
Compridas lágrimas escorriam pelo rosto de Magali, 41 anos. Seu corpo inerte, encasacado nos 8°C da madrugada parisiense, se deixava escorar no gelado muro da rua Commines. A sua frente, atarefados bombeiros, médicos e enfermeiros evacuavam feridos que chegavam transportados do Bataclan, mítica e festiva casa de shows nas proximidades agora eternamente associada ao massacre de mais de 80 vítimas do terrorismo. Sua voz, trêmula, balbuciava vagas palavras. Solitária naquela sombria calçada, ela - como milhares de parisienses, de franceses e de cidadãos pelos quatro cantos do mundo - não entendia o que acabara de ocorrer em sua cidade.
Horas antes, ao sair de uma sala de cinema, se viu em meio a um filme de horror: uma Paris em plena barbárie. Refugiou-se com outras pessoas num bar, aterrorizada, e agora aguardava as ruas serem desbloqueadas pelas forças de segurança e poder retornar para casa. E ali ficou sabendo que nos arredores de seu lar, na rua Bichat, um outro ataque também fizera ecoar gritos de terror e manchara o asfalto de sangue. Homens-bomba, kalashnikovs, granadas explodindo no cenário da recém-chegada decoração natalina da Cidade-Luz. Nada parecia lhe fazer sentido. Parecia não escutar as estridentes sirenes ao redor, e com os olhos marejados traduziu seu sentimento em quatro letras: medo.
Paris despertou no sábado como Magali. Atônita. Incrédula. Chocada. Desnorteada. Amedrontada. A sexta-feira 13 de novembro de 2015 entrou para o calendário francês como a data do atentado mais mortífero já ocorrido no país. Sob a vasta e pesada sombra de mais de 120 cadáveres, o Palácio do Eliseu reagiu, por um lado, com as mesmas palavras invocadas no rastro dos atentados de janeiro último, que tiveram como principal alvo o jornal satírico "Charlie Hebdo" e causaram 12 mortes: o apelo à união nacional para afrontar a ameaça terrorista. Por outro lado, o discurso do presidente François Hollande endureceu: a França será "determinada" e o combate, "impiedoso". Trata-se de um "ato de guerra" organizado e preparado do exterior com cumplicidade interior por um exército terrorista, o Estado Islâmico, afirmou o chefe da nação, ao anunciar o luto nacional por um período de três dias.
Franceses relatam clima em Paris: "Estamos em estado de guerra"
A drámatica e sangrenta noite de sexta-feira pariu um denso e ruidoso silêncio na nebulosa manhã outonal de sábado. Escolas, universidades, museus, bibliotecas, ginásios, piscinas públicas cerraram suas portas por determinação do estado de urgência imposto no país. Áreas que serviram de palco para a chacina terrorista permaneciam interditadas pela polícia. Onze estações de metrô foram fechadas. As manifestações nas vias públicas foram proibidas até o póximo dia 19. Veículos atravessavam a cidade para transportar os corpos das vítimas para o Instituto Médico Legal, onde familiares e amigos chegavam em prantos. O chefe do serviço de urgências do Hospital Europeu Centro Pompidou, Philippe Juvin, que passou a madrugada atendendo feridos, resumiu o estupor compartilhado por seus colegas:
Os atentados mais violentos da Europa nos últimos cinco anos
- Há vinte anos pratico esta profissão, já trabalhei na França, no Afeganistão e em vários outros lugares, mas nunca havia visto algo assim. Foi uma noite de pesadelo.
O pesadelo passou a ser amplificado com o conhecimento dos detalhes da carnificina, elaborada com métodos nunca antes utilizados em solo francês: ataques kamikazes praticados por terroristas armados com cintos de explosivos. Vídeos gravados por vizinhos do Bataclan revelaram toda a crueza da ação terrorista: na Passagem Saint-Pierre Amelot, uma das portas de saída da casa de shows, pessoas são abatidas por tiros em sua tentativa de fuga; outras arrastam mortos e feridos pela rua.
Nova York ativa protocolos antiterroristas, Espanha pode elevar alerta
Em janeiro, a França se tornou "Eu sou Charlie" ao reunir multidões em imensas manifestações espontâneas pelo país contra a violência terrorista. Neste novembro negro, os franceses talvez precisarão de mais tempo para absorver o abalo da sexta-feira 13. Por enquanto, ainda atordoados, se sentem fragilizados e vulneráveis, com a terrível sensação de que o terrorismo poderá atacar onde, quando e como quiser.
Confira o mapa dos ataques:
Atentados em Paris
Mais de cem pessoas morreram na noite desta sexta-feira, em Paris, na França, após uma série de ataques terroristas em diversos locais da capital francesa. Tiroteios e explosões ocorreram de maneira coordenada em pelo menos seis lugares, segundo o jornal Le Monde, que cita uma fonte judicial: no Boulevard Voltaire, em frente ao bar La Belle, Bataclan, na Rua de la Fontaine, no bar Carillon e no Stade de France. Pelo menos cinco terroristas foram "neutralizados" à noite. A informação foi anunciada por François Molins, procurador de Paris.
Logo após os ataques, o Itamaraty confirmou dois brasileiros entre os feridos nos atentados. Parisienses descrevem como "estado de guerra" a situação da capital francesa no momento, alertando para um possível crescimento da onda xenófoba, ultranacionalista e de extrema direita no país, que está a três semanas das eleições regionais.
O presidente francês, François Hollande, decretou estado de emergência e fechou as fronteiras do país. Moradores são aconselhados a não deixarem suas casas. Todos os locais públicos, como escolas, museus e bibliotecas, permanecerão fechados neste sábado em Paris. O presidente pediu confiança à população francesa e garantiu que as autoridades do país devem ser "duras e serenas" para "vencer os terroristas".
O presidente norte-americano Barack Obama também se pronunciou após os ataques, garantindo apoio à França e descrevendo as ações como "ataques contra a humanidade". Pelo Twitter, a presidente do Brasil, Dilma Rousseff,se disse "consternada pela barbárie terrorista" e expressou seu "repúdio à violência" e "solidariedade ao povo francês".
*ZERO HORA