Com o fim do sigilo que tinha sido decretado pelo Supremo Tribunal Federal a respeito da delação premiada do dono da empreiteira UTC, Ricardo Pessoa, começam a surgir detalhes da relação dessa empresa com os partidos políticos no Brasil. São 29 termos, além de documentos, que foram liberados para domínio público por parte do relator da Operação Lava-Jato no STF, ministro Teori Zavascki.
Ricardo Pessoa foi preso em 14 de novembro de 2014 e só foi libertado em abril, para cumprir prisão domiciliar. No mês seguinte, firmou acordo de colaboração com a Procuradoria-Geral da República (PGR). Ele é apontado por procuradores da República como coordenador do cartel formado pelas principais empreiteiras com obras na Petrobras.
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Pessoa afirma, entre outros fatos, que liderou em 2006 repasse de R$ 2,4 milhões em espécie para a campanha de reeleição de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República. Ele afirma que o valor foi retirado dos pagamentos referentes à obra da Plataforma P-53 da Petrobras e que a doação foi feita de forma não oficial, com o dinheiro entregue a José de Filippi Junior, tesoureiro da campanha lulista (e atual secretário municipal da prefeitura de São Paulo). A contribuição teria sido feita em conjunto pelos sócios da QUIP, consórcio encarregado da construção da P-53, formado pela Queiróz Galvão, pela UTC, pela IESA e pela Camargo Corrêa. A plataforma foi construída em Rio Grande (RS).
Na mesma época, a UTC fez doação oficial de R$ 1,2 milhão à campanha de Lula.
Pessoa diz que esteve com Lula em sete ocasiões desde aquela época até 2014. Eram eventos políticos e sociais, como inaugurações de obras (refinaria, ferrovia, navio) e jantares, como um na casa de Marta Suplicy. O empreiteiro confirma que, após deixar a Presidência da República, Lula foi contratado para dar uma palestra na UTC. A contratação foi por meio do Instituto Lula.
"Lula igualmente estava na lista regular de pessoas presenteadas ao final do ano. Eram enviados a ele, por meio de portador, corte de tecidos, gravatas e 'a cachaça da Reserva Especial da UTC'. As entregas eram operacionalizadas pela secretária particular de Ricardo Pessoa, senhora Maria de Brotas", detalha o termo de colaboração do presidente da UTC.
Pessoa informa que os presentes destinados ao ex-presidente Lula eram enviados ao Palácio do Planalto, quando ele exercia mandato, e ao Instituto Lula, quando ele deixou a Presidência.
A UTC gastava cerca de R$ 250 mil por ano com brindes personalizados comuns (para diversas autoridades) e, ainda, cerca de R$ 150 mil por ano com "brindes especiais ou presentes". Ricardo Pessoa ressalta que não mantinha com Lula qualquer relação de amizade, podendo apenas dizer que "tinha condições de acesso".
Pessoa diz não poder afirmar, com certeza, se o presidente Lula soube da origem do dinheiro que sua campanha recebeu por parte da QUIP e do vínculo da doação com a obra P-53. O presidente da UTC admite que concordou em fazer as doações eleitorais não oficiais e oficiais por pretender manter boa relação com o futuro governo do PT e, em particular, com a pessoa do presidente da República, o que era importante para sua atividade empresarial.
"As contribuições oficiais e não oficiais eram ponto de partida para a conquista dessa proximidade, conquista esta que envolvia também seu esforço pessoal em desenvolver o relacionamento originalmente inaugurado com as contribuições; o montante das contribuições, embora não em relação diretamente proporcional, condicionava a amplitude do acesso e da proximidade; para que tal proximidade se estabelecesse, era necessário que Lula soubesse das contribuições", relata.
Pessoa também fala de dois petistas que estão presos, João Vaccari Neto (ex-tesoureiro do partido) e Renato Duque. Ele diz que recebeu de Duque a missão de procurar Vaccari em 2007. Eles teriam acertado que as doações ao PT teriam vinculação direta com as obras da Petrobras.
"Bastava assinar um contrato que eu era procurado por João Vaccari para que fizessem o acerto sobre os valores. Ele dizia: o Duque me disse que saiu o contrato, então como fica o nosso entendimento político?", declara Pessoa, no termo de colaboração.
Vaccari comparecia na UTC umas cinco ou seis vezes por ano, geralmente aos sábados, afirma Pessoa. Conversavam amenidades e acertavam os valores. Vaccari jamais levava um papel sequer, mas tinha uma "memória incrível", salienta Pessoa. Terminada a conversa, qualquer anotação era picada por Vaccari e os pedaços do papel picado eram distribuídos em lixos diversos.
Pessoa delata também contribuições que teria sido forçado a dar para outros partidos, como o PMDB. Ele diz ter conversado com Edison Lobão (na época, ministro das Minas e Energia) para tratar dos entraves das obras da usina nuclear de Angra 3. Fez isso a conselho do vice-almirante Othon Pinheiro, então presidente da Eletronuclear (estatal responsável pela usina). Lobão teria respondido:
- Olha, nós temos que assinar esse contrato, porque o PMDB está precisando de dinheiro para a campanha.
Lobão, segundo Pessoa, mencionou necessidade de obter percentual de 1% a 2% do valor do contrato para o PMDB. Pessoa tentou argumentar:
- Mas a gente nem assinou contrato ainda!
Lobão teria respondido que não tinha jeito, que precisavam de um adiantamento. Pessoa falou que o valor total do repasse não poderia ultrapassar R$ 30 milhões. E concordou em fazer adiantamento de R$ 1 milhão, "em espécie".