Setembro de 2008. Cercado pelos principais ministros e o alto escalão da Petrobras, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva se entusiasma com a primeira amostra do petróleo retirado da camada pré-sal, na plataforma P-34, no litoral do Espírito Santo.
O Brasil apresentava ao mundo o mineral extraído a 7 mil metros de profundidade, cuja exploração - projeta-se até 35 bilhões de barris - colocaria o Brasil entre os 10 maiores produtores. Os royalties e as participações da União renderiam, de 2013 a 2022, R$ 200 bilhões - recursos que ajudariam a resolver problemas de saúde e educação.
Dezembro de 2014. Sob crise financeira sem precedentes e com a imagem destroçada, a Petrobras acumula dívida que chega a quatro vezes seu caixa. Em farpas com auditoria externa, a empresa não consegue entregar o relatório trimestral - atraso que pode custar multas bilionárias -, e ainda é processada por investidores por perdas em razão da corrupção.
Para completar, o preço do petróleo desaba no mercado externo e levanta dúvidas se realmente é hora de fazer investimentos pesados em extração. Conforme analistas do setor, a cotação atual de US$ 60 complica os resultados do pré-sal. Nos cálculos do governo, a exploração em águas ultraprofundas só ficaria inviável com o preço do barril abaixo de US$ 45. Não há especialista que discorde: o pré-sal está em xeque.
- O escândalo afeta diretamente o poder de investimento. Mesmo que consiga levantar todo o dinheiro para o pré-sal, o barril ficou tão barato que o valor de venda pode não cobrir o custo de exploração - diz Walter de Vitto, analista de petróleo da Tendências Consultoria.
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Investir no pré-sal é irreversível, mas a Petrobras cadencia o ímpeto. No plano de 2014 a 2018, a estatal anuncia investimentos de US$ 220,9 bilhões, a maior parte em produção e extração no pré-sal. A realidade se mostra diferente: o total investido somou US$ 16,5 bilhões no primeiro semestre deste ano, 12% abaixo do mesmo período de 2013. Sem a volúpia esperada, a produção de petróleo sobe apenas 1% ao ano desde 2006.
- A empresa ficou descapitalizada. As ingerências do governo, ao segurar o preço da gasolina, e a corrupção espantaram investidores - afirma Valter Bianchi Filho, sócio da Fundamenta Investimentos.
Ironicamente, a Petrobras tornou-se vítima de regras criadas para protegê-la. A exigência de compra de conteúdo nacional, que tantos empregos gera no Brasil, atrasa e encarece encomendas.
Meta é dobrar a produção até 2020
A participação obrigatória em leilões do pré-sal passa a ser vista como entrave para buscar parceiros que dividam os custos.
- Não podemos deixar que o pré-sal seja refém de regras criadas. O cenário agora é outro. Não dá para pagar caro para explorar um produto que está barato - avalia Haroldo Lima, ex-diretor da Agência Nacional do Petróleo.
Ainda que longe do ritmo esperado, os primeiros passos no pré-sal já foram dados. Um quarto dos 2 milhões de barris produzidos por dia tem essa origem.
A expectativa era que o óleo ultraprofundo levasse a companhia a dobrar a produção até 2020, chegando a 4 milhões de barris por dia. Para isso, a Petrobras precisará buscar recursos fora e vencer resistência de investidores.
Estratégia árabe baixa preço do barril
Por mais vital que seja para a economia mundial, nem o petróleo resiste à máxima expressa na lei da oferta e da procura: quanto mais tem, mais barato fica. Depois de permanecer no patamar dos US$ 100 por quase três anos, a cotação do petróleo despencou abaixo de US$ 60 nas últimas semanas, por dois movimentos. Primeiro foi a demanda internacional que caiu drasticamente. Além da economia mundial mais fraca, os EUA - um dos principais importadores do planeta - reduziram as compras e passaram a investir no petróleo de xisto.
O aumento na produção, especialmente no Iraque e na Líbia, de olho no mercado asiático, contribuiu para a queda. Ocorre que investir na exploração de xisto custa caro e só compensa se o barril de petróleo estiver alto. Isso tem gerado um cenário curioso. Países do Oriente Médio, que tinham os lucros inflados conforme subia o valor da matéria-prima, passaram a preferir - e estimular - um preço intermediário. Com o barril mais barato, ganham menos, mas tentam inviabilizar a exploração do xisto americano e, de quebra, dificultam a produção do pré-sal brasileiro.