A perícia nos restos mortais de João Goulart, divulgada nesta segunda-feira, não localizou vestígios de substâncias que possam ter sido usadas para envenenar o ex-presidente, deposto pelo golpe militar de 1964. O exame indicou que os dados clínicos e as circunstâncias da morte de Jango, em dezembro de 1976 na Argentina, são compatíveis com causas naturais.
Mas, em virtude de mudanças sofridas pelo corpo em quase quatro décadas, capazes de apagar resquícios de algum veneno, não foi afastada a hipótese de assassinato.
- Um enfarto agudo pode ter sido a causa de morte, assim como está registrado no certificado de óbito? Sim. Como poderia ter sido causada por outras patologias cardíacas ou até mesmo por patologias cerebrovasculares. Apesar do resultado, não é possível negar o envenenamento - explicou o perito da Polícia Federal Jeferson Evangelista Corrêa.
Como a exumação pode esclarecer a morte do ex-presidente
Exumação do corpo de Jango ocorreu há um ano
A passagem do tempo também impossibilitou confirmar que Jango tenha sofrido ataque cardíaco. Exames de três laboratórios, um brasileiro, um espanhol e um português, foram feitos com base em amostras coletadas após a exumação do político, em novembro de 2013, ou seja, 37 anos depois da sua morte. Ao todo, foram testadas cerca de 700 mil substâncias.
- Não encontrar não é o mesmo que dizer que não há (substâncias tóxicas) - salientou o cubano Jorge Perez, perito indicado pela família Goulart para atuar no caso.
Ao divulgar o resultado, a Secretaria de Direitos Humanos acatou um pedido dos filhos e netos de Jango, corroborado por liminar judicial, de não divulgar as fotos dos restos mortais que constam no laudo. A ministra Ideli Salvatti negou qualquer atrito com a família e destacou o esforço para resgatar a memória de Jango.
Família defende novas linhas de investigação
Apesar do resultado da perícia, familiares de João Goulart defendem a continuidade das investigações. Atualmente, o Ministério Público Federal (MPF) apura as circunstâncias da morte de Jango.
- Não pode pairar sobre um expresidente qualquer dúvida sobre o que ocorreu. Temos um laudo que diz que ele (Jango) não faleceu de forma natural, mas não se pode provar que existiu substância que o teria levado a morte. Vamos continuar lutando - disse João Vicente Goulart, filho do político.
O herdeiro cobra das autoridades brasileiras acesso a documentos secretos de arquivos dos EUA e a tomada de depoimentos de antigos integrantes da CIA (agência de inteligência americana), como Frederick Latrash e Michael Townley, envolvidos na perseguição e assassinatos de líderes políticos na América do Sul durante a Operação Condor.
- Cabe ao MPF, em nome da democracia brasileira, transformar a investigação em ação cautelar pedindo a oitiva dos agentes americanos, que até hoje não foi feita - afirmou João Vicente.
Segundo ele, o mesmo pedido deve ser encaminhado à Justiça argentina, que também apura o caso, já que Jango morreu no país. A ministra da Secretaria de Direitos Humanos, Ideli Salvatti, reforçou a necessidade de manter as investigações, porém, adianta que será preciso aguardar a posição do MPF e o relatório da Comissão Nacional da Verdade, que terá um capítulo sobre o líder trabalhista:
- O laudo é parte de um processo de investigação, ele não é a conclusão em si. A exumação faz parte do resgate da história de Jango.
A vida do trabalhista
- João Goulart nasceu em março de 1919, em São Borja. Deputado e ministro do Trabalho no segundo governo de Getúlio Vargas, foi eleito vice-presidente de Juscelino Kubitschek (1955) e de Jânio Quadros (1960) - à época, a eleição de presidente e vice eram separadas.
- Em 1961, Jânio renunciou. A relação de Jango com a esquerda fez os militares rejeitarem sua posse. Sob a pressão da Campanha da Legalidade, Jango assumiu o cargo, mas em um regime parlamentarista. Em 1963, um plebiscito restaurou o presidencialismo.
- Deposto e exilado em 1964, Jango só retornou ao Brasil após sua morte na Argentina, em 1976. Cardíaco e apreciador de carne vermelha, teria morrido de problemas no coração, porém, o corpo não passou por autópsia. Documentos comprovaram que Jango era monitorado pela repressão no exílio, o que deu margem para a versão do envenenamento.
Veja imagens da movimentação em São Borja:
* Zero Hora