Cohiba, Montecristo e Romeo y Julieta são três das marcas mais famosas de charutos cubanos. Conta a história que Fidel Castro, antes de deixar de fumar, preferia os Cohiba. Ernesto Che Guevara degustava Montecristo. Mesmo quem não fuma costuma levar um "puro" na bagagem, para presentear amigos. A vida sob o embargo americano converteu essa grife cubana em objeto de crime. Uma máfia de atravessadores, que rouba charutos das fábricas e os vende no mercado ilegal pela metade do preço, ocupa o submundo de Havana.
Che Guevara apreciava o charuto cubano
É nas ruelas pouco iluminadas do centro histórico que acontece a negociação. Um casal aborda o turista:
- Cubano? - pergunta uma mulher.
O turista se identifica.
- Vou lhe mostrar a Cuba dos cubanos - diz um homem, Ronaldo, que se apresenta como estudante de medicina.
É um golpe frequente em Havana. O argumento é mostrar a "verdadeira Havana", onde o visitante terá vantagens fora da zona "turística". Ronaldo e Cláudia, a mulher, levam o turista até um bar "legitimamente cubano". Nas paredes, há recortes do jornal Granma. Fidel aparece sobre um carro de combate no dia da tomada de Havana, entre outras fotos históricas. Ronaldo sugere um "legítimo mojito cubano". Tomam três. Tudo muito rápido. Vem a oferta:
- Tens interesse em charutos?
Ronaldo sugere uma visita a uma cooperativa. Cada trabalhador das fábricas tem direito a ficar com alguns charutos. O turista aceita a proposta. O grupo sai. A pé, a passos rápidos, ou de bicitáxi - uma espécie de charrete movida à tração humana -, vai até o que seria uma cooperativa de trabalhadores do tabaco. Trata-se de um prédio velho, com um pátio central e vários apartamentos no térreo. Homens e mulheres dançam salsa. No interior de um dos apartamentos, um casal come feijão e arroz. O ambiente é suspeito. Ronaldo tem pressa. Sobre a mesa da cozinha, mostra 12 caixas de charutos de várias marcas. Enquanto 25 Cohiba custam US$ 400 no mercado legal, com atravessadores saem por US$ 60. Além de Ronaldo, outros quatro cubanos se acercam, tentam barganhar. O turista resiste.
Não há cooperativa. Trata-se de roubo. Homens como Ronaldo, os chamados jineteros, ganham 600 pesos cubanos (US$ 25) nas fábricas estatais por mês. Com a venda dos charutos ilegais, conseguem em média US$ 40 por caixa. Ele divide a quantia com quem rouba as embalagens dos armazéns.
O governo faz vistas grossas. Trata-se de driblar o embargo. Jinetero vem do espanhol jinete, que significa cavaleiro, parecido com o ginete gauchesco. Em Cuba, ganhou outro significado. Com o aumento do turismo, a crise econômica e a incapacidade do Estado de suprir necessidades básicas, a atuação dos jineteros aumentou. É o jeitinho cubano de explorar o turista, esquema que pode começar a ruir com o fim do embargo. A lei americana bloqueia a ida dos produtos ao mercado dos EUA, que importou 317 milhões de charutos artesanais em 2013 - a maioria de Honduras, Nicarágua, El Salvador e Costa Rica. De Cuba, só ilegalmente. Estima-se que 6 milhões de unidades ingressem no país de Barack Obama, por baixo dos panos, a cada ano.
* O repórter esteve em Cuba de 18 a 21 de dezembro cobrindo a retomada das relações do país com os EUA.
O que muda
- Quando Barack Obama apresentou a nova política para Cuba, um dos primeiros produtos a serem permitidos foi o charuto. Sob as novas regras, os EUA facilitarão as viagens de americanos à ilha. Cada um poderá retornar com o equivalente a US$ 100 em tabaco. Ainda é pouco. Os cubanos esperam que, com o fim do embargo, empresas nacionais possam exportar os "puros".
A origem de um ícone
- Folhas de tabaco entrelaçadas já eram fumadas há mais de 2 mil anos pelos tainos, índios pré-colombianos das Grandes Antilhas, que teriam aprendido o costume com os maias da América Central. No século 16, com o descobrimento da ilha pelos espanhóis, os europeus começaram a levar os charutos para o Velho Continente.
- Perseguições à prática de fumar e queimas de folhas de tabaco foram ordenadas pelo rei Felipe II, da Espanha, em 1586, por influência da Igreja Católica: o fumo era prejudicial ao corpo e ao espírito. Em 1626, o cientista alemão Johan Neander publicou um estudo no qual apresentava efeitos terapêuticos da planta, o que levou a uma popularização dos charutos.
- Especialistas perceberam que as folhas cultivadas em solo cubano eram melhores. O clima seria um fator decisivo para a qualidade do fumo.
- A superioridade logo ganhou fama. Em 1862, havia na ilha mais de 1,3 mil tabacarias.
Nas fábricas
- Sentados oito horas por dia, com mesas lotadas de prensas, os trabalhadores que produzem os charutos fazem o repetitivo trabalho de retirar o pecíolo das folhas, separar por cor e enrolar charutos. A meta individual é enrolar 600 folhas por dia.
- O trabalhador tem direito a uma hora de almoço. Recebe diariamente 1 CUC (equivalente a 1 dólar) pelo trabalho. Cada um tem o direito de fumar quantos charutos quiser durante o expediente e levar para casa cinco exemplares por dia, o que subsidia o mercado ilegal.
Habanos famosos
Cohiba: quando em 1982 apareceu nas tabacarias do mundo, já era como um embaixador informal de Cuba, pois era oferecido, por Fidel, a chefes de Estado que o visitavam.
Partagás: em 1845, don Jaime Partagás deu seu nome à marca. Era apaixonado pela beleza feminina. Amores, ciúmes e vingança estão relacionados a sua morte, em uma de suas propriedades.
Romeo y Julieta: foram criados em 1875 por Inocencio Alvares e Mannin Garcia e ganharam vários prêmios internacionais. Seriam os preferidos do ex-premier britânico Winston Churchill.
Bolívar: em 1927, quase um século depois da morte de Simón Bolívar, um empresário espanhol, José F. Rocha, que residia em Havana, registrou o nome do ilustre venezuelano.
Montecristo: o nome é inspirado no livro de Alexandre Dumas, O Conde de Monte Cristo. A história fascinava trabalhadores cubanos, que ouviam a leitura dos romances enquanto enrolavam os charutos.