O Inter tinha os Eucaliptos desde 1931 e acolheu a Copa do Mundo com a casa renovada, em 1950. Já no ano seguinte, o Grêmio definiu o anteprojeto do Olímpico, inaugurado em 1954.
O Inter não ficaria atrás e, em 1956, requereu doação de área que seria aterrada dentro do Guaíba e empreendeu a saga de construção de um estádio majestoso com a ajuda da torcida e de abnegados, até a festa de 1969 que levou 100 mil torcedores ao primeiro jogo do Beira-Rio. E tudo começou com o sonho do patrono Ildo Meneghetti, de começar um gigante pelas águas do Guaíba.
Ninguém nos Eucaliptos suportava mais a onda dos gremistas que recém haviam inaugurado o Olímpico em 1954. "Chiqueiro, chiqueiro", gozavam os tricolores com sarcasmo.
Aquilo não ficaria assim. Quem sabe aumentar os Eucaliptos?
E prosperou a ideia de completar o anel de arquibancadas contando com a desapropriação da Rua Barão do Cerro Largo. Foi esse o plano que o então presidente Ephrain Pinheiro Cabral e os ex Salvador Lopumo, Joaquim Difini e Manoel Tavares foram em comissão sugerir ao governador do Estado, Ildo Meneghetti. Que era patrono do Inter, não deixaria o clube na mão.
Meneghetti ouviu a comissão, e alguém fez ponderada e justificada objeção:
- Ora, ora, não vamos fechar a Babi! O pessoal ficaria decepcionado com a gente.
Babi era um concorrido rendez-vous que havia anos fazia brilhar suas luzes vermelhas na altura da goleira do lado de cima dos Eucaliptos, na Barão do Cerro Largo. Político habilidoso do Partido Social Democrático (PSD), Meneghetti fechou com a explanação, até porque ele próprio engendrava uma solução muito mais arrojada.
Àquela época nascia um ambicioso projeto de aterro da orla do Guaíba, iniciativa dos governos estadual e federal. Após a canalização do Dilúvio com a abertura da Avenida Ipiranga, essa seria a grande obra pública da virada dos anos 1950/60.
Meneghetti expôs sua artimanha à comissão:
- Existe uma planta baixa de um enorme aterro na Praia de Belas, do Arroio Dilúvio à Rua José de Alencar. Vamos criar uma grande área verde, um parque. Eu sugeri então que se prolongasse um pedaço de terra e se criasse um local de esporte. Só não falei que isso pode ser nosso. Se contarem na rua ou se a notícia sair no jornal, foi por um de vocês quatro. É segredo de Estado.
Portanto, quem inventou o Beira-Rio foi Ildo Meneghetti.
E a cidade ficou com a Babi.
Dias depois o assunto estava no Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS), cujo diretor regional, Telmo Thompson Flores, tão colorado como Meneghetti, incendiou o assunto:
- Se vocês conseguirem a autorização do prefeito, eu me encarrego de colocar a areia.
O prefeito era Leonel Brizola, do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), adversário de morte do PSD do governador. Mas Brizola não viu problema em ceder a área.
Por isso no dia 12 de setembro de 1956 o vereador Ephrain, presidente da Câmara, apresentou projeto de lei pela doação de 7,5 hectares destinados à construção de um estádio numa futura área aterrada no Guaíba. Ou seja, na água, até então.
Foi o que detonou o sarcasmo da "boia cativa" por parte dos gremistas, bem assentados no Olímpico novinho. Mas a comoção dos colorados inundou a cidade, e a Câmara logo aprovou o projeto sancionado por Brizola.
E nasceram comissões de obras. O então presidente do clube, Luiz Fagundes Mello, nomeou Gildo Russowski, e desenhos pioneiros foram rabiscados no escritório da construtora dos irmãos Ruy e João Patrício Tedesco.
Enquanto isto, as dragas despejavam toneladas de areia na orla e davam forma a uma estreita extensão de faixa de terra.
TIROS NAS PLACAS DO FUTURO ESTÁDIO
Na altura do asilo Padre Cacique, havia a rua estreita e o Guaíba. Ali cresceu uma protuberância de aterro invadindo as águas como a barriga de uma grávida, à espera do estádio. E surgiu o numa comissão de obras o comerciante Eraldo Herrmann, que trabalhara de porteiro nos Eucaliptos na Copa do Mundo de 1950 e agora colocava a sua empresa de material de construção a serviço do clube.
Eraldo foi buscar José Pinheiro Borda - que, mais tarde, deu nome ao estádio -, atacadista de tecido na Rua Voluntários da Pátria que havia construído o moderno Hipódromo do Cristal durante sua presidência no Jockey Club. Logo a pedra fundamental foi assentada em 1963, e Eraldo abriu uma marcenaria no local.
- Construí o primeiro galpão de obras, rústico, com madeiras da minha empresa e do meu irmão, que era gremista e ficava de olho - contou Eraldo.
O tal galpão era metade local de ferramentas, metade moradia do primeiro operário, conhecido por Armando, que ali se instalou com mulher e filho pequeno. Uma placa à beirada da Padre Cacique anunciava "Futuro estádio do S. C. Internacional".
À noite os gremistas passavam de carro e furavam a placa a tiros. Um dos projetis atravessou o galpão e passou a centímetros da cabeça do operário sentado na cama. Seu Armando pegou a família e foi embora. Voltou a muito custo.
Thompson Flores logo foi obrigado a avançar mais 50 metros - e se sucederam adendos de doação ao projeto da Câmara.
A venda de títulos patrimoniais foi um estouro, e as pessoas paravam o carro ou a carroça na Padre Cacique e desembarcavam tijolo e cimento, numa campanha comovente.
- O Borda era o nosso relações públicas. Propagandeava as obras nas rádios. Quando ele morreu, decidimos fazer um chamarisco e criamos a churrascaria Saci - contou Eraldo.
Em campo, o time perdia 12 Gauchões em 13 anos, e a torcida defendeu a intervenção dos homens das obras no futebol. Carlos Stechmann, dono de fábrica de acolchoados, e Aldo Dias Rosa, dono de escritório de assessoria contábil, formaram com Eraldo e Tedesco o braço político dos anos de vitória na década de 70. Stechmann foi o presidente da inauguração, em 1969, e Eraldo o sucedeu, em 1974.
Um mês antes da inauguração, seu Armando, que construíra o estádio desde a primeira estaca, morreu do coração. Não viu a inauguração de sua obra.