Não que vocês tenham perguntado, mas o autor deste texto trabalhou como vendedor ligado a uma companhia de seguro-saúde por um breve período nos anos 1990. Os poucos meses em que exerci o ofício me ensinaram muitas coisas _ a principal delas: não importa o que tenha dito o vendedor, leia com atenção as apostilas informativas e os contratos. Às vezes a pílula que o cara dourou tem um gosto amargo na hora em que você descobre o que comprou de fato. Outra coisa interessante: o consumidor geralmente enxerga o seguro como um produto problemático, uma garantia que você a contragosto paga torcendo para não usar. É comum ouvir o resmungo: "bá, mas pagar esse dinheiro todo pra não usar?"
Da mesma raiz vocabular, segurança é aquele ramo da administração pública que, em um mundo ideal, talvez devesse ser pautado pela mesma lógica prevenida. O conceito é simples: não é porque a polícia é o braço do Estado para o exercício da força que ela deva efetivamente ser usada para isso.
Em um país com a formação violenta e autocrática do Brasil, não admira que a força policial seja um recurso visto como algo a ser usado, como visto nas lamentáveis cenas de professores apanhando em plena rua em Curitiba. Policiamento ostensivo seria uma solução de longo prazo, feita por agentes policiais de formação menos brutal, mas aí pode- se ouvir certos políticos fazendo a mesma pergunta que muitas vezes ouvi enquanto apresentava os prospectos: "Bá, mas pagar esse dinheiro todo pra não usar?". O irônico é que, ao contrário do comprador de seguros, o Estado muitas vezes nem sequer paga direito, ou em dia.
Críticas à estrutura da polícia costumam ser rebatidas com frases feitas. A mais divertida talvez seja "quando te assaltarem, chama o Batman". Os aloprados que repetem isso não entendem seu próprio exemplo, já que o Batman é a solução ficcional para uma Gotham imaginária com os mesmos problemas de nosso país real, um deles uma polícia corrupta e truculenta. A polícia deveria ser bem equipada, seus agentes deveriam ter um salário que lhes permitisse viver com dignidade e aprimorar-se na função que escolheram: não de descer o cacete, mas estar ali.
Num país menos aos pedaços do que o nosso, a polícia seria um seguro comunitário: escolhe-se o melhor, paga-se em dia, mas não se usa para qualquer coisa.
E, em alguns casos, torce-se para nunca usar.
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