A chuva que desabou sobre o Rio Grande do Sul nos últimos dias, provocando estragos e transtornando a vida de mais de 21,1 mil pessoas, fez Porto Alegre reviver um drama que não se repetia havia 48 anos.
Neste domingo, após uma semana de mau tempo, o nível do Guaíba atingiu a marca de 2m81cm às 23h30min - a maior registrada desde 1967, segundo o Centro Integrado de Comando da Cidade (CEIC). Às 5h09min desta segunda, a marca era de 2m79cm. Se chegar aos três metros, o manancial alimentado por rios caudalosos como Jacuí, Sinos, Caí e Gravataí invadirá o Cais Mauá. Até a noite deste domingo, devido à chuvarada sobre as cabeceiras desses cursos d'água, autoridades mantinham-se em alerta.
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- É uma das nossas principais preocupações no momento. A tendência é de que o Guaíba continue avançando devido a esse volume todo que se acumulou nas cabeceiras. Os reflexos ainda serão sentidos nos próximos dias - advertiu o tenente-coronel Alexandre Martins, chefe da Defesa Civil estadual.
Em 1941, ano da maior enchente já vista na Capital, o volume chegou a 4m76cm, e a água parda e revolta inundou o centro da cidade, assustando a população. Para impedir que a história se repita, a prefeitura decidiu fechar 13 das 14 comportas do sistema de contenção construído na década de 1970 - parte delas fica junto ao muro da Avenida Mauá.
Durante o procedimento, duas das comportas chegaram a emperrar. Técnicos cogitaram empilhar sacos de areia no local para garantir segurança, mas o problema foi resolvido. A única eclusa que deverá permanecer aberta - mas que pode ser trancada a qualquer momento, dependendo do comportamento do Guaíba - fica junto à entrada principal do cais.
- É uma situação com a qual não estamos acostumados. Vários fatores estão influenciando, como o vento no sentido Sul, que represa o Guaíba, e uma cheia histórica no Rio Jacuí, cujas águas desembocam no Guaíba - afirmou o diretor do Departamento de Esgotos Pluviais, Tarso Boelter, que acompanhou o processo.
Ao longo do dia, 2 mil pessoas que vivem nas ilhas banhadas pelo lago tiveram de sair de suas casas. O prefeito visitou a região e o vice, Sebastião Melo, foram até a região conversar com os moradores e visitar a Escola Estadual de Ensino Fundamental Alvarenga Peixoto, onde foram os desabrigados acolhidos. Por conta da cheia, o local também acabou alagado, e o grupo teve de ser levado para o Ginásio Tesourinha.
Outro prejuízo ocasionado pela cheia do Guaíba foi a suspensão das operações do Catamarã por tempo indeterminado. Segundo o diretor de operações da Catsul, Carlos Bernaud, a orientação partiu da Superintendência de Portos e Hidrovias (SPH) após a decisão de trancar as comportas.
No fim da tarde, José Fortunati reuniu-se com secretários e técnicos da prefeitura para discutir os efeitos do aguaceiro e definir a estratégia para a semana. Ao final da reunião, garantiu que está tudo sob controle.
- O dia de hoje foi o mais impactante, pois acabamos tendo, especialmente nas ilhas, muitas famílias desabrigadas. No momento, a situação está estabilizada, mas estamos em estado de alerta - assegurou o prefeito.
A situação no Estado
Mais de 21,1 mil pessoas contabilizaram prejuízos no Rio Grande do Sul até este domingo em função dos temporais dos últimos dias. A lista de atingidos, segundo a Defesa Civil do Estado, inclui pelo menos 50 cidades, com cerca de 3,1 mil residências afetadas.
Ao todo, devido à cheia de rios e córregos, 4,4 mil gaúchos foram obrigados a deixar suas casas no fim de semana - 2,5 mil buscaram ajuda em abrigos e 1,9 mil ficaram desalojados e recorreram a amigos e parentes.
A Região Central foi uma das mais prejudicadas. Em Santa Maria, que decretou situação de emergência, o avanço do leito do Rio Vacacaí - 6,5 metros acima do normal - alagou as casas de dezenas de famílias e bloqueou ruas.
Até uma torre de alta de tensão da AES Sul, instalada perto do Campo de Instrução do Exército do município, corria risco de cair em função do mau tempo - a água levou parte do terreno que dava sustentação à torre. Para evitar a queda, a AES Sul fez reparos no local.
No sábado, o governador José Ivo Sartori visitou Santa Maria e conversou pessoalmente com o prefeito Cezar Schirmer sobre os problemas. Também falou com representantes de cidades vizinhas e externou preocupação.
- A situação é delicada, e vim aqui trazer a minha solidariedade. Peço que os municípios façam seus levantamentos e nos informem da real situação. É claro que daremos atenção à região, mas, agora, o momento é de se fazer levantamento, até porque tudo isso é muito rigoroso, é difícil - disse.
Os temporais registrados nos últimos dias também causaram transtornos em pelo menos 12 rodovias. Seis delas estavam totalmente bloqueadas. O último boletim sobre o cenário foi divulgado pela Defesa Civil do Estado ao meio-dia deste domingo.
Na avaliação do chefe do órgão, tenente-coronel Alexandre Martins, a situação deve se complicar a partir de hoje na região de São Borja, Uruguaiana, Itaqui e Quaraí - além de Porto Alegre e Região Metropolitana.
- Choveu muito sobre o Rio Uruguai no fim de semana, mas demora um pouco para a gente perceber os reflexos. Estamos nos preparando para isso e alertando as pessoas - afirmou Martins.
Municípios com pessoas acolhidas em abrigos*
Alegrete, Cacequi, Cachoeirinha, Caxias do Sul, Cruzeiro do Sul, Esteio, Estrela, Iraí, Itaara, Jaguari, Lajeado, Mata, Montenegro, Porto Alegre, Quaraí, Rosário do Sul, Santa Maria, São Gabriel, São Jerônimo, São Sebastião do Caí e Taquari.
Rodovias parcialmente bloqueadas*
RS-511 (quilômetro sete), RS-433 (quilômetros 2, 7 e 8), RS-453 (quilômetro zero), BR-287 (quilômetros 313, 366 e 376), BR-290 (quilômetro 313) e BR-158 (quilômetros 275 e 317)
Rodovias totalmente bloqueadas*
RS-130 (quilômetro 50), RS-129 (quilômetro 138), RSC-453 (quilômetros 6, 12, 38 e 50), RS-115 (quilômetro 22 ao 33), RS-287 (quilômetro 228), RS-124 (quilômetro 7).
Fonte: boletim divulgado ao meio-dia de domingo pela Defesa Civil do Estado.