Com esquema de segurança reforçado, teve início, nesta terça-feira, a fase de interrogatórios do processo sobre o incêndio na boate Kiss, ocorrido em 27 de janeiro de 2013. Na frente do Fórum, em Santa Maria, além dos tradicionais cartazes com fotos das vítimas, havia 12 policiais do Pelotão de Operações Especiais (POE) da Brigada Militar. Um número não revelado de militares fazia, ainda, um policiamento nas imediações. As pessoas que acompanharam o depoimento tiveram de passar por um sistema com raio X na porta de entrada e detector de metais no acesso ao Salão do Júri.
Interrogatórios dos réus no caso Kiss começam nesta terça-feira
Tamanha segurança teve justificativa quando os réus e seus defensores entraram no salão. Pela primeira vez, Mauro Hoffmann, ex-sócio da Kiss, estava entre eles. Elissandro Spohr, o Kiko, não apareceu. Quase ao lado de Mauro, estava Luciano Bonilha Leão, produtor de palco que também é réu no processo. Luciano depõe nesta quarta-feira.
Marcelo de Jesus Santos foi o primeiro a ser interrogado (de azul, no centro da foto). Mauro Hoffmann (de camisa rosa) e Luciano Bonilha Leão (de xadrez, à direita) também serão interrogados
"Será que lá na Romênia não ficaram sabendo da Kiss?", desabafa presidente da associação dos parentes das vítimas
A sessão começou com 12 minutos de atraso, às 13h42min. A parte destinada ao público foi praticamente tomada por familiares. Nas camisetas, fotos dos que morreram na tragédia. Concentrados e com expressões de tristeza, eles acompanharam tudo com tranquilidade.
O juiz Ulysses Fonseca Louzada abriu a sessão perguntando aos defensores se concordavam ou não com a presença dos demais réus durante o interrogatório. As defesas concordaram, mas a Promotoria, não. Mauro e Luciano tiveram de sair. Eles driblaram a imprensa usando uma porta lateral.
Marcelo de Jesus dos Santos sentou em frente ao juiz às 13h46min. Ele era o vocalista da Banda Gurizada Fandangueira e, naquela madrugada, segurava um artefato pirotécnico. Segundo a acusação foi o objeto que deu início ao fogo, resultando na morte de 242 pessoas e deixando mais de 600 feridas. Por 2h07min, ele respondeu a todas as perguntas. Marcelo aproveitou o direito constitucional que tem de falar em sua defesa e usou o tempo que teve para isso.
Em depoimento, que durou aproximadamente duas horas e meia, o réu disse que os shows da banda eram acertados com Danilo Jaques (gaiteiro que morreu na noite da tragédia), mas que os donos dos estabelecimentos sabiam do uso do artefato nas apresentações. Conforme o réu, Luciano (produtor de palco) era quem comprava os artefatos pirotécnicos para as festas.
Segundo Marcelo, Kiko sabia e consentia com o uso do artefato pirotécnico no show. O réu disse ainda que "Kiko estava sempre dentro da boate, e via tudo".
Questionado pelo juiz se gostaria de dizer alguma coisa sobre os acontecimentos, Marcelo pediu perdão:
- Nunca imaginei que isso poderia acontecer na minha vida. Pra mim é difícil de falar, acompanho o processo desde o início. Vejo a dor de todo mundo. É difícil estar sentado onde estou. Minha vida mudou muito. Peço que a justiça seja feita para todo mundo.
Vida simples
O réu também falou sobre a vida simples que leva. Ele mora com a mulher e duas filhas, uma de 15 anos e outra de sete. Estudou até a 7ª série do Ensino Fundamental e trabalha como azulejista. Ele contou, ainda, como era a relação com a banda.
Marcelo surpreendeu ao dizer que, após a tentativa frustrada de usar o extintor para apagar as chamas, desmaiou junto ao palco e não lembra de nada mais. Lembrou que foi arrastado pelo irmão, Márcio, também da banda, até perto da porta da boate, onde teria deparado com uma barra de ferro e caído. Disse, ainda, que ambos foram retirados por um segurança e que ele acordou já no lado de fora. As declarações sobre o que viveu naquela noite foram dadas antes da exibição de um vídeo que mostra o início do fogo. As imagens foram levadas ao depoimento pelo advogado de Marcelo, Omar Obregon.
No intervalo de 15 minutos, depois das declarações, o réu conversou com Obregon. Ainda durante sua fala, por duas vezes, Marcelo pediu perdão.
O presidente do Movimento Santa Maria do Luto à Luta, Flávio da Silva, questionou a versão do músico de que teria sido um dos últimos a sair da boate. Sobre o pedido de perdão, Silva falou que, mesmo que consiga perdoá-lo um dia, "isso não pode influenciar na responsabilização que cada um deve ter."
Confira abaixo como foi o primeiro dia da fase de interrogatórios dos réus: