exclusividade da Petrobras na exploração do pré-sal, votação em que o PT foi derrotado diante de uma aliança entre a bancada governista e a oposição patrocinada pelo Planalto. Nos bastidores, já há quem sugira que Dilma se afaste dos palanques na campanha deste ano.
– Ela está conseguindo algo impensável: se afastar de sua base. Ela não vai acalmar o andar de cima, mas pode imobilizar a nossa base. Esse pessoal quer tirá-la do governo, e ela está se oferecendo – critica o senador Lindbergh Farias (PT-RJ).
Apesar das divergências, a militância presente à festa não hostilizou a presidente. Durante a leitura de uma carta enviada por ela, na qual faz uma defesa de Lula e do partido, afirmando que os ataques não a "farão recuar", os filiados responderam com palavras de ordem, como "não vai ter golpe" e "olê, olê, olá, Dilma, Dilma".
– Por mais que possamos ter divergências com qualquer pessoa do governo, esse governo é nosso e temos responsabilidade de fazer dar certo. A gente tem de ter claro, e Dilma tem de ter certeza, que o lado dela é este, e ela precisa de nós para sobreviver aos ataques – disse Lula, antecipando o tom da conversa que terá com a presidente.
Cinco divergências e uma concordância
Reforma da Previdência
A presidente tem sido enfática na defesa de mudanças nas regras previdenciárias. Diante de um déficit de R$ 158 bilhões em 2015, o governo pretende instituir idade mínima para a concessão de aposentadorias e gradualmente ir eliminando as diferenças entre os segurados do setor público e do setor privado. O PT já manifestou que é contra qualquer reforma, alegando que as mudanças só entrariam em vigor em 10 anos, em contraste com o imediato desgaste eleitoral provocado pelas medidas. Em contrapartida, o partido sugere maior rigor no combate à sonegação.
Exploração do pré-sal
A votação das mudanças nas regras de operação do pré-sal, na semana passada, no Senado, ampliou a crise entre governo e PT. Enquanto a bancada petista rejeitava o projeto do senador José Serra (PSDB-SP), que retirou a exclusividade da Petrobras na exploração do petróleo em águas profundas, o Planalto fez um acordo com a oposição. Ciente de que não teria os votos necessários para barrar a proposta, o governo enviou novo texto ao plenário, contemplando as mudanças sugeridas por Serra. O PT votou contra, mas perdeu.
Aumento dos gastos
Prevendo um déficit de R$ 60 bilhões em 2016, o governo anunciou há 10 dias um bloqueio de gastos na ordem de R$ 23,4 bilhões. Os ministérios mais atingidos foram Minas e Energia, Saúde e Educação, mas nem mesmo as obras do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) escaparam dos cortes. O PT defende exatamente o contrário: revitalização do PAC e aumento do gasto público como formas de induzir o crescimento da economia. O partido sustenta que essas medidas foram fundamentais para manter o crescimento da economia brasileira durante a crise de 2009.
Reservas internacionais
Entre as medidas sugeridas ao governo na festa de aniversário do partido, o PT incluiu o uso das reservas internacionais – depósitos em moeda estrangeira do Banco Central, utilizados no cumprimento dos seus compromissos financeiros, como a emissão de moeda. O PT quer que esse dinheiro seja destinado à criação de um Fundo Nacional de Desenvolvimento e Emprego. O ministro da Fazenda manifestou discordância, ao ressaltar que o estoque de reservas internacionais é fundamental para garantir estabilidade financeira e cambial ao país.
Revisão da tabela do Imposto de Renda
O PT defende imediata revisão da tabela do Imposto de Renda sobre pessoas físicas, com aumento do piso de isenção e ampliação progressiva das faixas de contribuição. Como exemplo de necessidade de tributação maior sobre as rendas mais elevadas, o PT afirma que a alíquota máxima no país é de 27,5%, diante do cobrado nos Estados Unidos (39,6%), na Alemanha (45%) e na Suécia (56,7%). O governo já adiantou que não há sequer margem para uma correção da tabela pela inflação do ano passado (10,67%), o que poderia reduzir em até 60% o imposto pago pelos contribuintes de menor salário.
CPMF (A concordância)
Único consenso entre Dilma e o PT, a recriação da CPMF é justamente a que mais enfrenta resistência no Congresso. Assim como o Planalto, o partido quer que a arrecadação obtida com o imposto seja compartilhada com Estados e municípios. No orçamento para 2016, o governo previu incremento de R$ 10,3 bilhões na receita, referente aos últimos quatro meses do ano, o que pressupõe a aprovação até maio, para que a cobrança comece em setembro. Por esta projeção, a arrecadação anual com a CPMF poderia alcançar R$ 32 bilhões.