No rastro de sangue deixado pelos recentes atentados de Paris, o presidente François Hollande conclamou uma nova coalizão internacional para combater de forma unida e intensa as forças do Estado Islâmico (EI). Nesta terça-feira,recebeu a promessa de apoio e de solidariedade da União Europeia (UE). Nos próximos dias 24, em Washington, e 26, em Moscou, se encontrará com seus colegas Barack Obama e Vladmir Putin, na tentativa de superar discordâncias e unificar ações.
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Três especialistas ouvidos por ZH avaliam que a tragédia do 13 de Novembro deflagrou uma nova etapa na luta contra o EI, mas alertam que a união desejada pela França não será tão fácil de ser concretizada diante das diferenças de abordagens e de interesses dos diversos países envolvidos. Para Pascal Boniface, diretor do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas, da França, o recrudescimento da ameaça terrorista implica um aumento da resposta exigida, mas resta a incerteza de que se possa alcançar rapidamente o resultado esperado.
- Uma nova coalizão internacional é possível, mas não será instalada imediatamente. Será preciso um concerto dos países ocidentais, das nações árabes do Golfo, da Turquia, do Irã, da Rússia... Mesmo que todos sejam inimigos do EI, nem todos têm a mesma apreciação de como lutar contra o EI e das prioridades - explica o diretor.
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Segundo Boniface, a Arábia Saudita, por exemplo, é contra o EI, mas também se preocupa com o Irã. O Irã tem na mira a Árabia Saudita e o controle do Iraque, e a Turquia, os curdos.
- Todos têm outros objetivos que não permitem uma ação concentrada, unânime e imediata contra o EI - acrescenta.
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A manifesta alteração de uma das prioridades da França, a destituição do presidente da Síria, Bashar al-Assad, poderá facilitar a negociação com a Rússia, que não via com bons olhos a sede do Ocidente em derrubar seu antigo aliado. Para o analista Bruno Tertrais, da Fundação para Pesquisa Estratégica, de Paris, o Palácio do Eliseu mudou o discurso, mas não o objetivo final de sua política:
- A França apenas escolheu não mais utilizar a retórica do "nem nem" (nem al-Assad nem o EI). A retórica agora é dar prioridade à luta contra o EI. Mas isso não significa que o governo mudou sua posição sobre al-Assad.
Na sua opinião, um elemento influi de forma determinante na perspectiva de maior comprometimento da Rússia na coalizão: o fato de Putin ter reconhecido que a queda do Airbus russo da Metrojet no Egito em 31 de outubro, com a morte de 224 pessoas, foi um "ato terrorista".
- Com isso, é viável considerar uma coalizão internacional unida, o que não era o caso há uma semana, pelo mesmo até ontem - diz Tertrais.
Papel a ser assumido pela União Europeia é crucial
Outra ponta da coalizão reclamada por Hollande é a UE, que garantiu seu apoio ao pedido francês de ajuda militar no embate contra a jihad. Para Yves Boyer, especialista em relações internacionais e geopolítica, é preciso que as palavras se transformem em atos:
- Infelizmente, vemos que os europeus praticam a política da "cadeira vazia". Não há europeus nesse combate, à parte os ingleses que bombardeiam um pouco o Iraque. Mas os alemães não estão presentes, os italianos fazem apenas voos de reconhecimento. Essa ausência total de europeus é um grande problema.
Nessa questão, Boniface endossa o coro dos críticos:
- Há uma ausência da UE, que não reage de forma firme e unânime. Isso mostra como o bloco não fala uma só voz e não atua em conjunto nessa luta.
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Os analistas pensam que sem uma operação terrestre será muito difícil vencer a batalha contra os soldados do EI, uma hipótese hoje descartada não apenas pelos EUA, mas também pelos demais países envolvidos. Mas nesse ponto também há nuances de análise. Boniface indica que apenas os países sunitas poderão protagonizar invasões por terra:
- Toda intervenção nesse sentido feita pelos ocidentais ou pelo Irã xiita será um argumento para o EI denunciar a formação de um complô, e agrupar em torno de si os sunitas. Mas com uma coalizão internacional reforçada, haveria uma maior possibilidade de fazer essa demanda aos países do Golfo e à Turquia.
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Para Boyer, os ocidentais devem auxiliar duas forças terrestres já existentes - os curdos, no norte, e o exército sírio apoiado por soldados da guarda da revolução iraniana a oeste:
- É quem está combatendo no solo hoje, e missões de forças especiais de países ocidentais deveriam ajudá-los no reconhecimento de alvos para um bombardeio aéreo mais intenso e efetivo.
Tertrais avalia também que há progressos a serem promovidos no plano aéreo, e que os inúmeros inconvenientes provocados por uma invasão terrestre fariam a coalizão perder importante parte de seu apoio:
- Haverá, a partir de agora, um salto quantitativo na ação militar, mas também na luta ideológica e econômica. A Turquia tem papel-chave, pois por ali passa grande parte do contrabando de petróleo que financia amplamente o EI.
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