Passei o último fim de semana acompanhando o escritor cubano Leonardo Padura e a mulher dele, Lucía, na visita do casal ao Rio Grande do Sul. Padura era o principal convidado da Feira do Livro de Canoas, que se encerrou no último sábado, e é uma das grandes atrações internacionais da Flip esta semana. Recém anunciado como o vencedor do prestigiado prêmio literário Princesa de Asturias, o mais importante da Espanha, Padura é traduzido em mais de 20 idiomas e tem sido convidado para eventos literários na Europa e nos Estados Unidos com certa frequência.
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Como nunca fui a Cuba, aproveitei esses dias de convivência para satisfazer algumas curiosidades. Como está a vida na ilha? Como o escritor entra e sai do país a toda hora? Já encontrou Fidel Castro pessoalmente? Por pudor, acabei deixando de fazer a pergunta que eu me fiz o tempo todo durante esses dois dias: por que, afinal, um escritor como ele permanece em Havana, diante de todas as dificuldades do dia a dia?
É verdade que viver em Cuba já foi mais difícil. Nos anos 90, depois da queda do Muro de Berlim, havia um tipo de fome que não era a da miséria absoluta, mas a da miséria em que há o mínimo para sobreviver. Esse período é descrito sem meios-tons no romance O Homem que Amava os Cachorros, livro mais conhecido de Padura no Brasil. A situação melhorou nos últimos anos, graças, principalmente, à ajuda que veio da Venezuela, mas comprar alimentos e livros, ir ao médico ou se locomover ainda são atividades que exigem paciência e planejamento.
Um exemplo singelo: em suas viagens pelo mundo, Padura acostumou-se a levar os sabonetes de hotel para abastecer o consultório do dentista que o atende. A burocracia interfere em quase todos os aspectos da vida cotidiana, e o que alivia as dificuldades são as redes de relações de amizade e auxílio mútuo que se estabelecem obrigatoriamente entre os cubanos. Por outro lado, há mais liberdade do que em outras épocas - o suficiente para que escritores francamente críticos ao regime possam falar sobre isso em seus livros sem serem perseguidos. Os de Padura são editados na Espanha, mas distribuídos em edições mais baratas em Cuba.
Antes do anúncio da reabertura da embaixada, Padura estava moderadamente otimista com a reaproximação de Cuba e Estados Unidos. As mudanças realmente importantes, dizia, virão apenas quando o boicote for derrubado, mas para isso, além da boa vontade de Obama, é preciso que a medida seja aprovada pelo Congresso americano. A reabertura das embaixadas, para a qual os EUA propuseram nesta quarta-feira a data de 20 de julho, pode ser um avanço importante nesse sentido.
E não, Padura nunca foi convidado para encontrar Fidel pessoalmente. O prêmio literário espanhol, anunciado com destaque no mundo todo há algumas semanas, foi divulgado discretamente nos jornais de Havana. No Brasil, Padura esteve na sede do Instituto Lula, em São Paulo, na terça (30), onde foi recebido pelo ex-presidente.