Os corredores deram quatro voltas pela cidade, seguindo o circuito que os levou da Igreja da Natividade, considerada o local de nascimento de Jesus em Belém, na Cisjordânia, até a principal avenida do centro e ao longo da barreira de separação de Israel, coberta de pichações e escurecida por causa dos projéteis disparados.
A Maratona da Palestina, que aconteceu no fim de março, foi um evento confinado, muito parecido com a cidade em que foi realizada.
- Em Belém não há 42 km contínuos. Você tem que ir e voltar - explica Marwa Younis, 32 anos.
E foi exatamente por isso que os organizadores do Right to Movement: Palestine Marathon ("Direito ao Movimento: Maratona da Palestina") escolheram realizá-la aqui. Quer maneira melhor de chamar a atenção para as restrições que os palestinos enfrentam no dia a dia?
- Queremos dizer ao mundo que não temos liberdade de movimento - somos uma terra ocupada e ainda por cima temos um muro que nos isola. Aí decidimos realizar uma maratona internacional - explicou uma das organizadoras, Diala Isid, sobre a barreira de separação de oito metros que cerca três lados da cidade.
Aproximadamente 3.100 pessoas se inscreveram na corrida, que incluiu opções de 9,5 km e 19 km, além do circuito integral, de 42, sendo que quase 75 por cento era de palestinos; os estrangeiros vieram dos EUA, Reino Unido, França e Dinamarca, que mandou sete membros de seu Parlamento.
Belém é o local perfeito para exibir as reivindicações dos palestinos, pois reúne a Igreja da Natividade, vielas de pedra e casinhas enfeitadas e a barreira de separação em um único cenário.
Israel ergueu o muro em resposta à onda de ataques suicidas ocorrida durante a Segunda Intifada; os palestinos, por sua vez, o encaram como apropriação pura e simples, pois ele avança para dentro da Cisjordânia, engolindo o que consideram terras tradicionalmente suas.
Grande parte da área está sob ocupação militar israelense, enquanto a minúscula Faixa de Gaza - que tem a mesma extensão do circuito da maratona se disposta em linha reta - sofre bloqueios de Israel e do Egito. E os palestinos, na grande maioria, são totalmente isolados da Jerusalém Oriental, cidade que querem como sua capital.
Para muitos deles, a maratona foi um dia de diversão em uma Cisjordânia geralmente melancólica. Milhares de pessoas lotaram a Praça da Manjedoura, no centro, com a Igreja da Natividade de um lado e uma mesquita do outro.
Os participantes saíram da igreja, passaram em frente a um pequeno shopping center, uma lanchonete KFC e uma loja de souvenirs feitos com madeira de oliveira. Os homens batiam palmas e assobiavam à sua passagem.
- Está quase lá! - gritou um. E, a seguir:
- Brincadeirinha!
Os corredores acompanharam a barreira, coberta de pichações e pôsteres.
- Faça homus, não faça guerra - dizia um;
- Nada dura para sempre - afirmava o outro.
E passaram sob uma torre de vigia ameaçadora, toda manchada por causa dos projéteis lançados durante as manifestações.
O dinamarquês Kasper Hansen, de 27 anos, participou da corrida e levou a namorada.
- É uma excelente oportunidade de ver Belém. E o fato de acompanhar essa barreira - disse ele, olhando para a estrutura - não é só uma questão de correr, mas mostrar que realmente não dá para se mexer.
Marwa, que vive em Ramallah, teve que atravessar o Vale de Fogo - uma rota perigosa e tão íngreme que chega a danificar até carros - para chegar a Belém. Isso porque está proibida de seguir por um caminho mais curto, cortando Jerusalém, sem a permissão israelense.
Cerca de 40 palestinos vieram de Gaza, incluindo Nader al-Masri, integrante da equipe palestina que foi para a Olimpíada de Pequim, em 2008; para muitos, foi a primeira oportunidade de ver o território montanhoso que supostamente compõe o outro flanco do Estado Palestino.
Um dos gazeus, Yousef Abeid, 21 anos, descreveu, cada vez mais animado, as colinas verdes, para exclamar:
- E tem eletricidade!
Seus amigos caíram na gargalhada porque os moradores do território estão acostumados a apagões que duram horas.
Ficou bem claro também o contraste entre o conservadorismo do enclave e a descontração de Belém, onde algumas mulheres chegaram a correr de legging e camiseta regata.
Hana Abu Emaylaq, de 29 anos, uma das poucas corredoras de Gaza, treina em um estádio para evitar ser vítima de desprezo. Foi a primeira vez que pôde correr em uma área palestina aberta.
- Foi muito bom. Não temos isso em Gaza - diz ela.
Em 2013, a ONU cancelou a maratona que planejara fazer em Gaza porque o Hamas, que governa o território, não permitiu a participação de mulheres, alegando que seria "indecente".
Entretanto, nem tudo foi tranquilo na Maratona da Palestina. Ela foi realizada em uma sexta-feira, dia de orações comunais para os muçulmanos, quando muita gente vai a Jerusalém para rezar na mesquita Al-Aqsa - que só começou a receber palestinos depois que as autoridades israelenses relaxaram as restrições, há alguns meses, permitindo que milhares de pessoas entrassem sem a obrigatoriedade de permissão.
- Pela primeira vez, quem mora em Gaza teve autorização para viajar para a Cisjordânia para participar da maratona em Belém - disse Shai Grunberg, porta-voz do Gisha, um grupo ativista israelense.
Com isso, o pessoal local teve mais dificuldades na competição, dominada pelos gazeus, com Abeid vencendo o trecho de 19 km e o olímpico al-Masri levando a maratona com um tempo de duas horas, 57 minutos e 14 segundos.
Abeid disse que teria feito até um tempo melhor se não tivesse passado a véspera misturando cimento em um canteiro de obras. E contou que seu treinamento basicamente consistia em correr o percurso da universidade ao trabalho.
- Isso é para mostrar que os palestinos não se deixam abater - vibrou ele.