A dor de parentes e amigos pela perda do engenheiro civil Vilmar Mattiello, 58 anos, morto por um tiro desferido por um policial militar (PM) na madrugada de quinta-feira, na zona sul de Porto Alegre, é potencializada pelo sentimento de revolta.
Mattiello foi alvejado porque teria passado de carro em um sinal fechado, sido perseguido por viatura da Brigada Militar (BM) e não obedecido ordem de parar dada por dois PMs que o esperavam após uma curva na Avenida Wenceslau Escobar. Um dos soldados deu três tiros contra o Civic de Mattiello, atingido fatalmente no tórax.
- Foi execução - criticou o irmão do engenheiro, Fábio Mattiello, presidente da Associação dos Juízes Federais do RS.
Engenheiro é baleado por policial e morre após se recusar a parar em abordagem na zona sul da Capital
O magistrado afirma não aceitar a atitude de PMs em atirar contra carro em movimento, sem saber quem e quantas pessoas estavam dentro, e sem que os ocupantes esboçassem reação que justificasse os disparos.
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O juiz disse não saber se o engenheiro havia ingerido álcool - versão apresentada por PMs sobre a motivação da fuga - e lamentou que, mesmo se o irmão tivesse bebido, não poderia ser punido com o que classificou de "pena de morte".
Investigação busca imagens da perseguição
Conforme relato de policiais envolvidos no caso, o Civic se aproximou demais de onde eles estavam, levando-os a acreditar que seriam atropelados.
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A 6ª Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa apura o caso. Além de depoimentos, busca imagens de câmeras das ruas onde ocorreu a perseguição. Solicitação dos vídeos foi encaminhada à prefeitura. A BM também abriu inquérito.
Centenas de pessoas se despediram ontem do engenheiro no Cemitério São Miguel e Almas, em Porto Alegre. Nascido em Xaxim (SC), foi criado em Nonoai, no norte do RS. Casado, deixa mulher e duas filhas.
Vilmar Mattiello, 58 anos, não resistiu aos ferimentos (Foto: Arquivo pessoal)
ENTREVISTA
"Foi uma execução", diz juiz irmão da vítima
Após o sepultamento do engenheiro, o irmão dele, o juiz federal Fábio Mattiello, falou por telefone com Zero Hora
Como o senhor classifica o incidente que resultou na morte de seu irmão?
Perseguição em que um policial ou dois atiram na altura da cabeça ou do tórax é execução. Foi uma execução. É tentar definir logo uma perseguição sem que dure muito tempo. É: "vamos eliminar e, ali, na curva, serão feitos disparos". Isso está muito claro.
Como deveria ter sido a abordagem?
A pergunta deveria ser feita ao comando da BM. Mas não se aceita de maneira alguma abordagem a uma pessoa que não oferecia risco. Ele, simplesmente, estava dirigindo, não tinha arma. Quem apontou arma e atirou foi o policial militar.
A BM está despreparada para casos como esse?
Não posso falar sobre a BM inteira, embora agora ouça pessoas dizerem que já aconteceu em outras cidades, que os casos não são tão raros assim. O que posso dizer é que houve um despreparo total de quem estava no comando desta operação. Foi uma decisão de "vamos resolver essa perseguição em uma execução", ao arrepio de qualquer norma legal.
Surgiu a versão de que seu irmão não parou porque teria ingerido bebida alcoólica.
Não estava na festa. Falei com o Sidnei (amigo que estava com o engenheiro) e, em momento algum, ele falou em bebida alcoólica. Mesmo que tivesse ingestão de bebida, qual o crime que se comete dirigindo? É um crime para execução? Não. A legislação prevê a retenção de CNH, aplicação de multa. E se tiver comprovação de embriaguez, responde por delito específico. Mas a pena para esse delito jamais será a pena de
morte. E é a que foi dada.
Os PMs desconfiaram se tratar de um carro roubado ou envolvido em crime.
Imagine se fosse um sequestro, com os bandidos fugindo com uma vítima e eles enchem o carro de tiros. A atitude dos PMs foi extremamente equivocada.
O carro passou em alta velocidade em um sinal fechado?
Alguma coisa chamou a atenção da BM para sair em perseguição. Pode ser que sim. Eles é que têm de explicar.
Qual a punição que a família espera para o autor dos tiros?
É um homicídio doloso e uma tentativa de homicídio doloso porque eram dois ocupantes do carro. É caso para o Tribunal do Júri. Acredito nas instituições, na polícia, no Ministério Público, no Poder Judiciário.
ENTREVISTA
"Não podemos atirar e matar um inocente", diz subcomandante-geral da BM
O subcomandante-geral da BM, coronel Paulo Moacyr Stocker garante que a atitude do PM não faz parte dos ensinamentos que a corporação transmite à tropa.
A família da vítima classifica o caso como execução. E o senhor?
Não foi execução. Acho o termo muito forte, exagerado. O soldado estava na rua trabalhando. Policial pode errar? Pode. Assim como pode errar médico, juiz. São seres humanos. Não pode haver pré-julgamento. O soldado fez, em princípio, uma avaliação errada do fato. Ele estava envolvido em uma ocorrência policial com perseguição. Decidiu por aquele procedimento e vai ser julgado por isso.
Como o senhor avalia a atitude do PM?
Não li os depoimentos, não conheço detalhes do caso, mas aparentemente, ele (soldado) cometeu um procedimento que não faz parte da técnica, que não é ensinado na formação policial. Tentou atirar nos pneus e errou. Não se atira em pneus.
Qual é o procedimento?
O veículo tem de ser parado em barreira. Se não parar, tem de se fazer um cerco policial com viaturas, e se aborda mais adiante. Mesmo assim, se conseguir fugir, vai ser pego depois. Não podemos atirar e matar um inocente.