Passava das 5h30min quando dois adolescentes de 16 e 17 anos foram flagrados por policiais militares (PMs) em um Honda Civic, na zona norte de Porto Alegre, na última quinta-feira. O carro havia sido roubado havia dois dias de uma mulher no estacionamento de um shopping. Além do roubo, a dupla, moradora de São Leopoldo, tinha abastecido o carro e fugido de um posto de combustível sem pagar a conta em Sapucaia do Sul.
O caso é mais um exemplo - da mesma forma que a proliferação de assaltos retratada nesta segunda-feira por Zero Hora na primeira reportagem da série Crise da Segurança - de como a criminalidade assola o Estado a qualquer hora e local. O detalhe é que os envolvidos nessa ocorrência em particular ilustram o perfil da maioria dos infratores recolhidos na Fundação de Atendimento Socio-educativo (Fase) no Estado. Autores de roubos representam 52,2% dos internados, e outros 15% cometeram assassinatos. É a violência que cresce sem controle e arrasta consigo cada vez mais jovens para o mundo do crime.
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De 2011 a 2015, os casos de assaltos subiram 79,2% e os de homicídios, 77,4%, lotando unidades da Fase, que, no período, aumentou o número de jovens em cumprimento de medida socioeducativa, de 956 para 1.291 (35%). A estatística da Fase revela apenas uma parcela da violência protagonizada por jovens, estima o delegado Christian Nedel, da 1ª Delegacia de Adolescente Infrator do Departamento Estadual da Criança e do Adolescente. Apesar de um terço das apreensões realizadas pela polícia ser de adolescentes com drogas, são cada vez mais raras internações na Fase por esse tipo de crime - reduziu 32,5% nos últimos quatro anos.
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A queda pode estar associada a uma jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), criada em 2012 para pacificar interpretações do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O entendimento dos ministros é de que a internação pela primeira vez de um jovem só pode ser por ato cometido com violência ou grave ameaça à vítima. E o tráfico não pressupõe isso. Assim, adolescentes traficantes estão sendo recolhidos quando pegos pela polícia pela segunda vez em diante.
Escândalos abalam respeito pelo Estado, diz consultor da Unicef
Mas qual é a explicação para o aumento dos casos de roubos e assassinatos cometidos por adolescentes?
- O adulto criminoso morre cedo. E é natural que a "força de trabalho" se volte para os mais novos - avalia o promotor Júlio Alfredo de Almeida, da Promotoria de Justiça da Infância e da Juventude de Porto Alegre.
O juiz Sidinei Brzuska, da Vara de Execuções Criminais da Capital, lembra que o puxador (motorista) das quadrilhas de ladrões de carros é sempre jovem - o roubo de veículo é o crime que mais cresce no Estado. O raciocínio é semelhante para casos de homicídio, na maioria deles, envolvendo execuções de facções rivais.
- É uma gurizada que faz a frente nas execuções e com armas pesadas - acrescenta o juiz.
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Uma das razões para a criminalidade estar em alta, sobretudo a delinquência juvenil, é a crise de autoridade que varre o país motivada, em especial, pela avalanche de escândalos de corrupção, observa o advogado João Batista Costa Saraiva, consultor do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
- Quando as autoridades são colocadas sob suspeição, existe, naturalmente, um descrédito nas instituições e uma tendência à delinquência. O adolescente é muito suscetível a isso. Quanto mais jovem, maior o sentimento de que não vai ser pego, de que não vai dar nada - afirma Saraiva.
Para ele, há um processo de enfraquecimento do pátrio poder, que, de certa medida, o Estado tem sobre as pessoas:
- O que determina o pai ter autoridade sobre os filhos é o exemplo que ele dá. Com o Estado funciona de modo parecido. Quando perde a credibilidade, isso repercute na segurança pública.
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Alta de internos foi limpeza social, diz presidente da Fase
Robson Luis Zinn, presidente da Fundação de Atendimento Socio-educativo (Fase), avalia que o aumento do número de infratores recolhidos na entidade se explica, em parte, pela Copa do Mundo, sediada no Brasil em 2014, e pelo debate em torno da redução da maioridade penal:
- Ocorreu uma limpeza social na cidades-sedes. Era um evento internacional, e o Brasil queria se apresentar melhor para os outros países. Além disso, a discussão sobre a maioridade gerou mais internações para demonstrar à sociedade que existe um sistema penal juvenil rigoroso. O tempo médio de internação, em média, aumentou em seis meses.
O dirigente assegura que a Fase trabalha para melhorar os serviços. Afirma que o índice de reincidência é de 32,8% (entre adultos é de 70%), por conta de programas de ressocialização e oferta de cursos profissionalizantes.
Para reduzir o déficit de vagas, Robson lembra de financiamento de US$ 23 mil (R$ 94,7 mil) pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para construção de três unidades, em Osório, no Litoral Norte (60 vagas), em Viamão (90) e em Santa Cruz do Sul (60). Segundo ele, o edital de licitação para o prédio em Osório deve ser lançado em março, e os demais, ao longo do ano. O recurso do BID também será investido em obras, reformas e ampliações no complexo da Vila Cruzeiro do Sul, na Capital.
Conforme Robson, a construção do Centro de Atendimento Socioeducativo (Case) POA III, previsto para o bairro Belém Novo, na zona sul da Capital, foi cancelada e a verba devolvida ao governo federal porque a Fase não obteve licença ambiental.
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Estatuto em debate
Ao menos dois projetos tramitam no Congresso com intenção de alterar o Estatuto da Criança e do Adolescente. Confira as principais mudanças propostas.
PEC 115, de 2015
A Câmara de Deputados aprovou, em dois turnos, proposta de emenda à Constituição (PEC) 115, em julho de 2015, que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos para autores de crimes hediondos, homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte.
Prevê que esses jovens sejam recolhidos em estabelecimentos especiais, separados de apenados adultos e de adolescentes infratores. Por se tratar de PEC, não precisa do aval presidencial para entrar em vigor, mas tem de ser votada em dois turnos no Senado, para onde o projeto foi encaminhado.
O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), sinaliza que não tem pressa em colocar em pauta. Se ocorrer mudança no texto, a PEC volta para a Câmara. E, se deputados fizerem alterações, também terá de voltar ao Senado. As duas Casas precisam aprovar o mesmo texto para virar lei.
Projeto de Lei do Senado 333, de 2015
Também em julho, o Senado aprovou substitutivo ao projeto do senador José Serra (PSDB-SP), de autoria do senador José Pimentel (PT-CE), como alternativa à PEC 115 aprovada na Câmara.
A proposta dos senadores determina aumento de três para até 10 anos no tempo de internação de adolescentes autores de crimes hediondos ou com violência ou grave ameaça, a serem cumpridos em estabelecimento especial, em separado dos demais internos e também de adultos.
O projeto foi remetido à Câmara, podendo ir a discussão em plenário. Isso depende de decisão do presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que define quando e quais projetos entram na pauta de votações. Com o processo de impeachment e medidas provisórias trancando a pauta, não há previsão de o projeto ser apreciado.