Medida normalmente adotada em última instância pelas categorias sindicais, a greve virou rotina para os funcionários de bancos privados e públicos - e consequentemente para os clientes. Há 12 anos é assim: chega essa época - entre setembro e outubro -, e os bancários deflagram paralisação em todo o país. E não foi diferente neste ano. Sem concordar com a proposta salarial dos bancos, a partir desta terça-feira, os servidores prometem interromper atendimento nas agências da Grande Porto Alegre.
Um levantamento feito por ZH mostra que, de 2003, quando a categoria retomou as greves anuais, após anos de mobilizações enfraquecidas, até o ano passado, ficou 287 dias sem trabalhar. É como se, nesses últimos 12 anos, tivesse paralisado por nove meses e meio ininterruptos.
Saiba como pagar as contas durante a greve dos bancários
Presidente do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e Região (SindBancários), Everton Gimenis é defensor da paralisação, pois, segundo ele, vem sendo revertida em aumento real (acima da inflação) todos os anos desde 2004.
- Sempre vale à pena (fazer greve), o histórico mostra isso. Na década de 1990, não conseguíamos mobilizar a categoria, por causa das mudanças nos bancos, demissões e pressões, então eram só atos. E passamos os anos 90 tendo reajuste abaixo da inflação, perdendo dinheiro. Retomamos as greves a partir 2003 e, em 2004, já tivemos ganho real - afirma Gimenis.
Segundo o SindBancários, nesses 11 anos de vitórias, os bancários conquistaram 20,7% de aumento real nos salários, e 41,2% de aumento no piso. Sem falar nas melhorias trabalhistas, como maior participação nos lucros dos bancos, melhores planos de carreira e isonomia de direitos dentro da hierarquia das agências, entre outras.
Tarifas bancárias subiram nove vezes mais que inflação
De acordo com a economista e assessora da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT) Regina Camargos, o comando nacional de greve vem discutindo novas estratégias de mobilização. No entanto, para ela, a questão central não está em fazer ou não greve, mas em como obter apoio da categoria em uma época em que a tecnologia permite aos clientes fazer operações sem precisar ir à agência.
- Aquele famoso lema que dizia "melhor sacar, que os bancários vão parar" caiu por terra. Agora, cliente pode fazer quase tudo por celular, o bancário atende de casa pelo notebook. Os sindicatos estão tendo que adotar táticas de convencimento para mobilizar os colegas - avalia Regina.
Conforme a economista, a categoria ainda é uma das maiores em termos de mobilização no país, pois "está em todos os lugares, desde São Paulo até aquela cidadezinha do Nordeste".
Veja o histórico de greves dos bancários através das páginas de ZH:
Lucro dos bancos pode impulsionar greve deste ano
O diferencial da greve deste ano, em favor da mobilização, pode ser a "baixa" proposta feita pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban). A entidade ofereceu 5,5% de reajuste salarial, ante uma inflação de 9,88%. Os bancários reivindicam reajuste de 16%.
- É a pior proposta dos últimos 11 anos. É quase metade da inflação e significa uma perda salarial de 4%. Por isso, acredito que vá ser uma greve mais forte, porque a categoria está bem indignada e revoltada. Se o setor tivesse sido afetado pela crise, talvez a categoria até entendesse - pondera Gimenis.
A afirmação do sindicalista tem como base um estudo feito pelo Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), que mostra que a soma dos lucros líquidos de cinco dos principais bancos do país (Itaú, Banrisul, Santander, Banco do Brasil e Caixa) chegou a R$ 36,6 bilhões no primeiro semestre de 2015. Esse montante é 27,4% superior ao lucro destes mesmos bancos do primeiro semestre de 2014.
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A economista da Contraf concorda com a avaliação e diz que um "termômetro da adesão" foi a grande participação dos bancários durante as assembleias que antecederam a greve.
- Eles estão muito revoltados, esperavam, no mínimo, reposição da inflação - afirma Regina.
"No vale-refeição, esses 5,5% não dariam nem para uma coxinha, representando apenas R$ 1,43 a mais no dia", corrobora uma nota publicada pelo Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região.
CONTRAPONTO
A Febraban se manifestou apenas por meio de um comunicado e disse que "tem, com os sindicatos do setor, uma prática de negociação pautada pelo diálogo". A assessoria justificou que o reajuste de 5,5% "está em linha com a expectativa de inflação média para os próximos 12 meses", mas que "continua aberta a negociações e avaliará contrapropostas que venham a ser apresentadas pelas representações sindicais".