As escadarias da Grand Station estão sempre tomadas de gente. São escadarias belíssimas, onde Kevin Costner segurou o carrinho de bebê que despencava degraus abaixo durante o célebre tiroteio de Os Intocáveis. Uma sequência forte, que mais forte se tornou por ser a homenagem de Brian de Palma a uma das mais dramáticas e poderosas cenas da história do cinema, filmada na escadaria Odessa, em O Couraçado Potemkin, de Eisenstein - se você não puder ver o filme, veja a cena no YouTube. Pois essas belíssimas escadarias nova-iorquinas, como disse, estão sempre obstruídas por turistas tirando fotos e filmando com seus celulares, e, entre eles, quase tantos quantos são os asiáticos, os brasileiros.
Há brasileiros à mancheia na Big Apple.
Os brasileiros fluem e flanam por Nova York porque aqui é o centro do mundo, porque a cidade é linda, porque a diversão grassa pelas esquinas e, sobretudo, porque tudo é muito mais barato nos Estados Unidos do que no Brasil. Tudo. Roupas, carros, eletrônicos e outros que tais custam um terço do preço cobrado na terra de Dilma e Maria Casadevall. Um terço, por Deus.
Estão nos roubando.
Brasileiros nos Estados Unidos não são como brasileiros no Brasil. Por aqui, eles são mais silenciosos, mais respeitadores. Mais civilizados. E esse é o grande trunfo dos Estados Unidos e das grandes democracias ocidentais: o estágio avançado da civilização. Só nas democracias ocidentais alcançou-se um nível razoável de respeito aos direitos humanos, à diversidade, à igualdade racial, à isonomia de gêneros. À justiça, enfim. E isso foi alcançado não graças ao dinheiro; graças à cultura.
Pegue a Alemanha. A Alemanha foi destruída materialmente várias vezes na sua história. Não apenas nas duas guerras mundiais, também pela peste e pela Guerra dos 30 Anos. Essa guerra eliminou mais da metade da população da Alemanha. Algumas vilas simplesmente deixaram de existir, quando o conflito terminou, e no meio do século 17 o reino restou dividido em mais de uma centena de principados. Mas a Alemanha se reergueu. A cada revés, se reergueu. Não conseguiu tais façanhas por dispor de riquezas naturais cobiçadas, como o petróleo dos países árabes, nem por ser tão grande e populosa que cada movimento seu faz o mundo estremecer, como a Índia e a China. Não. O bem mais valioso que a Alemanha tem é a cultura do seu povo.
Os Estados Unidos, da mesma forma. Não é porque os Estados Unidos movimentam um quarto da economia mundial que vão se recuperar da crise econômica - e eles vão. É porque, nos Estados Unidos, bem como nas outras democracias ocidentais tradicionais, o povo foi educado no respeito à Justiça e às instituições. O povo acredita no sistema.
Os brasileiros têm dinheiro. Gastam muito aqui e bem mais no Brasil. Mas não é o dinheiro que vai resolver os nossos problemas. O dinheiro nunca os resolveu. Dinheiro você ganha hoje e pode perder amanhã. Dinheiro pode ser roubado, como nos roubam aí, a cada pão & leite que compramos no mercado. Mas certos bens intangíveis, como a sensação de voltar aos tempos da Lei Seca quando você descer os degraus da Grand Station, ou a lembrança de uma cena compassiva de um filme de Eisenstein, isso ninguém vai lhe tirar.
Opinião
David Coimbra: "Escadarias de Nova York"
David Coimbra
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