A tragédia é brutal, mas vemos tudo como acidente. Estamos frente à maior catástrofe ambiental ocorrida em solo das Américas, sem perceber que se trata de um crime urdido pela cobiça fácil & pelo desdém. Em Minas Gerais, o rompimento, da barragem de rejeitos da mineradora Samarco, propriedade da australiana BHP Billiton, associada à brasileira Vale do Rio Doce, mostra como a inépcia irresponsável pode estar presente até mesmo nos dois gigantes da mineração no planeta.
A avalanche de lama ácida arrasou dois distritos da histórica Mariana, ocupou a mata, arrancou casas e árvores, afogou todos os bichos e até pássaros. Alcançou 15 metros de altura, escorreu ao longo de 600 quilômetros (um dos mortos foi arrastado por 70 quilômetros), chegou aos rios e penetrou até nos afluentes. Poluiu as águas e matou tudo - peixes, tartarugas, muçuns, capivaras etc.
Chegará ao mar, no Espírito Santo, e o mar vai sofrer. Antes, deixará estéril todo o seu trajeto em terra.
- Por onde a lama passa, nem capim nasce! - explicou o comandante dos bombeiros da região. Em 2007, um vazamento de outra mineradora tornou tudo deserto.
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Sabíamos das avalanches na América Central e na Colômbia, com muitos mortos, mas provocadas por deslizamento de lava vulcânica, impossível de prever ou evitar. Em Minas, tudo foi obra humana.
Além do desleixo no armazenamento de, no mínimo, 62 milhões de metros cúbicos de lama de rejeitos, não havia sequer sirene de alerta, no caso de ruptura da barragem, que se mantinha apenas pela massa úmida.
A australiana BHP pode, até, julgar-se sem responsabilidade na exploração, a não ser o lucro fácil de abrir crateras, extrair e vender. Afinal, sua sede fica lá no outro lado do mundo... Mas a Companhia Vale do Rio Doce nasceu ali, na região que agora arrasou. Tem o nome do grande rio que abastece dois Estados. Nas margens, as cidades de Governador Valadares, em Minas, com 350 mil habitantes, e Colatina, com 130 mil, no Espírito Santo, estão sem água potável e sob ameaça de que a acidez metalizada do Rio Doce persista por um século.
E de que o rio jamais volte a ter vida...
As crateras quilométricas para exploração do minério, que a TV mostrou agora, já são em si uma devastação. Tal qual no Brasil Colonial, gerar "riqueza" consiste, ainda hoje, em cavar o solo e vender o que nos dá.
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A mineração é rendosa e fácil. Diferente da agricultura, não depende do clima nem de correto cultivo ou boas sementes. Tudo está ali, doado pela geologia. Basta cavar, selecionar e transportar.
A agricultura e a pecuária são tarefas de amor à natureza. Nem a criminosa pulverização aérea de lavouras ou os agrotóxicos prescindem do respeito à Mãe-Terra. Mas a indústria mineradora tira tudo do solo e nada lhe reverte ou devolve.
De 2001 até agora, romperam-se em Minas oito barragens de diferentes mineradoras, sem servir de lição ao desleixo empresarial.
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O que mais me preocupa, porém, ocorreu por lá em 2003, em Cataguases. A barragem de rejeitos de uma indústria de celulose se rompeu e infectou de lixívia negra o Rio Paraíba do Sul, ao longo de 250 quilômetros, até o Estado do Rio de Janeiro.
Aqui, a ampliação da Celulose Riograndense, em Guaíba, em 2014, foi festejada por todos, mas me faz estremecer. A indústria de celulose usa água em grande escala e é pérfida por isto - contamina diretamente a fonte da vida. A antiga Borregaard (cujo cheiro pestilento voltou agora), desde junho de 2014 vem ultrapassando os limites máximos de poluição de água e ar, segundo relatórios da própria empresa, que agora é chilena.
Em teoria, isto "não implica perigo". Mas, se extrapola o máximo admissível, algo está errado e pode tornar-se grave. O Chile não tem nenhum rio tão imenso quanto o Guaíba e, até por isto, a celulose chilena não pode imitar os australianos na desídia pelo que não é deles e que apenas exploram na explorada Minas Gerais.
Fiquemos de olho no nosso Guaíba, para evitar aqui qualquer S.A. da cobiça & desdém!
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