A segunda parcela do salário de agosto dos servidores do Executivo foi depositada nesta quinta-feira à noite pelo governo do Estado. Depois de ganhar R$ 600 por matrícula no último dia 31, eles receberam mais R$ 800 líquidos. Inicialmente, o crédito estava previsto para esta sexta-feira, mas a Secretaria da Fazenda conseguiu antecipar o pagamento atrasado devido ao ingresso de ICMS no Tesouro.
Confira o calendário de pagamento do salário de agosto dos servidores
Com isso, com 10 dias de atraso, foram quitadas as remunerações dos funcionários com contracheques no valor de até R$ 1,4 mil - o equivalente a 32% dos vínculos do Executivo. Restam ainda outras duas parcelas pendentes, programadas para os dias 15 e 22. Existe a possibilidade de que sejam antecipadas, dependendo da arrecadação, mas a chance de que sejam pagas de uma só vez é remota.
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Para isso, o projeto que amplia o uso dos depósitos judiciais - recursos de terceiros sob a guarda do Poder Judiciário - teria de ser aprovado na próxima semana. Como governo e oposição não chegaram a acordo para antecipar a votação, a alternativa dificilmente vai se concretizar.
Os R$ 230 milhões honrados nesta quinta-feira pelo Piratini ajudarão a aliviar as dificuldades financeiras de quem teve de viver com menos de um salário mínimo nos últimos 11 dias. Nesta quinta-feira, antes do depósito dos R$ 800, ZH voltou a conversar com um casal de policiais civis, uma professora e uma agente administrativa que, no início do mês, contaram o drama de planejar o orçamento sem os salários integrais. Eles descreveram o constrangimento por ter de renegociar dívidas, atrasar contas e cortar serviços e gastos básicos.
Em assembleia realizada na tarde desta quinta-feira, o Movimento Unificado - composto por 44 entidades que representam funcionários públicos - recomendou a suspensão da paralisação a partir desta sexta-feira. Mas os servidores devem continuar em "estado de greve", caso haja novo atraso da folha salarial.
"Não estou pedindo esmola, só meu salário"
Com a primeira fatia do salário, a agente administrativa Daniela Engel Oliveira, 39 anos, fez uma versão enxuta de rancho para alimentar a ela, o marido e o filho de 16 anos, com refeições resumidas a guisado e frango.
A servidora também pagou, com atraso, o curso de inglês e informática do filho. Todas as demais contas ficaram para depois.
- A direção do curso disse que está sabendo da situação, aí não cobrou juro pelo atraso de cinco dias. Foi uma grande ajuda - agradece Daniela.
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Contas de luz, água, internet e telefone estão penduradas. A prestação da casa, em Viamão, foi negociada com o vendedor para ser paga, com acréscimo, com a segunda metade do salário. O valor também servirá para devolver o dinheiro que Daniela pediu emprestado a um colega, para custear seu deslocamento diário a Porto Alegre. O que sobrar, vai acabar engolido pelo juro de empréstimos no banco. Para fechar o orçamento, a agente administrativa já fazia faxina aos sábados. Agora, tem trabalhado também aos domingos.
- Governador, não estou pedindo esmola, só quero receber o salário pelo que trabalhei - apela a servidora.
"Não tenho nem o dinheiro do ônibus"
Com os R$ 600, Andrea Cezimbra Ortiz só conseguiu pagar o aluguel porque a irmã emprestou R$ 200
Foto: Carlos Macedo/Agência RBS
Na rua, ao menos, a professora Andrea Cezimbra Ortiz, 48 anos, não ficou. Mesmo com a primeira parcela de R$ 600 do salário não tendo bastado, ela conseguiu pagar o aluguel graças aos R$ 200 emprestados por uma irmã para fechar a conta. O pagamento da clínica geriátrica onde vive a mãe, de 76 anos, também foi assumido pela irmã até a entrada da segunda parcela de salário. Agora, a docente pretende devolver o dinheiro à irmã e os R$ 600 de sua parte na parcela da clínica.
- Vou ficar no zero de novo - calcula Andrea.
No JK de menos de 30 metros quadrados onde mora, no bairro Bom Fim, a professora se vê assombrada pela pilha de contas não pagas que se acumulam: água, luz, telefone... Os remédios para um tratamento glandular, que custam em torno de R$ 200, também acabaram. O curto limite que havia no cartão de crédito, agora bloqueado, custeou a alimentação.
- Mesmo que decidam encerrar a greve, nem tenho como voltar. Não tenho nem o dinheiro do ônibus - diz a professora que leciona no Colégio Estadual Protásio Alves, no bairro Azenha, e no Colégio Estadual de Ensino Médio Raul Pilla, na Restinga, na Zona Sul.
"Estamos caloteiros e constrangidos"
Com os R$ 600 de cada, Marcos Kaefer e Marley Remus pagaram a alimentação e a escolinha particular de um dos netos. A outra mensalidade foi negociada
Foto: Arquivo Pessoal
Em setembro, nem a escolinha particular escapou. Com os R$ 600 que receberam cada um, os policiais civis Marcos Kaefer, 47 anos, e Marley Remus, 52 anos, puderam pagar apenas a mensalidade de um dos dois netos, de oito e 10 anos.
- Negociamos com a diretora para pagar o restante assim que entrar a segunda parcela do salário - diz Marley.
O casal de escrivães de Cruz Alta, que vivem com dois filhos de 20 e 29 anos, estava na quarta-feira em Mato Queimado, no Noroeste, na casa da mãe de Marcos, Terezinha Soeli Kaefer (ao centro na foto), 71 anos. Acostumados a auxiliar a idosa, os policiais se viram obrigados a aceitar ajuda dela.
- A minha sogra e a minha mãe, viúvas aposentadas, nos emprestaram um dinheiro para pagar algumas contas, mas tem muita coisa atrasada - lamenta Marley.
Em Cruz Alta, o dono de um mercado se compadeceu da situação e tem vendido fiado. A empregada doméstica que trabalhava para a família só recebeu parte do acordo de demissão, acertado em agosto.
- Estamos caloteiros e extremamente constrangidos de não poder honrar os compromissos - desabafa Marley.