Classificada como um "trem da alegria" pelos oposicionistas, a Proposta de Emenda à Constituição 417/05, chamada de PEC dos cartórios, pode ser votada nesta quarta-feira. O projeto permite que os substitutos ou responsáveis por cartórios de notas ou de registro sejam efetivados sem passarem por concurso público.
Dos 746 cartórios do Rio Grande do Sul, 228 são atendidos por substitutos que seriam efetivados sem concurso público pela PEC, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Nos últimos seis meses (informados ao CNJ), os cartórios sem concursados arrecadaram R$ 125 milhões, uma média de R$ 551 mil por local.
Aprovada em primeiro turno há duas semanas, por 333 votos contra 133, a PEC ainda precisa ser votada em segundo turno na Casa antes de ser encaminhada ao Senado. O texto aprovado não exige um período mínimo de exercício da atividade notarial e de registro, segundo a Agência Câmara.
Câmara aprova proposta para efetivar dono de cartório sem concurso
Desde 1988, a Constituição determina que "o ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses". O problema é que a matéria só foi regulamentada em novembro de 1994, com a Lei Federal 8.935, que determinou que as legislações estaduais estipulassem as normas dos concursos.
Onze anos depois, quando o deputado João Campos (PSDB-GO) propôs a PEC, argumentou que "em diversos Estados essas regulamentações estaduais ainda estavam em fase de estudos ou propostas nas Assembleias Legislativas". No texto da lei, ele defende que "várias situações que deveriam ser temporárias se consolidaram", por isso não seria "justo" deixar "pessoas experimentadas, que estão há anos na qualidade de responsáveis pelas serventias, que investiram uma vida e recursos próprios nas mesmas prestando relevante trabalho público e social, ao desamparo".
A PEC é combatida desde 2009 pelo CNJ, quando o órgão editou uma resolução obrigando o Judiciário a realizar os concursos em cartórios onde o responsável não passou por um certame público, considerados "vagos". Ainda em 2009, o então corregedor nacional de Justiça, ministro Gilson Dipp, encaminhou ao Congresso uma nota técnica contra a aprovação da PEC.
À época, o ministro afirmou que a aprovação do projeto acarretaria retrocessos e favorecia aqueles que "há anos se beneficiam indevidamente de serviço público remunerado pela população brasileira". Dipp ainda acrescentou que "a substituição é frequente e que o substituto designado para responder pelo serviço, nas ausências e impedimentos do responsável, muitas vezes é filho ou cônjuge do próprio responsável".
Um levantamento do CNJ mostrou que 4.576 dos 13.785 cartórios existentes no país ainda são considerados vagos, ou seja, estão ocupados por interinos não concursados.
Em 2209, RS tinha 120 cartórios chefiados por pessoas sem concurso
Argumentos a favor da PEC
A deputada Gorete Pereira (PR-CE) argumentou que os aprovados em concursos não aceitam os cartórios de cidades do interior e, portanto, é necessário garantir o funcionamento desses estabelecimentos:
- Não se está proibindo concursos para cartório, mas regularizando cartórios. Há uma grande quantidade de pessoas que fazem concurso em todo o Brasil e não assumem no interior, pela pouca rentabilidade - afirmou.
Com o mesmo argumento, de que "quando se faz um concurso, ninguém quer ir trabalhar numa cidade pequena do interior", o deputado Silvio Costa (PSC-PE) disse que a PEC "corrige um equívoco".
Líder do PTB, o deputado Jovair Arantes (GO) afirmou que os tribunais de Justiça já promoveram concursos para os grandes cartórios e que, portanto, a proposta só vai ser aplicada aos municípios pequenos.
- O que está acontecendo é que as pessoas têm de se deslocar 200 km para registrar um óbito ou um nascimento - defendeu Arantes.
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Argumentos contra a PEC
O líder do Psol, deputado Chico Alencar (RJ), disse que a proposta viola o princípio constitucional do concurso público e significa um retrocesso:
- O que se quer aprovar aqui é que, durante um determinado tempo, qualquer um possa ocupar cartórios vagos alegando que nem os concursados vão. Isso é reproduzir a velha tradição do cartório que passa de pai para filho, como as capitanias hereditárias - afirmou.
O deputado Ivan Valente (Psol-SP) ressaltou que várias entidades ligadas ao Judiciário são contra a proposta e defendem o concurso público como forma de ingresso para titulares de cartórios.
Já o deputado Vanderlei Macris (PSDB-SP) afirmou que a proposta é inconstitucional.
- É como se transformássemos os nossos assessores de gabinetes em efetivos por uma lei. É isso que se quer com essa PEC. Será um trem da alegria proporcionado pela omissão do poder público e dos tribunais de Justiça, e não por mérito dos titulares - disse Macris.
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Associação de registradores não se posicionou
A Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg) afirmou, por meio de nota, que tem "se mantido neutra" em relação à PEC. A entidade relatou que "defende os concursos públicos", mas "ressalta que há casos sendo questionados que representam injustiça". Por isso, a associação convocou uma assembleia geral extraordinária para discutir o tema, onde os associados deverão votar. O encontro será realizado no dia 22 de setembro, na sede da Anoreg, em Brasília.
A entidade esclarece que "todos os profissionais que respondem pelos cartórios foram levados a esses cargos de forma legítima pelos Tribunais de Justiça Estaduais, conforme legislação vigente". Em muitos casos, o ingresso foi por meio de concurso público, mas, posteriormente, "foram questionadas as remoções realizadas por esses concursados". Para a associação, o debate no Congresso é importante para normatizar o segmento notarial registral.
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