Fernanda da Costa
A demarcação de 1,9 mil hectares como terra indígena em Sananduva e Cacique Doble, no norte do Estado, foi suspensa pela Fundação Nacional do Índio (Funai). A decisão foi comemorada por produtores rurais e desagradou os indígenas, que lutam há quase dez anos pela área.
A ação seria realizada na segunda-feira, mas um protesto dos agricultores em Brasília mudou o rumo do processo de demarcação. Produtores rurais de seis áreas em conflito no Sul, duas no Estado e quatro em Santa Catarina, bloquearam a entrada do prédio do Ministério da Justiça na manhã de quarta-feira e só liberaram a passagem após marcar uma audiência com o ministro José Eduardo Cardozo, que ocorreu à tarde. Eles reivindicaram mais atenção aos conflitos agrários na região, que envolvem agricultores familiares.
Durante a reunião, o governo prometeu criar uma mesa de diálogo para discutir estes conflitos. Cada caso deve ser discutido com mediação do Ministério da Justiça e participação da Funai, dos índios, do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e dos agricultores. Cardozo ainda afirmou que virá ao Estado para instalar a mesa de diálogo. A data da visita do ministro, no entanto, não foi confirmada pelo órgão.
Até que a discussão seja feita, a demarcação da área em Sananduva e Cacique Doble deverá permanecer suspensa. A Funai solicitou oficialmente o adiamento do início da demarcação da Terra Indígena Passo Grande do Rio Forquilha por meio de uma petição encaminhada à Justiça Federal de Erechim. No documento, o órgão alega que a mesa de diálogo buscará uma "solução pacífica para o conflito". O pedido foi acatado pela Justiça nesta sexta-feira.
O representante da Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar da Região Sul do Brasil (Fetraf-Sul) em Sananduva, Sidimar Luiz Lavandoski, afirma que a decisão deu esperança aos agricultores que residem na área em disputa. O adiamento e a criação da mesa de diálogo, segundo ele, representam uma possibilidade de negociação que não havia antes:
- Nós interpretamos isso como um passo importante na manutenção dos direitos dos agricultores. As demarcações não podem ser feitas à força, mas com diálogo.
Já para os índios, a notícia da suspensão foi recebida com reprovação:
- Essa notícia nos revoltou. Se a demarcação não acontecer, vamos ocupar a capela da comunidade - afirma o cacique Ireni Franco.
Entenda o caso
- Cerca de 110 famílias de agricultores de Sananduva e Cacique Doble, no norte do Estado, temem perder 152 propriedades devido a demarcação de terras indígenas nos municípios.
- ­Os índios reivindicam 1,9 mil hectares, onde residem e trabalham agricultores familiares, com propriedades de 12 hectares em média.
- A Fundação Nacional do Índio (Funai) iniciou o estudo preliminar da área em Sananduva e Cacique Doble em 2005 e concluiu o documento em 2009.
- Em 2011, o Ministro da Justiça assinou a portaria que declarou a área como terra indígena.
- Os agricultores, que têm escrituras com mais de cem anos, contestam na Justiça a portaria declaratória.
- No início de julho, um grupo de 50 índios invadiu uma propriedade na Comunidade São Caetano e acirrou o conflito agrário no município.
- Uma semana depois, um protesto dos agricultores, com o bloqueio das estradas que ligam o Centro de Sananduva com a comunidade de São Caetano, terminou em uma briga generalizada entre índios e agricultores. O conflito, que teve tiroteio e pedradas, deixou pelo menos quatro pessoas feridas. Três agricultores e um indígena tiveram de ser encaminhados ao hospital.
- Em outubro, outras duas propriedades foram invadidas pelos índios.
- A demarcação da área estava prevista para ocorrer no dia 11 de novembro, mas foi suspensa pela Funai para a criação de uma mesa de diálogo.
O conflito agrário no Estado:
- Em todo o Estado, os indígenas reivindicam 100 mil hectares em novas áreas e ampliações de propriedades já delimitadas.
- As novas áreas e ampliações praticamente dobrariam as terras indígenas já regularizadas ou em regulamentação, contabilizadas em 108 mil hectares.
- O Rio Grande do Sul é o Estado que apresenta o maior número de áreas indígenas sujeitas a conflito no país, conforme um levantamento do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
- O relatório demonstra que 17 dos 96 territórios classificados como em situação de risco ou conflito estão localizados em solo gaúcho, o que representa 17,7% do total nacional.