No exato dia em que a tragédia da boate Kiss completa três anos, neste 27 de janeiro, a Associação de Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM) vai protocolar denúncia sobre o caso no Sistema Interamericano de Direitos Humanos. A principal queixa é pela ausência de denúncia contra funcionários públicos municipais e um promotor de Justiça pelo incêndio na danceteria, que matou 242 pessoas em 2013. Eles tinham sido responsabilizados pelo acidente, o maior da história gaúcha, em inquérito feito pela Polícia Civil.
A queixa dos familiares é que fiscais e Ministério Público foram omissos na fiscalização - nunca apontaram problemas que pudessem oferecer risco aos frequentadores da Kiss. Entre as causas das 242 mortes apontadas por perícias estão o fato de que o estabelecimento não tinha saída de emergência, estava com janelas trancadas e a espuma do teto era tóxica (caso queimasse). Mesmo com esses fatores que poderiam levar a um incêndio, a prefeitura e o promotor de Justiça que vistoriou a boate não viram motivos para interditar ou fechar o estabelecimento.
O documento da Associação da Familiares sugere que o Estado brasileiro seja apontado como omisso pelo fato de fiscais e o promotor terem negligenciado riscos da boate, o que levou à morte das 242 pessoas na Kiss. A queixa deve ser levada à Corte Interamericana de Direitos Humanos - órgão judicial com sede na Costa Rica, que analisa violações ocorridas em países ligados à Organização dos Estados Americanos (OEA).
Conforme a Associação de Familiares, a ação será movida pelas advogadas Tâmara Biolo Soares e Tatiana Telles Gomes. Tâmara, formada pela UFRGS, foi advogada da secretaria executiva da Corte Interamericana de Direitos Humanos e é Mestre em Direito pela Universidade de Harvard, EUA. Tatiana é formada pela PUCRS e é especialista em Ética e Educação em Direitos Humanos (pela UFRGS) e em Advocacia Cível pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Denúncia semelhante foi protocolada em 2015 pela Associação de Familiares junto à Corte Internacional de Haia, na Holanda, que ainda não se pronunciou.
Veja um resumo da petição que será apresentada à Corte Interamericana de Direitos Humanos:
"Até o momento, apenas quatro pessoas (dois sócios da boate e dois músicos) aguardam julgamento pelos fatos. Quatro bombeiros foram julgados e condenados. Nenhum outro agente público foi julgado, apesar de que diversos entes públicos tinham conhecimento de que a boate funcionava em desconformidade com a legislação vigente à época dos fatos e autorizaram seu funcionamento ou nada fizeram para prevenir a tragédia.
A tragédia matou diretamente 242 pessoas, em sua maioria jovens, feriu ou lesionou de forma permanente outras centenas de pessoas, colocou em risco a vida de todos os que se encontravam no local e destruiu milhares de famílias das vítimas e sobreviventes.
A denúncia alegará a violação, pelo estado brasileiro, dos direitos à vida, à integridade pessoal, à liberdade pessoal, à proteção da família e à proteção e às garantias judiciais consagrados na Convenção Americana sobre Direitos Humanos em detrimento das vítimas e seus familiares. Sustentará que a responsabilidade internacional do Brasil decorre da omissão dos agentes públicos em fiscalizar a boate e proibir seu funcionamento, violando seu dever de prevenção, proteção e garantia dos direitos humanos.
Sustenta ainda que, em razão da ausência de responsabilização dos agentes públicos relacionados ao caso, o estado brasileiro violou o direito das vítimas de acessar a justiça e conhecer a verdade dos fatos".
ESPECIAL: tragédia completa três anos de impunidade
Nesta semana se completam mais de mil dias desde a maior tragédia gaúcha, o incêndio da boate Kiss, que matou 242 pessoas e feriu mais de 600, em Santa Maria. Foi há três anos, mas, para os familiares das vítimas, o tempo parou. Dezenas de pais mantêm quartos e objetos dos filhos intocados, como se a porta fosse se abrir e os entes queridos, voltar.
A maior expectativa dos parentes das vítimas é em relação à Justiça. Eles saíram da esperança para a descrença. Poucos imaginam que os processos judiciais resultarão em penas altas para os réus. A maioria critica é a ausência de autoridades entre os processados - ao contrário do que ocorre em outros países, onde governantes foram condenados ou renunciaram por desastres similares ao da Kiss.
Confira o site sobre os três anos da tragédia em Santa Maria, com reportagem especial, vídeos e galerias de fotos, clicando na imagem abaixo.