Especialistas são categóricos em afirmar que não há um sistema perfeito que possa evitar ou até prever com várias horas de antecedência a formação de um tornado. A única maneira para aliviar as consequências de um desastre seria o acompanhamento permanente de ferramentas meteorológicas para, em alguns casos, conseguir antecipar esse fenômeno para alertar a população, mesmo que apenas alguns minutos antes. Para isso, é preciso ter profissionais da área trabalhando dia e noite. Não é o que ocorre em Santa Catarina, principalmente em feriados e fins de semana. A cobertura, que já contava com hiatos de acompanhamento, ficou ainda pior desde o começo de abril, quando uma resolução assinada pela presidência da Epagri determinou que os meteorologistas da empresa pública só podem trabalhar em dias de semana, em horário comercial. A mudança foi provocada por um inquérito civil que tramita na Procuradoria Regional do Trabalho em Santa Catarina desde o ano passado.
:: Tornado pode ter atingido 250 km/h
:: 191 mil unidades consumidoras ficam sem luz após tempestade no Oeste
:: Infográfico: Entenda a formação do tornado em Xanxerê
No dia 1º de abril, uma mudança administrativa no monitoramento climático do Estado estabeleceu que os dados meteorológicos seriam acompanhados por profissionais apenas de segunda a sexta-feira, das 8h até as 17h30. A decisão foi imposta pela presidência da instituição em uma resolução interna, assinada dias antes.
- Nossos funcionários são contratados sob regime CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). Após uma denúncia feita ao Ministério Público do Trabalho (MPT), fizemos um acordo em que nenhum meteorologista poderia fazer hora-extra a não ser em situação de calamidade - afirma Luiz Ademir Hessmann, presidente da Epagri.
O problema da determinação de Hessmann é que fenômenos climáticos como um tornado às vezes só podem ser percebidos poucos minutos antes da sua formação. O presidente da Epagri ainda informou que, nos horários de falta de cobertura do monitoramento por parte da equipe de meteorologistas da empresa pública, a Defesa Civil Estadual faria essa acompanhamento. No entanto, a assessoria de imprensa da Defesa Civil de Santa Catarina avisou que não possui meteorologistas em seu quadro de funcionários.
Por ser ponto facultativo, na última segunda-feira, apenas uma equipe reduzida de técnicos e meteorologistas compareceu à sede Epagri/Ciram, em Florianópolis, no período da manhã. À tarde, quando um tornado precisou de poucos minutos para destruir milhares de casas em Xanxerê e causar duas mortes, ninguém acompanhava os dados meteorológicos, seja por radar ou qualquer outra ferramenta.
Pesquisadora critica falta de plano de alerta para população
Para a pesquisadora de tornados e professora de climatologia do Instituto de Geociências da Universidade de Campinas (Unicamp), Lucí Hidalgo Nunes, mesmo nos Estados Unidos, onde o sistema de prevenção de danos provocados por tornados é bem avançado, não há garantias de que é possível evitar vítimas ou estragos. Mas ela alerta sobre a necessidade de um acompanhamento permanente:
- Passa pela região Sul do Brasil o segundo maior corredor de incidência de tornados do mundo e não temos um plano de segurança para moradores dessas áreas. Costumo dizer que não existe sistema perfeito para minimizar danos, mas é muito pior não ter nenhum, que é o nosso caso.
Como comparação, a reportagem do DC checou como funciona o acompanhamento meteorológico no Paraná. De acordo com meteorologistas do Sistema Meteorológico do Paraná (Simepar), o monitoramento climático naquele Estado funciona 24 horas por dia.
Em nota, a assessoria do MPT comunicou que um problema referente ao horário de trabalho dos servidores do setor de meteorologia, denunciado ao Ministério, provocou a instauração de um inquérito civil no ano passado. O processo de "excesso de jornada e turnos ininterruptos" ainda não foi concluído.
Às cegas
Determinação da Epagri expõe buracos no monitoramento climático de Santa Catarina
Medida assinada pela presidência da empresa pública estabelece que meteorologistas só podem fazer plantão em fins de semana e feriados em caso de "calamidade"
GZH faz parte do The Trust Project