A Comissão da Verdade criada para apurar o que aconteceu na universidade na época da ditadura militar (1964-1985), instalada oficialmente na noite da última segunda-feira, entra na polêmica agenda da atual administração da UFSM. Após um ano e meio à frente da instituição, a gestão Paulo Burmann/Paulo Bayard tem sido marcada por episódios que geram controvérsia. São seis casos até agora, ou seja, praticamente um a cada três meses.
Em relação aos dois casos mais recentes, o da Comissão da Verdade e o do ofício da Reitoria questionando a presença de israelenses na instituição, Burmann acredita que há um ataque orquestrado de determinados setores a sua gestão e a sua pessoa.
O "Diário" enviou à reitoria um pedido de contraponto, com uma análise atual sobre os seis casos envolvendo a atual gestão. Por meio de sua assessoria, Burmann, mandou as respostas por e-mail, no começo da noite de terça-feira (leia detalhes abaixo). E comentou:
- Concordo que a polêmica faz parte de um modelo de gestão que optou pelo diálogo, democracia, verdade e, especialmente, pela mudança.
Com um orçamento superior R$ 900 milhões, cerca de 50% maior do que o da prefeitura, e por envolver diretamente cerca de 35 mil pessoas, entre professores, servidores e estudantes da ativa, a UFSM tem um papel fundamental para a cidade, e sua influência ultrapassa os muros do campus.
Em 2013, Burmann foi eleito com o apoio expressivo das três principais categorias da UFSM: professores (35,22%), servidores técnico-administrativos em educação (55,46%) e alunos (49,75%). O reitor venceu o pleito com a bandeira do diálogo, não apenas com os setores ligados à instituição, como alunos, professores e técnicos-administrativos. Burmann queria que sua gestão fosse além do arco da Federal. Ele sempre justificou que havia um vácuo de representatividade e, igualmente, de maior participação da UFSM em discussões de importância para Santa Maria e região. Além disso, tem como bandeira a não reeleição ao cargo de reitor e é crítico à expansão universitária.
Burmann disse que iria rever a data do vestibular. Porém, o que se viu foi o fim de um dos mais tradicionais processos seletivos do Estado, seguindo uma tendência nacional.
E sua gestão ainda registra na agenda, polêmicas como o recolhimento de cães e a criação de um canil; a ocupação do gabinete do reitor por alunos; e o caso de professores da Odonto com dedicação exclusiva que foram denunciados por estelionato.
Outras gestões
Momentos controversos, no entanto, não são exclusividade da atual gestão. O seu antecessor, Felipe Müller, foi contestado, por exemplo, pela falta de diálogo e por adotar posições nada simpáticas às comunidades interna e externa, como no caso da troca da data do vestibular, que foi antecipado para dezembro; pela adoção, por recomendação do Ministério Público Federal, do ponto eletrônico aos funcionários do Husm; e até quando anunciou a expansão da Federal para Cachoeira do Sul.
Apoio do ex-reitor
O ex-reitor Paulo Sarkis, que abriu seu voto a Burmann, acredita que a gestão do colega está indo bem e pondera que toda administração tem seus problemas pontuais. Brizolista, e com filiação ao PDT, Burmann tem uma vantagem, revela um assessor próximo: ele tem trânsito livre com os mais variados setores. Logo, pode imprimir uma agenda positiva para reverter o polêmico retrospecto.
OS SEIS CASOS
Maio a agosto de 2014 - FIM DO VESTIBULAR
- Uma reunião do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe) debateria a data do vestibular. Para exercitar o diálogo com a sociedade, foi feita uma audiência pública na Câmara de Vereadores. Porém, o Cepe acabou decidindo pela adesão total da UFSM ao Sistema de Seleção Unificada (Sisu), o que significava a extinção do vestibular. A prova teve de ser retomada por decisão judicial e foi realizada pela última vez em dezembro de 2014
- Burmann: "É um grande avanço na ampliação do horizonte da democratização do acesso ao Ensino Superior, que vem acompanhado de uma nova forma de relação da UFSM com a rede de Educação Básica."
Julho de 2014 - RECOLHIMENTO DOS CÃES DO CAMPUS
- Em julho de 2014, o Gabinete do Reitor informou pelo Facebook que teria um projeto de recolher os cachorros que andam soltos pelo campus de Camobi, castrá-los e encaminhá-los para adoção. O fato gerou repercussão negativa por parte dos que defendem que os cães devem continuar soltos e são contra a criação de um canil - o que não foi esclarecido, na época
- Burmann: "Não houve qualquer ação que sugerisse o recolhimento de cães na UFSM. Este assunto foi encarado com responsabilidade sanitária e social, mas sabemos da necessidade de aperfeiçoar as ações neste projeto. A UFSM optou pelo processo pedagógico da informação, enfatizando a conscientização da guarda responsável da comunidade sobre seus cães, uma vez que estes animais não são originários da UFSM, e não há, no âmbito do poder público, política efetiva para o setor."
Outubro de 2014 - OCUPAÇÃO DA REITORIA
- Enquanto o Conselho Universitário discutia o Programa de Moradia Estudantil, 60 estudantes de graduação ocuparam o gabinete do reitor, no 5º andar da reitoria, porque o documento excluiria a autonomia da direção das Casas dos Estudantes Universitários (CEU), dos conselheiros dos blocos e do Diretório Central de Estudantes (DCE), delegando as decisões ao Conselho de Moradia, composto por representantes das pró-reitorias de Assuntos Estudantis e de Infraestrutura, das moradias e do DCE
- Burmann: "Foi uma forma de protesto extremada do movimento estudantil, que tinha uma pauta construída num momento político único, mas que, apesar disso, foi discutida e encaminhada. O diálogo solucionou e pacificou o movimento, e a desocupação foi igualmente pacífica. Os pontos referentes à política de permanência dos estudantes na UFSM estão sendo atendidos por constituir o programa de gestão e são objeto de atenção permanente, pela dinâmica das necessidades crescentes."
Abril de 2015 - DENÚNCIA DE PROFESSORES POR ESTELIONATO
- 14 professores do curso de Odontologia da Federal foram denunciados pelo Ministério Público Federal (MPF) à Justiça por estelionato. Os docentes, que tinham contrato de Dedicação Exclusiva e ganhavam a mais por isso, manteriam consultórios ou dariam aulas em outras instituições. 29 professores foram investigados pela polícia e em processos administrativos internos.
- Burmann: "Esta situação foi deflagrada em 2011. Por envolver servidores da instituição sempre constituir-se-á em um assunto difícil e de abordagem complexa. São professores comprometidos, capazes e com qualificação, que vêm servindo à formação de profissionais por muitos anos. Sobretudo, estamos falando de pessoas e tratar este assunto como estelionato constitui um exagero. Temos experiências recentes que se mostraram injustas e produziram danos irreparáveis a pessoas e suas reputações. A UFSM encaminhou o assunto administrativamente, tendo definido, nas suas instâncias, as responsabilidades. Os servidores responsabilizados estão cumprindo as punições e estão restituindo ao erário público, conforme as infrações. Qualquer outro desdobramento corre por conta da Justiça."
Maio a junho de 2015 - CRIAÇÃO DA COMISSÃO DA VERDADE
- Em maio, a UFSM anunciou a criação da Comissão da Verdade, que deve examinar "violações de direitos humanos" durante o regime militar na instituição. O professor Rogério Koff, do curso de Comunicação Social, manifestou-se nas redes sociais usando palavrões, criticou a atual gestão e afirmou que resolveria "no pau" a ocupação da reitoria. Alunos manifestaram indignação quanto à postagem, e o Diretório Acadêmico chegou a pedir à coordenação do curso que Kofff não desse mais aulas de Ética nem assumisse o cargo de coordenador adjunto. Koff se disse surpreso com a repercussão
- Burmann: "Ação política necessária ao selamento da paz interna e ao esclarecimento das expectativas de diversos setores. Julgo que o principal já foi esclarecido, por outros meios legais, desde o início do processo da abertura democrática, nos anos 80. A UFSM deve permanentemente atuar com a verdade e a justiça e, sobretudo, com respeito às diferenças de qualquer ordem e sem a perspectiva de estabelecer um tribunal inquisitório. A comissão assumiu a responsabilidade da condução ética, respeitosa, legal e isenta e assim procederá."
Junho de 2015 - PEDIDO DE INFORMAÇÃO SOBRE ACADÊMICOS ISRAELENSES
- Um ofício da reitoria pedindo informações aos programas de pós-graduação sobre a presença de professores e estudantes israelenses teria sido manipulado e divulgado na internet, o que gerou repercussão negativa e uma notícia-crime ao MPF denunciando antissemitismo por parte da Reitoria. Conforme a Reitoria, o ofício visava subsidiar resposta a um pedido da Lei de Acesso à Informação feito por Sedufsm, Assufsm e DCE sobre um suposto convênio entre UFSM e a empresa israelense Elbit.
- Burmann: "Não houve qualquer elaboração de listas ou identificação de pessoas, e nem qualquer intento racista ou xenofóbico. A UFSM é uma instituição republicana, democrática, plural e de respeito a diversidades. Houve, sim, atendimento a uma demanda de entidades representativas, que poderia ter ficado sem resposta, considerando a sensibilidade histórica do tema, mas que, ao mesmo tempo, colocou a UFSM sob o dilema da interpretação e cumprimento da lei e a repercussão política. A fraude sobre um documento oficial e sua disseminação pela redes sociais criaram um ambiente de constrangimento e ataques que potencializaram seus efeitos. A universidade, que não negaria ou ofenderia aos conceitos e as origens de sua fundação, assumiu a responsabilidade política no que lhe toca, e espera que todos o façam de forma serena e consciente. A Polícia Federal está investigando o caso, e o Ministério Público Federal acompanha. A UFSM espera apuração de responsabilidades e também acompanha as investigações."