Um rápido sobrevoo revela o boom imobiliário de Londrina, cidade paranaense de 485 mil habitantes. Graças à denúncia de um empresário do setor, lesado em um empreendimento, a Polícia Federal descobriu uma das maiores operações de lavagem de dinheiro do país. De quebra, a investigação revelou casos de corrupção na Petrobras e as relações incestuosas entre um doleiro e integrantes de diferentes partidos.
Com receio de novas descobertas, muita gente em Brasília dorme mal. O personagem do pesadelo é o doleiro Alberto Youssef, 47 anos. O menino que vendia salgados pelas ruas de Londrina agora é apontado como o responsável por lavar R$ 10 bilhões.
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Os tempos de pasteleiro ficaram para trás assim que, ainda adolescente, Youssef vislumbrou novo mercado contrabandeando eletrônicos do Paraguai. Foi detido cinco vezes com muamba. Logo, Youssef descobriu um negócio mais vantajoso.
Com apoio de políticos corruptos, há duas décadas ele se envolve em casos de desvio de dinheiro público. Fez fortuna colecionando amigos poderosos, envolveu-se em escândalos como o do Banestado, no qual bilhões foram enviados para paraísos fiscais, e teve o nome ligado a réus do mensalão.
- O Banestado foi a catapulta para Youssef se firmar como o maior doleiro do país. Ele saiu praticamente quebrado e se recuperou rapidamente. Hoje, todos os doleiros giram ao redor dele - afirma o então promotor Luiz Fernando Delazari, um dos primeiros a denunciá-lo, 10 anos atrás.
As acusações contra Youssef se avolumam. Na quarta-feira, encabeçou uma lista de réus da Operação Lava-Jato. Entre outros crimes, é acusado de cometer 3.649 vezes o de evasão de divisas. Entre 2011 e 2013, remeteu para o Exterior cerca de US$ 450 milhões. O dinheiro, de acordo com as investigações, sairia do país para pagamentos de importações fictícias de empresas operadas por laranjas.
Segundo a PF, o dinheiro movimentado pelo doleiro circula no submundo do crime, envolve tráfico internacional de drogas e até contrabando de diamantes de uma reserva indígena em Mato Grosso. Entre seus comparsas, estão Maria de Fátima Stocker - braço financeiro de uma organização que fornecia cocaína para a máfia italiana, desmontada pela PF em março _ e Nelma Kodama, que aparece em grampos como "Cameron Díaz", presa com US$ 200 mil na calcinha, quando embarcava para Milão.
Mas o que vem deixando gente com insônia são as ramificações de Youssef na vida pública. Além de ter sido flagrado trocando mensagens por celular com o deputado paranaense André Vargas (que pediu desfiliação do PT na sexta-feira), o doleiro tem relações com três dezenas de políticos, segundo comenta-se no Congresso.
Gente de PT, PP e PMDB, entre eles réus do mensalão, como o ex-assessor do PP, João Cláudio Genu. À época do esquema, foi Youssef quem delatou o Banco Rural e a corretora Bônus-Banval. O banco emprestava dinheiro ao PT, e a corretora fazia os pagamentos ao PP. Sua aproximação com os políticos começou em Londrina, com o falecido deputado José Janene (PP-PR), outro mensaleiro graúdo.
- A ligação dele sempre foi com o Janene - diz a vereadora Sandra Graça (ex-PP, hoje no Solidariedade).
Da Kombi ao jatinho
Após a morte de Janene, Vargas herdou as relações com o doleiro. Quem acompanha a ascensão do petista percebe o dedo de Youssef antes mesmo de o caso do jatinho vir à tona.
- Ele começou fazendo campanha em uma Kombi, hoje tem uma mansão - afirma um ex-cabo eleitoral.
A casa de Vargas não consta na declaração de bens registrada na Justiça Eleitoral. Foi erguida em um dos novos condomínios de luxo de Londrina e tem como vizinhos ilustres o narrador Galvão Bueno, o apresentador Ratinho e o cantor Luan Santana. Youssef mora em um apartamento na Vila Nova Conceição, em São Paulo, um dos metros quadrados mais caros do país.
A relação do doleiro com poderosos do PT e com o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa começou a causar inveja em antigos aliados. "Você se aproximou do PR. Não tenho ciúme, mas me sinto traído. Hoje está poderoso, cortejado por todos, resolve tudo para todos", queixou-se Genu, em um e-mail interceptado pela PF.
As iniciais "PR" referem-se a Paulo Roberto Costa. Ele e Youssef são suspeitos de montar uma rede com fornecedores da Petrobras, empresas fantasmas e offshores no Exterior, que fechariam contratos fraudulentos. A suspeita é de que parte do dinheiro seria usada para pagar propina a políticos. A sociedade com "PR" fez a banca de Youssef crescer, assim como a entrega de dinheiro. Em uma caderneta do ex-diretor, aparecem iniciais de políticos ao lado de cifras.
Em março, enquanto o doleiro era preso no Maranhão, a PF explodia seu bunker em Londrina. Ele operava no hotel Blue Tree. Em outro escritório, foi apreendida quase uma central de telefones móveis: 27, ao todo. Outros sete estavam com o doleiro, com um sistema para interceptar grampos. As ligações e as mensagens feitas por esses aparelhos serão agora mapeadas pela PF, o que explica o nervosismo de muita gente em Brasília.
Em delação premiada, Youssef explicou operações com dólares
Apontado como um dos maiores especialistas em lavagem de dinheiro, Alberto Youssef explica suas operações milionárias como se tratasse de troco em botequim. A aritmética para transformar reais sujos em dólares limpos é descrita em uma delação premiada em um processo posterior ao escândalo do Banestado. O juiz era o mesmo que agora autorizou a prisão de Youssef na Lava-Jato, Sérgio Moro.
Palavras do doleiro: "Uma pessoa entra em contato e diz: 'Eu preciso comprar US$ 9 milhões. Tá bom, eu posso te vender esses dólares a R$ 2,95. Ela diz: 'Está fechada essa operação, pode contar com os reais'. Aí, você sai no mercado comprando esses dólares".
A diferença do câmbio é paga pelo cliente, bem como a taxa de 1,5% que fica com o doleiro. A quantia final, com as taxas, é transferida para dezenas de contas. Se fosse necessário, Youssef também transportava dólares em aviões particulares, usando até pistas clandestinas.
Parte do dinheiro também servia para irrigar campanhas. O esquema era o mesmo do Banestado, diluído em inúmeras operações bancárias. A diferença é que os depósitos ocorriam em paraísos fiscais.
- Agora ele está muito mais sofisticado, com novos contatos políticos - afirma o ex-promotor Luiz Delazari.
Em grampos, Youssef aparece entregando dinheiro em Brasília, negociando contratos com o Ministério da Saúde e participando de reuniões na Caixa Federal e em apartamentos de deputados. Procurado por ZH, o advogado de Youssef, Antonio Augusto Figueiredo Bastos, não retornou as ligações.
Ligações políticas
Alberto Youssef tem histórico de envolvimento com políticos, quase sempre em escândalos
Antonio Belinati (PP-PR) - Ex-prefeito de Londrina, cassado após denúncias, é um dos mais antigos contatos de Alberto Youssef. Em 1998, o doleiro abriu uma conta no Banestado, em nome de empresa fictícia, na qual foram depositados R$ 120 mil. A verba teria sido desviada de licitações para campanhas, em suposto esquema com envolvimento de Belinati, secretários e servidores.
Governo Jaime Lerner - Gravações internas de uma agência bancária colocam Youssef no centro de uma fraude de R$ 39,6 milhões. O doleiro aparece recebendo três pagamentos, feitos pela companhia estadual de energia (Copel) em 2002. A estatal comprou créditos tributários frios de uma empresa falida. A gestão de Jaime Lerner (à época no PFL) barrou a ida de Youssef a uma CPI.
José Janene (PP-PR) - Morto em 2010, o ex-deputado foi quem abriu as portas de Brasília para o doleiro. À época do mensalão, Youssef teria apresentado a corretora Bônus-Banval aos integrantes do esquema. A empresa cuidava dos pagamentos a deputados do PP, entre eles Janene. Enivaldo Quadrado, dono da corretora e condenado no mensalão, foi preso na Operação Lava-Jato.
José Borba (PMDB-PR) - Ex-líder do PMDB na Câmara que recebeu R$ 2,1 milhões do mensalão, tem envolvimento com Youssef em um esquema municipal. Os dois foram condenados por desvio de R$ 80 milhões da prefeitura de Maringá entre 1997 e 2000. A fraude envolveria também o então secretário municipal da Fazenda. Youssef recorreu da condenação.
André Vargas (PT-PR) - O deputado era vice-presidente da Câmara até vir à tona sua relação com o doleiro. Youssef bancou um jatinho para ele viajar com a família de férias no verão. Vargas reconheceu ser amigo do doleiro há duas décadas, mas afirmou desconhecer suas atividades. Em seguida, surgiram informações sobre negócios de ambos com o Ministério da Saúde. Na sexta-feira, sob pressão do partido, Vargas deixou o PT.
Paulo Roberto Costa - Ex-diretor da Petrobras indicado pelo PP, ele reconheceu ter ganhado do doleiro um Land Rover de mais de R$ 200 mil. O ex-dirigente disse que o presente foi pagamento por uma consultoria. A PF suspeita que Costa e Youssef eram sócios em empresas, cobravam propina de fornecedores da Petrobras e repassavam dinheiro a políticos.
Políticos do PP - Na agenda de Paulo Roberto Costa, aparecem grafadas iniciais que seriam de políticos do PP, segundo a PF. A sigla teria recebido R$ 28,5 milhões. O dinheiro teria sido repassado ao diretório nacional, aos deputados Nelson Meurer (PP-PR) e João Pizzolatti (PP-SC) e aos ex-deputados Pedro Henry (PP-MT) e Pedro Corrêa (PP-PE). Todos negam envolvimento.
Negócios nebulosos
Desde que se tornou um dos principais alvos da Operação Lava-Jato, Alberto Youssef surgiu em meio a outras suspeitas
Negócios na Saúde - Diálogos interceptados pela PF apontam que o deputado André Vargas ajudou uma empresa controlada pelo doleiro, a Labogen, a obter contrato de R$ 31 milhões com o Ministério da Saúde para a produção de medicamentos. A polícia desconfia que o negócio seria usado para desviar dinheiro. O ex-ministro Alexandre Padilha (PT-SP) teria indicado um ex-assessor para dirigir a Labogen.
Verba para irmão - Grampos da PF mostram o deputado André Vargas cobrando do doleiro um pagamento a seu irmão, Milton Vargas. "Sabe por que não pagam o Milton?", perguntou, por escrito, o parlamentar. "Calma que vai ser pago. Falei para você que iria cuidar disso", respondeu Youssef. Vargas disse que o irmão prestou serviços de
tecnologia para a Labogen.
Delta - Há indícios de que o ex-diretor Paulo Roberto Costa tenha recebido, por meio de Youssef, propina para assinar contratos de R$ 840 milhões com a empreiteira Delta, que ficou responsável por parte das obras do Complexo Petroquímico do Rio. É a maior obra em andamento da Petrobras e está com mais de três anos de atraso. A Delta já tinha aparecido no escândalo envolvendo o bicheiro Carlinhos Cachoeira.
Abreu e Lima - Em construção no complexo de Suape (PE), a refinaria está envolvida em suspeitas de superfaturamento. O custo da obra já pulou de US$ 2 bilhões, em 2005, para US$ 18 bilhões. Empresas que atuam no empreendimento e outros fornecedores da Petrobras fizeram depósitos na conta da MO Consultoria, empresa de fachada controlada por Youssef.
EcoGlobal - A empresa EcoGlobal fechou contrato de R$ 443,8 milhões com a Petrobras, para locação de equipamentos e fornecimento de serviços. A PF suspeita de que a operação tenha sido tramada por Youssef. Ele e o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa acertavam a compra da EcoGlobal por R$ 18 milhões enquanto a empresa negociava com a estatal.
Tráfico - Youssef se tornou réu em uma denúncia do Ministério Público Federal referente à lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Neste caso, o foco é uma remessa de US$ 124 mil para o Exterior. Entre os envolvidos, está René Luiz Pereira, acusado de participar do tráfico de 698 quilos de cocaína da Bolívia, apreendidos pela PF no Brasil.
Apontado
Quem é Alberto Youssef, o doleiro suspeito no governo e na Petrobras
Preso pela Operação Lava-Jato, da PF, ele surge no centro de uma trama entre políticos
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