O Rio Grande do Sul, que enfrenta grave crise financeira, utiliza os depósitos judiciais para tapar rombos fiscais desde 2004. Além do atual governador, José Ivo Sartori (PMDB), três antecessores se valeram do mesmo artifício: Tarso Genro (PT), Yeda Crusius (PSDB) e Germano Rigotto (PMDB).
Uma lei aprovada pela Assembleia Legislativa no ano passado autorizou o governo a sacar até 95% dos depósitos administrados pelo Tribunal de Justiça – o limite anterior era de 85%. A operação funciona como um empréstimo: o governo paga juros equivalentes aos da taxa Selic. O custo anual dos "financiamentos" já chega a cerca de R$ 1 bilhão.
Só em 2015, Sartori sacou R$ 1,8 bilhão – terceiro lugar no ranking estadual, atrás dos governos do Rio e de Minas Gerais. Na administração de Tarso Genro (2011-2014), o volume foi recorde: R$ 5,7 bilhões, em valores da época. Depois do Rio Grande do Sul, o quarto Estado no ranking dos saques foi Mato Grosso do Sul, com R$ 1,4 bilhão.
Oito governos informaram que não utilizaram recursos da Justiça em 2015, mas alguns avaliam fazê-lo neste ano. Outros oito governos não responderam às solicitações feitas pela reportagem.
Estados usam R$ 17 bilhões de depósitos judiciais para fechar as contas em 2015
Na tentativa de reduzir rombos fiscais em 2015, pelo menos 11 dos 27 governadores sacaram um total de R$ 16,9 bilhões de depósitos judiciais e usaram os recursos para pagar parcelas da dívida com a União, precatórios e até aposentadorias de servidores, conforme levantamento em Tribunais de Justiça e governos. Esse montante representa 13% do estoque total de recursos que os tribunais estaduais tinham sob custódia até o fim de 2014, da ordem de R$ 127 bilhões, conforme dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
O uso de parte desse fundo pelos governos é uma solução emergencial e temporária: em algum momento, esse dinheiro terá de ser devolvido para as contas administradas pela Justiça. Os depósitos judiciais são formados por recursos de governos, empresas ou pessoas físicas envolvidos em litígios que envolvem pagamentos, multas ou indenizações. Os recursos ficam sob administração da Justiça até que haja uma decisão final sobre a legalidade do pagamento ou seu volume.
A utilização desses recursos foi a saída encontrada por diversos governadores para compensar as perdas de arrecadação decorrentes da crise econômica. Nos primeiros oito meses de 2015, todos os Estados, sem exceção, tiveram redução real de receita em comparação com o mesmo período de 2014 – os dados até dezembro ainda não foram publicados.
A existência de R$ 127 bilhões em depósitos judiciais nos Estados é uma decorrência da morosidade da Justiça – quanto mais demora a conclusão dos processos, maior o bolo fica.
O acesso às verbas foi feito, em alguns casos, com a aprovação de leis estaduais nas Assembleias Legislativas – a legalidade das mesmas sofreu contestação no Supremo Tribunal Federal.
Em agosto do ano passado, porém, houve aval federal para algumas das operações, com a aprovação, pelo Congresso Nacional, da Lei Complementar 151. O autor da proposta legislativa que deu origem à lei foi o senador José Serra (PSDB-SP).
Essa nova legislação permite que os chefes dos Executivos estaduais e municipais utilizem até 70% dos depósitos judiciais e administrativos dos quais seus governos são parte da ação. Mas foi dada prioridade ao pagamento de precatórios – dívidas resultantes de decisões judiciais.
As discrepâncias entre as regras federais e estaduais levaram o Conselho Nacional de Justiça a determinar, em novembro passado, que só precatórios sejam pagos com os depósitos judiciais até que não haja pendências nesse quesito. Só então o dinheiro poderá ser usado para outras finalidades (previdência, dívida com a União etc).
Leis
Somente o governador do Rio, Luiz Fernando Pezão (PMDB), usou em 2015 R$ 6,9 bilhões dos depósitos mantidos pelo Tribunal de Justiça fluminense. Duas leis estaduais autorizaram a apropriação dos recursos – a primeira, de 2013, citava apenas a quitação de precatórios como destino possível, mas a segunda, de 2015, ampliou o leque. O resultado é que mais de 96% dos recursos sacados no ano passado acabaram indo para o Rioprevidência, responsável pelo pagamento de aposentados e pensionistas.
Em Minas Gerais, o governador Fernando Pimentel (PT) sacou quase R$ 4,9 bilhões dos recursos sob custódia da Justiça para pagar previdência e dívida com a União. Na prática, foi o que garantiu, até aquele momento, o pagamento dos servidores em dia.
Na justificativa do projeto de lei enviado à Assembleia para dar respaldo legal ao saques do dinheiro, o governo argumentou que, se a medida não fosse aprovada, havia risco de "contingenciamento sobre o pagamento das remunerações dos servidores públicos estaduais, proventos dos inativos e repasses".
Os salários dos servidores mineiros começaram a atrasar. Nos próximos três meses, pelo menos, haverá parcelamento do pagamento aos que ganham acima de R$ 3 mil.
Em São Paulo, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) sacou no ano passado quase R$ 1,4 bilhão dos recursos administrados pelo Tribunal de Justiça. O dinheiro foi utilizado para quitar precatórios – na fila das pendências ainda há dívidas que deveriam ter sido pagas 17 anos atrás.
Direito de propriedade
A Procuradoria-Geral da República considera que o repasse de recursos de depósitos judiciais para governos estaduais é uma ameaça ao direito de propriedade, já que o dinheiro sob custódia da Justiça pertence, de fato, aos cidadãos ou empresas envolvidos em disputas legais.
O entendimento da Procuradoria foi expresso em ação direta de inconstitucionalidade que questionou a validade da transferência de recursos de depósitos judiciais para o governo de Minas Gerais.
Esse repasse foi baseado em lei aprovada pela Assembleia Legislativa, o que, segundo a Procuradoria, também seria inconstitucional, já que a União é quem tem competência para legislar sobre o tema. O governo de Fernando Pimentel (PT) sacou em 2015 quase R$ 4 bilhões.