Desde as 20h daquela fria segunda-feira, em 14 de julho de 1913, quando 18 jovens resolveram fundar um clube para jogar futebol, até hoje, o Cruzeiro vive por pura insistência. Afinal, o mesmo time que já teve o melhor estádio de Porto Alegre também já fechou as portas. Por duas vezes. E as reabriu. A mesma equipe que foi pioneira nas excursões pelo Exterior entre os clubes gaúchos também viveu constantes dificuldades financeiras.
Só a obstinação dos seus poucos, mas abnegados torcedores para justificar as dez décadas de vida. E ainda com esperança de seguir em frente. Não é por nada que está próxima a mudança final de Porto Alegre para Cachoeirinha, que será realizada simbolicamente neste domingo, onde está sendo erguida a nova casa.
No início do século passado, no entanto, as agremiações não eram criadas para conquistar títulos. Era mais como as equipes atuais da várzea: a juventude do começo do século passado montava seus times para jogar entre si e, às vezes, contra algum adversário do mesmo bairro.
Na época, os 18 jovens se encontraram para uma reunião no prédio do antigo Cine Ópera, na Rua da Praia, centro da Capital. Cinco deles provinham do Sport Club Internacional, instituído quatro anos antes. Descontentes, esses cinco rapazes se desligaram do Inter e, por isso, passaram a ser conhecidos como o Clube das Cinco Estrelas. Na esquina com a Rua Uruguai, eles simbolizaram o novo clube com a constelação Cruzeiro do Sul.
Síndrome dos pequenos: um time que se repete
Levado pelo pai, ainda criança, ao antigo Estádio da Montanha, o aposentado Fernando de Oliveira Carvalho, 69 anos, tem orgulho de ser cruzeirista. Brinca dizendo que o Cruzeiro é o único campeão de tudo (por ter títulos no futebol, vôlei, basquete e futsal), mas vaticina:
- Paixão por um clube de futebol não é só por causa dos títulos. Não tem como explicar isso.
Fernando faz questão de lembrar que o time tem algumas marcas. Sempre foi um clube pioneiro. É um time teimoso. E é um time que se repete, sendo grande contra os grandes. E pequeno contra os pequenos:
- Basta olhar este ano. Ganhamos do Grêmio na Arena e, no jogo seguinte, perdemos para o Caxias.
Mas são casos como o diálogo entre o argentino Di Stéfano, do Real Madrid, e o zagueiro Waltão, durante a precursora excursão europeia, que também marcam a história. Encarregado de marcá-lo, Waltão irritou o adversário, que retrucou:
- Mirá, pibe, yo soy Di Stéfano, de Real Madrid.
Waltão, nem aí para a fama do craque, respondeu:
- E daí, sou o Waltão, de Canoas.
O pioneirismo da Europa
O então presidente do Esporte Clube Cruzeiro, Antônio Pinheiro Machado Netto, bateu pé. E fez do time o primeiro gaúcho a excursionar pela Europa - e o brasileiro precursor a jogar na Ásia. A maior aventura do hoje centenário Cruzeirinho começou em outubro de 1953 e terminou em janeiro de 1954, entre trens, ônibus, aviões e navios. Os 28 pioneiros passaram por seis países e disputaram 15 jogos. O retrospecto, até hoje, é comemorado: sete vitórias, cinco empates e apenas três derrotas.
A obstinação da volta
Marcada pela persistência, a história do Cruzeiro tem duas retiradas de cena. E duas voltas por cima. A primeira foi entre 1973 e 1975. Naquela época, o Gauchão era disputado durante todo o ano. E o time, desclassificado na primeira fase deficitário, fechou as portas. Voltou em 1975, quando participou de uma classificatória para o Estadual de 1976. Três anos depois, já na nova casa, inaugurada em 1977, o Cruzeiro encerrou as atividades para só voltar em 1991. Foram longos 20 anos longe da elite do Gauchão. A volta ocorreu em 2010.
Bebedeira na Turquia
Foi em Istambul que o secretário do clube, Rivadavia Prates, morreu de um ataque cardíaco. Abalado, o zagueiro Waltão descumpriu as normas do técnico Osvaldo Rolla, que havia proibido a bebida durante a viagem. Ao voltar para o hotel, foi questionado pelo treinador, e respondeu:
- Bebi, sim, não enche, que eu vou dormir!
Imediatamente, Rolla o dispensou, mas voltou atrás após um singelo pedido de desculpas.
- O senhorrrr foi humilde em reconhecerrrr o erro. Então, pode desfazerrrr as malas e ficarrrr - disse, puxando seus característicos erres.
Tradição
Dificuldades financeiras, pioneirismo, carisma: o Cruzeiro chega ao centenário
Clube fundado em 14 de julho de 1913 foi o primeiro time gaúcho a excursionar pela Europa
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