O serviço de imprensa do Palácio do Eliseu deve ter registrado - e, com sorte, até mesmo fotografado - um encontro ocorrido no dia 15 de julho de 2009. Naquele dia, o então presidente da França, Nicolas Sarkozy, recebeu em audiência um grupo de 10 franceses maiores de 16 anos e sequiosos de emprego e qualificação profissional. Um deles se chamava Amedi Coulibaly. Tinha 27 anos e um contrat de professionalisation (espécie de abono destinado à formação de jovens trabalhadores) numa fábrica de refrigerantes em Grigny, sua cidade natal, no cordão industrial de Paris.
Em 14 de julho, data nacional francesa e véspera da audiência no Eliseu, um jornal local ouviu Coulibaly sobre o compromisso ilustre. "Isso me agrada. Não sei o que vou lhe dizer. Então vou começar com 'Bom dia'", disse o entrevistado. O repórter escreveu: "Mas a missão de Amedi não se resumirá a uma simples saudação e a contar sua história. Único varão entre nove irmãs, ele está encarregado de obter 'autógrafos e fotos para a família'". Na entrevista, Coulibaly descartou a possibilidade de aproveitar a ocasião para fazer reivindicações a Sarkozy. "Encontrá-lo de verdade é impressionante. Goste-se ou não dele, é o presidente", disse, segundo o jornalista.
O Coulibaly que matou uma policial na quinta-feira e sequestrou ontem clientes de uma loja kosher em Porte de Vincennes - não sem antes pedir a conhecidos que cometessem atentados - não poderia ser mais distinto do empregado doce e solícito de 2009. Para saber como se operou a mutação, não se pode contar mais com sua colaboração: Amedi morreu com quatro de suas vítimas inocentes. O caminho que o levou da fábrica de Grigny ao Eliseu e de lá ao HyperKasher não atenua nem justifica seus crimes. Mas ele o percorreu passo a passo.